23/11/2011


HOJE NO
"i"

Aperto inédito. 
Dívida das famílias à banca
cai há quatro meses
Montanha de créditos à habitação está a diminuir desde Agosto, uma tendência inédita na economia portuguesa


Na década passada, até 2006 o ritmo de concessão de crédito habitação cresceu a dois dígitos, assim como a montanha total de crédito que se foi acumulando. Foi também assim nos anos 90 (onde só num ano o crédito cresceu a um dígito) e nos anos 80 (em 1989).
O contraste com o presente é total.
Os números do Banco de Portugal (BdP) ontem publicados mostram que o total de crédito à habitação na economia portuguesa – que vale cerca de 80% dos empréstimos feitos pela banca a particulares – caiu em Setembro pelo segundo mês consecutivo. A esta tendência de quebra – inédita pelo menos desde Dezembro de 1980 – junta-se a diminuição do crédito total das famílias à banca (que dura desde Junho). É oficial: a desalavancagem das famílias pretendida pela troika – isto é, a redução da dívida – está já a acontecer.
“Representa um ponto de viragem”, explica Paula Carvalho, economista do Banco BPI. “Por um lado não há maior disponibilidade de crédito da parte da banca e, por outro, as famílias repensam os seus padrões de consumo”, acrescenta.
Olhando apenas para os balanços dos bancos – que em termos agregados surgem traduzidos no boletim estatístico mensal do Banco de Portugal – Setembro foi o primeiro mês em que o crédito total concedido aos particulares diminuiu em termos homólogos (-0,2%). No entanto, os bancos têm recorrido a operações de titularização de créditos (sobretudo hipotecários) para arranjarem financiamento – o banco vende os créditos a uma entidade gestora e arrecada já o seu valor (um instrumento que perdeu gás, segundo apurou o i, dadas as dificuldades de aceitação no mercado).
A correcção dos balanços – feita pelo Banco de Portugal para incluir estas operações – mostra que o crédito total a particulares está a diminuir há mais tempo, desde Junho (-0,1%), com uma tendência em aceleração (-1,2% em Setembro, cerca de 200 milhões de euros a menos de montanha de dívida).
O início do desendividamento das famílias é transversal a todas as categorias: no crédito ao consumo a evolução negativa começou em Fevereiro deste ano; no crédito à habitação o primeiro valor negativo surgiu em Agosto (-0,3%, acelerando para -0,7% em Setembro). O pico da montanha de dívida hipotecária dos portugueses aconteceu em Março deste ano: 114,5 mil milhões de euros. Em Setembro estava 737 milhões de euros mais baixa, mostram os dados do banco central.
Os economistas salientam que este processo de desalavancagem será muito lento. “A forte contração dos rendimentos em princípio não permitirão uma diminuição muito rápida da dívida”, aponta Filipe Garcia, economista da consultora IMF.
A dieta, contudo, é já visível e corresponde a uma mudança do paradigma de crescimento ininterrupto do crédito verificado ao longo das últimas três décadas. “Não é algo necessariamente negativo, uma vez que significa a correcção de uma trajectória insustentável”, aponta Teresa Gil Pinheiro, do Banco BPI.
No outro lado da dívida privada – as empresas – o crédito concedido aumentou cerca de 267 milhões de euros em Setembro face a Agosto, mas a tendência geral é de abrandamento do ritmo. Na semana passada a troika apontou que não há ainda sinais de que esta queda esteja a asfixiar a economia.


* Este ineditismo de circunstância resulta da corda que aperta a garganta do cidadão. O recurso ao crédito diminui porque a miséria aumenta desmedidamente, não por razões de poupança, porque no tempo do cavaquismo ensinaram os portugueses a ser gastadores.

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