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Multinacionais anunciam "investigações sérias" e congelamento nas compras à Guatemala
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HOJE NO
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
Nespresso e Starbucks acusadas
de beneficiar de trabalho infantil
na Guatemala
Esta segunda-feira o Channel 4 da BBC vai passar uma reportagem que prova a exploração de trabalho infantil na apanha de café na Guatemala, acusando a Nespresso e a Starbucks de se abastecerem nas plantações filmadas. As duas empresas anunciaram investigações próprias, garantindo nada saber.
Ganho dinheiro para comprar comida", diz uma das crianças entrevistadas, enquanto colhe café.
Que comida, pergunta alguém.
"Verduras e assim", responde o miúdo.
"Estou chocado com o que estou a ver", sussurra, no meio da plantação, o repórter Antony Barnett, do programa Dispatches,
para a câmara. "A caminhada até aqui é difícil, muito inclinada, e eles
têm de fazer o caminho inverso carregados com as sacas de café, o que
deve dar-lhes cabo das costas. O miúdo com quem estive a falar tem 12 e
faz isto desde os 11. Começam a trabalhar às 7 e acabam às 15. São seis a
sete horas de trabalho."
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Antony Barnett |
Em todas as sete plantações
visitadas pela equipa de reportagem, que se fez passar por
investigadores que queriam saber de onde vinha o café consumido pelos
britânicos, foram encontradas crianças a trabalhar. O valor pago por
hora, de acordo com o excerto da reportagem que o Channel 5 colocou no
seu Facebook a meio da tarde de domingo, é cerca de 31 pence esterlinos,
ou 36 cêntimos do euro.
Não fica claro se as crianças trabalham
cinco ou seis dias por semana, mas a semana de trabalho normal na
Guatemala parece ser de seis dias, ou 48 horas semanais, com o ordenado mínimo para o setor agrícola nos 2742 quetzais
(323 euros), o que dá cerca de 1,55 euros/hora. Um valor baixíssimo mas
mesmo assim muito superior ao pago às crianças - menos de um quarto.
A equipa responsável pela reportagem, cujo título é Starbucks &
Nespresso: The Truth About Your Coffee (Starbucks e Nespresso: a verdade
sobre o café que bebe) visitou uma das cooperativas que assume fornecer
a multinacional Starbucks e a Nespresso e perguntou se é normal que
crianças trabalhem na apanha. "Há idades a partir das quais
podem trabalhar, a partir dos 10 ou 12", responde um homem não
identificado, que parece não ter noção de estar a ser filmado. O
repórter volta à carga: "Mesmo nas quintas certificadas, desde que
estejam acompanhados do pai?" Correto, diz o homem.
No
excerto colocado no Facebook, assevera-se que um responsável de um dos
moinhos de café disse que a Nespresso faz visitas anualmente e a
Starbucks apenas de dois em dois ou quatro em quatro anos. As
plantações, de acordo com o Dispatches, sabem sempre das visitas com
antecedência.
"As crianças trabalham porque os pais não conseguem alimentá-las"
"Porque é que as crianças trabalham?", pergunta a advogada
Lésbia Amezquita, do Movimento Sindical, Indígena e Camponês
Guatemalteco (MSICG), entrevistada na reportagem. "Porque apesar de
trabalharem mais de 15 horas por dia os pais não conseguem alimentar os
filhos."
Lésbia Aezquita é um dos rostos mais conhecidos
do sindicalismo na Guatemala, país que é considerado um dos 10 piores do
mundo em termos de direitos laborais. Estima-se que apenas 2,5%
dos trabalhadores guatemaltecos são sindicalizados, uma percentagem que
desce no setor agrícola: serão menos de 0,1% no do café, de acordo com o
MSICG. "Tentamos organizar os trabalhadores no setor do café", diz
Aezquita, citada pelo site de jornalismo de investigação dinamarquês Danwatch. "Mas é muito difícil, porque arriscam ser despedidos, mortos ou presos."
Tipicamente,
não há contratos, prossegue a sindicalista: "De qualquer modo, a
maioria não sabe ler nem escrever. Mas às vezes dizem-lhes para porem a
impressão digital numa folha em branco que o dono da plantação pode
depois preencher como lhe apetecer."
O perigo existente para os trabalhadores que tentem reclamar multiplica-se para os representantes sindicais. Segundo a Confederação Sindical Internacional, pelo menos 53 foram assassinados entre 2007 e 2013.
"As marcas não fazem nenhum controlo sério sobre o café que
compram", acusa Aezquita, que já teve de viver um tempo no Chile por
temer pela vida, na reportagem da Dispatches. "Se quisessem mesmo
certificar-se do que estão a comprar fariam mais visitas e de surpresa.
Entrevistariam os trabalhadores e falariam com os sindicatos."
De
acordo com as regras da Organização Internacional do Trabalho é
possível, nos países em desenvolvimento, que crianças entre 12 e 14
façam trabalhos leves num máximo de 14 horas por semana, explica na
reportagem Oliver Holland, identificado como um "advogado de direitos
humanos". Nada que se pareça, frisa, com as horas trabalhadas pelas
crianças entrevistadas nas plantações de café, carregando com pesos
desproporcionados e em temperaturas altas. "Nessas condições as crianças
não podem trabalhar", conclui.
Multinacionais anunciam "investigações sérias" e congelamento nas compras à Guatemala
Quer a Nespresso quer a Starbucks já reagiram publicamente às revelações
da reportagem, apesar de esta não ter ainda sido transmitida.
Na página da Nestlé/Nespresso encontra-se um longo comunicado,
que inclui perguntas e respostas, assim como um vídeo no qual o CEO
Guillaume le Cunff assevera estar muito preocupado com as alegações e
considerar o trabalho infantil "inaceitável", anunciando ter enviado
"imediatamente" equipas para a Guatemala "para investigar o que se
passa" e ter "suspendido de imediato as compras enquanto não se conhecem
os resultados."
No comunicado, porém, lê-se que "o canal
recusou identificar as plantações de modo a podermos confirmar se são
nossos fornecedores e para verificarmos se as alegações são
verdadeiras."
A companhia afirma que compra café a 374 plantações na zona
guatemalteca em que a reportagem teve lugar - Fraijanes - e que há ao
todo 616 plantações na zona. "Isso significa que há 242 na área às quais
não compramos café. Como pudemos excluir uma cooperativa da
investigação com base em informações que nos foram dadas pelos
produtores da reportagem, quer dizer que temos ainda 335 plantações para
investigar, o que é um a tarefa considerável que estamos a levar a
cabo." Mas garante que desde 2005, quando começou a comprar café no
país, nunca se deparou com um único caso de trabalho infantil nas
plantações com que trabalha: "Temos zero tolerância para trabalho
infantil."
A Starbucks assegura também que lançou já uma
investigação para a qual contratou um auditor independente, e que "pode
confirmar não ter comprado café às plantações em questão na última
colheita, não o voltando a fazer até ter a certeza de que não estão a
violar as normas de conduta." Aparentemente, por estas declarações, a
Starbucks sabe quais são as plantações - a não ser que queira dizer que
não comprou café a plantações guatemaltecas ou da região em causa na
última colheita.
A companhia tinha anunciado em 2005 um protocolo com a ONG Save the Children,
no qual se comprometeu a gastar um milhão e meio de dólares em quatro
anos num programa destinado a dar educação bilingue às crianças de zonas
de café na Guatemala, nas quais a maioria dos habitantes são indígenas
maia, tradicionalmente muito pobres e com baixos níveis de instrução."
O ator, realizador e ativista pelos direitos humanos George Clooney, que
é "cara" da Nespresso, também já reagiu, afirmando-se "surpreso e
entristecido" numa declaração ao canal americano NBC,
e elogiando o trabalho de Barnett e da equipa de Dispatches.
"Claramente esta companhia e a sua direção têm trabalho para fazer, e
vão fazê-lo."
O jornalista reagiu com sarcasmo: "É ótimo que George Clooney
apoie a nossa investigação mas se está mesmo empenhado em perceber o
que se passa tem de se certificar de que a Nespresso põe o dinheiro onde
tem a boca [expressão idiomática inglesa que significa não se limitar a
falar sobre o assunto, mas gastar recursos nele]. É muito fácil
anunciar uma investigação e dizer que se parou com as compras àquela
região mas isso vai prejudicar ainda mais os agricultores e as famílias
desesperadamente pobres que dependem deles para sobreviver. O motivo
pelo qual estes miúdos trabalham é que os pais, e os agricultores que os
empregam, não recebem o suficiente."
O programa calculou
que das duas libras e cinquenta (2,88 euros) que os britânicos gastam
numa típica chávena de café numa loja "chique" esta recebe 88 pence, os
empregados 63 e 38 vão para impostos. A companhia que fornece o café -
como a Starbucks, cujo total de dividendos anuais é de mais de 20 mil
milhões de libras e tem mais de 1000 lojas só no Reino Unido - fica com
25 pence.
Após todos os outros custos serem deduzidos, os
fornecedores de café ficam com 10 pence de cada chávena, dos quais um
pence vai para o agricultor, que usa uma fracção disso para pagar a quem
faz a apanha.
* Vai um cafézinho da escravatura, prefere Nespresso ou Starbucks?
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