Os melhores e mais emocionantes
vinhos do ano
Por Rui Falcão
26.12.2011
Uma lista dos dez vinhos mais emocionantes do ano 2011, segundo Rui Falcão, incluindo algumas novidades
e estreias absolutas.
Chegados ao mês de Dezembro, quando nos abeiramos do final do ano, é tempo de reflexão, tempo de adiantar escolhas pessoais, de eleger os momentos mais marcantes do ano, personalidades do ano... e, como não poderia deixar de ser, tempo de aclamar os vinhos do ano.
Se para uns o condensar de um ano inteiro numa lista de nomes é um exercício simples, redutor e sem relevância, um facilitismo típico das sociedades de consumo, para outros este é um momento respeitado, o instante em que se nomeiam os melhores entre os melhores, sempre de acordo com os critérios pessoais de quem se aventura a preencher estas listas.
Esta que vos apresento é a minha selecção, a minha escolha pessoal dos dez vinhos portugueses que mais me emocionaram ao longo deste ano. A lista inclui, tal como é tradicional nestas selecções, algumas novidades e algumas estreias absolutas. Um pouco em contra-ciclo com a opinião publicada este ano, adoptei apenas um vinho branco para a galeria dos dez melhores. Fi-lo face à parca qualidade para brancos das colheitas 2009 e 2010, duas vindimas que considero terem sido pouco propícias a gerar vinhos brancos de eleição. Tal como já o fiz no passado, voltei a aclamar este ano um vinho espumante português, algo que durante muitos anos considerei ser um episódio pouco provável.
Estranhamente, e apesar de algumas das principais casas do Vinho do Porto terem declarado 2009 como ano vintage, não senti que os vinhos que provei revelassem a densidade e relevância necessárias para poderem constar nesta selecção. Em compensação, confesso que não consegui deixar de qualificar aquele que durante anos foi o único Vinho da Madeira com indicação de idade de 40 Anos, um vinho absolutamente excepcional.
Com isso a escolha pessoal dos vinhos que mais me marcaram ao longo deste ano fica distribuída entre um vinho tinto do Alentejo, um vinho tinto do Dão, três vinhos tintos do Douro, um vinho tinto e um vinho branco de Lisboa, um vinho tinto de Setúbal, um vinho espumante e um Vinho da Madeira.
Os 10 mais
Apresentados por ordem alfabética de região, começamos então pelo blog 2009*, do Alentejo, um vinho que sabe conciliar de forma especialmente feliz a potência com nobreza, vigor com harmonia, sabedoria com juventude. Sim, a estrutura é férrea, os taninos apresentam-se firmes, a acidez é generosa, o volume impressiona e a amplitude intimida... mas o que sobressai no final é a pureza e finura, o talento de conseguir colocar uma luva de veludo num punho de aço.
O Quinta dos Roques Reserva 2007, do Dão, é um tinto imenso, titânico na amplitude e dimensão, um caso sério de rigor e vigor, de potência controlada e austeridade bem medida. Visceralmente clássico no estilo, sem ceder a modernidades de gosto duvidoso, é um tinto enorme que impressiona pela pujança tranquila que transmite, pela serenidade de quem sabe que não é preciso gritar para ser ouvido. Um tinto que poderá perfeitamente ser esquecido na garrafeira durante os próximos vinte anos. Um clássico!
O Quinta da Manoella Vinhas Velhas 2009, do Douro, emociona desde o primeiro segundo, seduzindo pela delicadeza da madeira, pela amplitude de uma fruta certinha e tão bem definida, pela métrica perfeita da boca, pelo ritmo endiabrado do palato e pela sofisticação subtil do final de boca. Preciso, fino, harmonioso, sólido sem nunca ser agressivo, firme nos taninos mas aveludado e sedutor, elegante mas bravo no vigor e imperial na estrutura, é um grande tinto do Douro.
O Quinta do Infantado Reserva 2008, igualmente do Douro, emociona pela dimensão e precisão aromática, pelos taninos firmes mas finos, pela quase perfeição da boca, pelos rendilhados aromáticos e pela firmeza do final de boca. Um Quinta do Infantado notável, naquele que é, muito provavelmente, o melhor Quinta do Infantado Reserva de sempre. Notável!
A novidade do ano da Niepoort, o duriense Ultreia 2007 riscado pelo enólogo galego Raul Peréz, apresenta-se misteriosamente austero e profundo, preciso e rigoroso, duro e intransigente, num estilo que o torna impróprio para principiantes ou amantes da fruta gulosa. Rijo e imperial na estrutura óssea, carnudo e musculado, consegue ser simultaneamente seco e suave, rígido e sedoso, tenso e dócil, terminando quase interminável.
De Lisboa surge o Ex Aequo 2008, da Quinta do Monte d"Oiro, repleto de rendilhados aromáticos que sobrevêm numa cadência vertiginosa, espraiando-se entre cerejas, violetas, cravos, lima, alfazema e pimenta, sustentando um ritmo endiabrado que a boca suave logo se encarrega de serenar. Sedoso e sedutor, meigo nos taninos mas firme na estrutura, termina longo e melodioso, brindando com uma sensação de paz e conforto.
Também nascido em Lisboa, em Mafra, o Quinta de Sant"Ana Alvarinho 2010 espanta pela timidez inesperada do nariz, prontamente ressarcida por uma boca eléctrica que consagra um vinho incrivelmente mineral e tenso, seco e mastigável, vivo e cheio de nervo, com um final empolgante de firmeza, nervo, tensão e audácia.
O Cavalo Maluco 2008, da Península de Setúbal, apregoa um tsunami de proporções bíblicas, de emoções comandadas por uma boca felina, num corrupio doido de taninos imperiais, acidez feroz, fruta bem comportada e estrutura hercúlea que o conduzem para um final absolutamente apoteótico. Por ora deixe-o a repousar na garrafeira, mas saiba que tem vinho para os próximos quinze anos.
A representação dos vinhos espumantes é assegurada pelo Murganheira Cuvée Reserva Especial Bruto 2002, brilhante nas notas aromáticas de padaria, nas torradas e nos leves traços de licor, revelando uma complexidade pouco habitual nos espumantes nacionais. Delicado e fresco, viçoso e revigorante, complexo e distinto, é uma das melhores publicações de sempre da Murganheira, ainda com muitos anos de vida pela frente. Elegância, frescura e sapiência!
Por fim o HM Borges 40 Anos Malvasia, um Vinho da Madeira que alarma logo pela profundidade da cor, pelas tonalidades castanhas mogno a tender para o chocolate. O nariz revela um misto de delicadeza e brutalidade, alternando entre os apontamentos de caril, noz-moscada, nozes, caramelo e uma leve pincelada de limão. Mas é a boca que consagra a estocada final, subjugada pela acidez voluntariosa, espevitando mas não espantando, oferecendo um final fresco e apoteótico, capaz de limar qualquer excesso de açúcar. Um vinho colossal de que se encheram somente mil garrafas.
*Não posso terminar sem fazer uma declaração de interesses, pois não será certamente irrelevante para os leitores que o enólogo responsável pelo vinho blog 2009 seja Susana Esteban, minha mulher. Sei que a condição não me tolda a apreciação, mas não ficaria bem com a minha consciência se não vos informasse desta circunstância.
IN "PÚBLICO"
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