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Não é o Holocausto, não é
IN "OBSERVADOR"
15/04/20
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Não é o Holocausto, não é
o apartheid, não é
o gulag: é a China
As autoridades chinesas selecionam para quarentena obrigatória qualquer um que seja negro, sem outro critério que não a sua etnia, mesmo que tenha os vistos e as autorizações necessárias.
Há menos de um mês, assinei um ensaio no Observador
sobre “a verdade sobre a China que não podemos ignorar (mas que vamos
ignorar)”. Infelizmente, não demorou muito a confirmar-se que seria
assim. Ontem, o Financial Times e a CNN
noticiaram que, na China, famílias inteiras de ascendência africana
estão a viver nas ruas, com os seus passaportes confiscados, depois de
terem sido despejadas das suas casas. Em Guangzhou, o McDonald’s
recusou servir um cliente por este ser negro e outros estabelecimentos,
como restaurantes e mercearias, estão a vedar a entrada com base na cor
da pele de quem quer entrar. As autoridades chinesas selecionam para
quarentena obrigatória qualquer um que seja negro, sem outro critério
que não a sua etnia, mesmo que tenha os vistos e as autorizações
necessárias.
Quero deixar aqui bem claro que não estamos a falar do III Reich, nos anos 30, do gulag estalinista, nos anos 40, ou do apartheid sul-africano, que durou até aos anos 90 do passado século. Estamos a falar do regime de Xi Jinping, hoje, agora, neste momento.
Portugal,
um país com relações e responsabilidades especiais em África, não pode
ignorar o apelo que o corpo diplomático africano fez, por escrito, a
Pequim. Fazê-lo, seria ficar do lado do racismo, da xenofobia e de tudo
aquilo que a República portuguesa não representa. O país que parou – e
muito bem – para ser solidário com Moussa Marega não fecharia os olhos a
estas perseguições étnicas. Até agora, no entanto, não se viu mais do
que um desmentido da Agência Lusa, que citou e deu título ao
porta-voz chinês que há semanas acusa os Estados Unidos de serem a
origem do coronavírus e que já foi, inclusivamente, desautorizado pelo
embaixador da China nos EUA. É triste e, sobretudo, é falso.
Quando o ano mudou e inaugurámos uma nova década, escrevi nesta coluna que seria “uma década de intolerância”
e que o posicionamento português perante o nacionalismo chinês e
indiano “dificilmente poderá permanecer tão entusiástico nos novos anos
vinte”. A comunicação social portuguesa e os partidos políticos
prosseguem, todavia, tolerantes à desinformação chinesa e silenciosos
sobre as sistemáticas violações de Direitos Humanos na China.
Quando o New York Times revelou os dossiers dos campos de
concentração em Xinjiang, no final de 2019, nenhum jornal português lhes
deu capa. Quando a China expulsou jornalistas de Hong Kong, no mês
passado, nenhum jornal português lhes deu capa. Quando o embaixador
chinês em Paris culpou a Europa pela pandemia, na semana passada, nenhum
jornal português lhe deu capa. Quando o Financial Times e a CNN noticiaram os referidos casos de racismo, nenhum jornal português lhes deu capa.
Em Washington, no memorial do Holocausto, há uma parede enorme com uma frase que nunca vou esquecer. Diz: “Primeiro
vieram buscar os socialistas, e eu não falei porque não era socialista.
Depois vieram buscar os sindicalistas, e eu não falei porque não era
sindicalista. Depois vieram buscar os judeus, e eu não falei porque não
era judeu. Depois vieram buscar-me a mim – e já não havia ninguém para
falar por mim”.
Tenho pensado muito nessa parede.
IN "OBSERVADOR"
15/04/20
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