22/01/2012

JORGE FIEL




Como espalhar um boato


A repressão funciona. Custa-me reconhecê-lo, mas é verdade. Enquanto me lembrar dos 120 euros que paguei de multa, sempre que estiver ao volante e o telemóvel tocar, ele fica a ladrar sozinho. Eu não atendo.
Se, em 1992, não tivesse sido obrigado a viver durante uma semana num sítio (uma enfermaria do Hospital de St.º António) onde o tabaco era proibido, o mais certo era ter acontecido uma de duas coisas: ou continuava a fumar dois maços de SG Filtro por dia, ou já estava a fazer tijolo - o tabagismo é a principal causa de morte prematura.
Vinte anos depois, estou muito satisfeito por ter deixado de fumar. Economizei dinheiro e pulmões. Passei a respirar e a dormir melhor - e a acordar mais feliz. Confesso que nas primeiras semanas senti a falta do cigarro quando tomava café no final de uma boa refeição, mas essa carência era compensada pela redescoberta de sabores e aromas.
Aplaudi a legislação antitabágica de 2006, cujo impacto positivo já é mensurável: o contingente de fumadores minguou 5% e 22% dos viciados reduziram o consumo, que apesar de ter caído de 12 para 11 biliões (entre 2011 e 2010) de cigarros ainda garante ao Estado uma confortável receita fiscal de 1,35 mil milhões de euros, oito vezes superior à proporcionada pelo vício do álcool (175 milhões).
Apoio o provável endurecimento da lei do tabaco e sigo com curiosidade as consequências do proibicionismo, em particular desde que li um artigo do New York Times que salientava duas tendências curiosas: a satisfação dos donos dos restaurantes (as receitas tinham aumentado porque a diminuição da venda de digestivos, cujo consumo está associado ao cigarro, fora compensado pelo aumento da rotação das mesas) e o anormal crescimento dos divórcios nos casais mistos (um fumador e outro não), recenseado por estatísticas e sociólogos: no final da refeição, vai lá fora fumar um cigarrito, à porta do restaurante trava conhecimento com outros fumadores, começam a conversar e, já se sabe, muitas vezes é mesmo a ocasião que faz o ladrão.
Esta última consequência será muito mitigada se, como tudo indica, for para a frente a intenção já anunciada de ilegalizar as concentrações de fumadores à porta de restaurantes e bares.
No nosso país, a proibição teve o excelente efeito secundário de desencadear o ressurgimento das esplanadas e de alterar de uma forma profunda o relacionamento nos locais de trabalho.
Os não fumadores passam o dia sem levantar o cu da cadeira, interagindo pessoalmente cada vez menos com os colegas - quando têm algo a dizer, usam o telefone interno, o mail ou o Messenger. Os fumadores encontram-se cá fora, várias vezes ao dia, nas pausas para fumar um cigarro, que aproveitam para pôr a má língua em dia. Hoje, para pôr a circular um boato numa empresa, é preciso escolher um fumador para o espalhar.

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
20/01/12

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