29/04/2012

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ESTA SEMANA NA


"VISÃO"

Padres em sarilhos 
Suspeitas de furto de muito dinheiro. Avultados financiamentos obtidos de idosos, a fundo perdido. A tentação do pecado da carne. Socos e pontapés numa paroquiana sexagenária... As sombras chinesas do recato de sacerdotes revelam o inacreditável. 

São seis da tarde, o som do sino ouve-se para lá da estrada que passa junto da igreja de Subportela, aldeia situada a 3 quilómetros do rio Lima, no concelho de Viana do Castelo. No interior do templo, cerca de 20 fiéis estão sentados e alinhados ao longo de vários bancos de madeira aguardam o líder religioso da paróquia. Nesse instante, um carro preto aproxima-se a alta velocidade do parque de estacionamento. O padre Adão Lima, vestido com um fato escuro, sai do automóvel, conduzido por uma assistente, e dirige-se de imediato ao encontro dos paroquianos. A missa pode começar. Dois dias antes, num domingo de março, o sacerdote estivera ali, num registo bem diferente. Quem assistiu diz que, por momentos, julgou tratar-se de um comício político uma caravana com perto de 30 carros atravessou a povoação ao som de buzinadelas. Pouco depois, meia centena de pessoas juntouse no adro, empunhando cartazes com frases de apoio a Adão Lima, que discursava, entusiasmado, queixando-se de uma "campanha difamatória" promovida pelos seus "inimigos". As palavras do padre eram projetadas por um sistema de som instalado no exterior da igreja e festejadas com aplausos. O encontro terminou com uma almoçarada no melhor restaurante da povoação. A iniciativa acirrou ainda mais o ambiente entre os 1 182 habitantes de Subportela, a ponto de alguns temerem que a contenda termine com derrame de sangue. A personagem principal desta história é o homem que comanda a paróquia desde janeiro de 2003 e que, recentemente, foi acusado de pedir avultados empréstimos à população. Adão Lima recebeu 50 mil euros de um idoso de 90 anos, sob a promessa de devolver o dinheiro em 2017... Do outro lado do campo de batalha, a dar a cara pela contestação, está a, porventura, segunda figura mais influente da aldeia: o presidente da Junta de Freguesia. Ilídio Rego, 64 anos, de estatura baixa, voz grave e discurso pausado, conhece pelo nome todos os habitantes cumpre o seu terceiro mandato e diz estar desgostoso com a má imagem que a situação empresta à terra. "O padre devia ter vergonha de pedir dinheiro a pessoas tão idosas", indigna-se. "Utiliza o seu ascendente religioso para convencer os fiéis, durante as missas, chegando mesmo a ameaçar e a humilhar quem não colabora." 

Populares relatam que uma das supostas estratégias do padre passava por afixar à entrada da igreja nomes e as respetivas contribuições. "Era uma forma de penalizar quem dava menos dinheiro, envergonhando-os perante a comunidade", diz Tiago Afonso, 45 anos. Este técnico de som nunca mais se esquece de uma frase proferida pelo pároco, numa missa: "Estou ansioso pelo fim do sigilo bancário para ver quanto é que vocês têm nas contas." Adão da Silva Lima, 56 anos, é natural de Vila de Punhe (Viana do Castelo), onde viveu juntamente com os pais e nove irmãos quatro deles também são padres. Há nove anos que gere as paróquias de Subportela e de Deão, uma aldeia vizinha. Ao longo deste período, pediu dinheiro ao seu rebanho para várias obras: residências paroquiais, centros de dia e, mais recentemente, um lar para idosos, que ainda não está concluído.

 'QUE DEUS LHE PAGUE' 
David Pereira é um dos muitos habitantes de Subportela que já doou dinheiro para as obras da igreja. Apesar disso, diz ser contra o último peditório. O ex-emigrante, regressado há três anos de França, está a tentar anular um acordo que um tio seu, de 90 anos, celebrou com o padre Adão Lima. O documento intitula-se Contrato de Financiamento Particular de Mútuo sem Garantias Hipotecárias e sem Juros, e, num dos pontos, estabelece que, em caso de morte, o empréstimo passa a doação, impedindo os herdeiros de reclamar a quantia em causa. "O padre levou o meu tio diretamente ao banco, para fazer uma transferência bancária no valor de 50 mil euros", conta David Pereira. "Disse-lhe que era para ajudar nas obras do lar de Deão, e até lhe prometeu reservar um quarto." Como sinal de reconhecimento, Adão Lima ofereceu um diploma ao benemérito, no qual se lê a seguinte frase: "Que Deus multiplique por muito o que fizestes." Há muitos anos que as iniciativas do padre geram comentários na freguesia. 

A residência paroquial de Subportela, por exemplo, terá custado cerca de 200 mil euros. O edifício, branco e de arquitetura moderna linhas retas, janelas largas e altas, destaca-se, no meio do terreno que se estende ao lado da igreja. A casa tem seis quartos, um jardim e garagem, mas não é habitada; o padre prefere pernoitar em Deão, onde dispõe de outra residência paroquial. A VISÃO foi ao encontro de Adão Lima, mas uma das suas assistentes informou que o sacerdote não estava disponível para falar com jornalistas. O padre também não respondeu às perguntas enviadas para o seu e-mail. José Cardoso, 41 anos, encarrega-se de o defender. "É um grande homem, com muita obra feita", garante o empreiteiro, que recusa ser fotografado. "Já lhe emprestei dinheiro várias vezes e nunca tive nenhum problema", diz este habitante de Subportela, que ajudou a organizar a manifestação de apoio ao sacerdote. "Isto não passa de uma vingança de um grupo de pessoas que foram expulsas do coro da igreja." 

ARMADILHA SEXUAL 
 A VISÃO sabe que chegaram pedidos à diocese de Viana do Castelo, para que o bispo Anacleto Oliveira esclareça a situação. Para já, o padre de Subportela e Deão continua a gerir a paróquia como se a polémica não existisse. 
Beneficia, talvez, de uma curiosa coincidência nos últimos meses, foram enviadas várias participações para aquela diocese, dando conta de comportamentos menos claros de outros sacerdotes. Um dos casos, por sinal, respeita a Alípio Lima, 60 anos, irmão do pároco de Subportela. O sacerdote Alípio viu-se envolvido numa trama com contornos cinematográficos: sexo, prostitutas e extorsão de dinheiro. A história fez corar muitos dos seus fiéis. Em dezembro último, após semanas de angústia e reflexão, o padre decidiu dirigir-se ao posto da GNR para, por fim, dar conta do que o atormentava. Alípio Lima confessou aos militares que andava a ser alvo de chantagem por parte de uma mulher que conhecera através de anúncios eróticos na net. Durante quatro meses, a prostituta exigiu-lhe o pagamento de vários milhares de euros, ameaçando tornar públicas dezenas de mensagens de telemóvel e fotografias supostamente comprometedoras. A mulher acabaria por ser detida em flagrante delito, no momento em que o padre lhe entregava mais um envelope com 500 euros. No dia em que a VISÃO esteve em Vila de Punhe, já Alípio Lima, o pároco local, voltara a celebrar missas esteve suspenso durante dois meses. Atualmente, a população já nem quer ouvir falar no assunto. "Ele é homem, o que é que se há de fazer", conforma-se uma mulher, numa pequena mercearia, perto da igreja. Quando regressou às suas funções, Alípio Lima explicou aos paroquianos o que sucedera, garantindo-lhes que fora vítima de uma cilada e que nunca chegara a estar presente em nenhum encontro sexual. À VISÃO, preferiu nada dizer. 

MILHARES DE EUROS A 'VOAR' 
As dores de cabeça do bispo de Viana do Castelo, que lidera a diocese há poucos meses, não se esgotam nas supostas aventuras do padre Alípio. De Arcos de Valdevez, localidade situada a 55 quilómetros de Vila de Punhe, mais para o interior do concelho de Viana do Castelo, também chegaram relatos preocupantes. Um sacerdote foi acusado de ter furtado 20 mil euros do cofre da residência paroquial da vila. Quem lhe aponta o dedo é Marco Ribeiro, promotor imobiliário que vive em Barcelos. Depois de vender um terreno em Vila do Conde, por 25 mil euros, aceitou a sugestão do padre André Filipe, que se terá oferecido para guardar a quantia no cofre da casa paroquial. Na altura, o sacerdote publicitou-lhe o bom sistema antirroubo do equipamento. Marco Ribeiro conhecera André Filipe durante os dois anos em que esteve no seminário de Braga. 

Até que, a 11 de junho de 2010, recebeu um telefonema que o deixou boquiaberto. Era André Filipe a informá-lo de que a residência paroquial fora assaltada. "Disse-me que os ladrões não tinham danificado nada, achei isso muito estranho", recorda Marco Ribeiro. O padre acrescentou, também, que não queria apresentar queixa à polícia receava que os agentes estranhassem a existência de tanto dinheiro numa casa paroquial e que o bispo tivesse conhecimento do episódio. Dez dias depois, André Filipe devolveria 5 mil euros a Marco Ribeiro, quantia que tinha investido numa aplicação financeira. O promotor imobiliário, que não aceitou ser fotografado, chegou a apresentar uma participação criminal contra o padre, mas o caso acabou arquivado, por falta de provas. De nada lhe serviu possuir uma gravação com uma suposta conversa que manteve com o padre André a uma mesa de café. Nesse diálogo, o pároco reconhece ter colocado os 25 mil euros no cofre André Filipe disse à polícia que Marco Ribeiro lhe pedira para guardar apenas 5 mil euros. Mas o promotor imobiliário de Barcelos não consegue obter respostas do bispo de Viana do Castelo, do Tribunal Eclesiástico ou do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica. Contactado pela VISÃO, André Filipe limitou-se a dizer que não quer "ouvir falar mais no assunto". Em Pedroso, uma aldeia pobre, cravada no cimo de uma montanha, e uma das quatro povoações onde André Filipe celebra missas, as opiniões dividem-se. Uns recordam uma carta anónima que, certo dia, apareceu em várias caixas de correio, com acusações graves contra o pároco, ou os conflitos relacionados com dinheiro, durante a organização das festas populares. Outros preferem destacar a simplicidade do padre. Todos o fazem sob anonimato.

 O CASTIGO DO 'PADRE DAS ARMAS' 
 O telhado é preto, as paredes da casa de pedra assentam numa rua suja e estreita, por onde antigamente passavam carroças carregadas de alimento para o gado. As janelas de ferro enferrujado e o vidro fosco não deixam perceber nada do interior da habitação. É este o mau estado da residência paroquial de Viade de Baixo, aldeia do concelho de Vila Real, que só há escassos meses voltou a ter padre. "O anterior decidiu mudar de vida e fugir com uma senhora estrangeira", conta uma das poucas habitantes da povoação, junto da Igreja Matriz de Santa Maria de Viade. 

 Atualmente, a paróquia é liderada por Fernando Guerra, o padre que se tornou famoso depois de a polícia lhe ter apreendido seis armas e 800 munições. "Já o conhecíamos da televisão, no início as pessoas andavam desconfiadas, mas estamos contentes por voltar a ter missas", diz a mesma habitante. Fernando Guerra foi condenado, em outubro de 2011, a três anos de prisão (com pena suspensa), e não se livrou de uma reprimenda do bispo de Vila Real. O castigo chegou este ano, com a transferência para a paróquia de Viade, onde está desde janeiro. Fernando Guerra queixa-se à VISÃO das "más condições" em que vive, e diz que prefere pernoitar numa outra casa que possui fora da aldeia, em Covas de Barroso, onde guardava aquele arsenal. "A residência paroquial está em péssimo estado", conta. O padre já celebrou algumas missas e tenta, aos poucos, conquistar a confiança dos cerca de 40 habitantes da aldeia. Pelo menos até que lhe seja entregue a chave da igreja o que ainda não tinha acontecido. 

PANCADARIA JUNTO DA CAPELA 
Com Paulo Filipe, 37 anos, acontece exatamente o contrário. Apesar de também ter sido condenado em tribunal, vê a população de Soutelo, aldeia do concelho da Lousã, completamente do seu lado. A 7 de março passado, o tribunal condenou-o a pagar 1 500 euros de indemnização a Maria Altina, 62 anos. O episódio ocorreu a 14 de dezembro de 2010, e esteve relacionado com uma suposta discussão sobre a propriedade da capela de São Pedro, que fica encostada a uma pequena vinha, de que a queixosa é dona. Maria Altina garantiu em audiência que, por volta das 12 e 50 daquele dia, fora violentamente agredida pelo padre Paulo Filipe, com socos e pontapés. 

O sacerdote, por seu lado, referiu que, a essa hora, estava no centro da povoação a cortar o cabelo. O juiz valorizou o depoimento de três testemunhas arroladas pela acusação, que asseguraram ter visto as agressões, depreciando os relatos da cabeleireira e de outras pessoas, que disseram que o padre nunca estivera perto da capela durante a hora de almoço. "Nunca pensei ser condenado, isto é muito desgastante", diz Paulo Filipe, que continua a celebrar missa na capela, e sempre com casa cheia. "Julgo que, por sermos uma figura central nas aldeias, acabamos por estar mais sujeitos a este tipo de situações." A sua advogada afirma que vai recorrer da sentença para o Tribunal da Relação de Coimbra. "É curioso que nenhuma das testemunhas da acusação tenha ido com a senhora ao hospital", indigna-se a defensora, Ana Almeida Santos. "Essas pessoas não foram sequer vistas na povoação!" Maria Aguiar, 43 anos, é dona do café de Serpins a dois quilómetros da capela. Foi aí que Maria Altina se dirigiu para pedir auxílio. "Garanto-lhe que não vi uma única nódoa negra ou gota de sangue na senhora", diz Maria Aguiar, amiga do padre desde a infância mas os médicos diagnosticaram uma ferida no olho direito da vítima. "Sei que ele era incapaz de uma barbaridade dessas. É um santo homem!" 

 * A batina tem uma braguilha muito grande..


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