.
Professor universitário
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
01/02/20
.
O Brexit como fadiga histórica
No day after do Brexit importa refletir sobre a deriva
psicopolítica que ele representa. Uma deriva partilhada pelas elites
partidárias (incluindo os trabalhistas, que foram seus cúmplices) e por
metade do eleitorado. Apesar de toda a sua especificidade, penso que não
se pode falar de uma excecionalidade britânica. O grande problema do
Ocidente, desde que a invenção simultânea da máquina a vapor e do
capitalismo industrial-financeiro introduziu o turbo na velocidade da
história humana, consiste em saber qual o melhor modelo político para
enfrentar os problemas resultantes dessa aceleração: se o da cooperação
ou o da competição/conflito.
A primeira enorme mudança foi a
solidificação do Estado-nação, sobretudo após a Revolução Francesa,
vencendo a resistência da aristocracia e do clero, enraizada na economia
agrária do Antigo Regime. A França imperial derrubou a fantasia
benevolente dos intelectuais das Luzes: a Europa esclarecida não seria
pacífica e cosmopolita. A "civilização", como o nosso Almeida Garrett o
escreveu em 1830, foi espalhada como "contrabando" pelo proselitismo das
baionetas napoleónicas. Entre 1815 e 1914, o princípio nacional
amadureceu e "naturalizou-se" no Ocidente. A Grã-Bretanha uniu a nova
forma nacional à antiga forma imperial, iniciada nos tempos de Isabel I,
e foi a potência dominante no século XIX.
A chegada tardia da
Alemanha ao Estado nacional foi feita em sobreposição com a sua marcha
para a hegemonia continental. Só os talibãs neoliberais fingem acreditar
que a conquista dos mercados dispensa a pólvora do Leviatã. Entre 1914 e
1945, a febre europeia falava alemão. Sem a sua desmesura não teria
havido uma revolução bolchevique que nasceu internacionalista mas acabou
no terror do "socialismo num só país".
O turbocapitalismo acelerou ainda mais a história depois de 1945, com
os EUA a liderar uma geografia política em incerta mutação. Depois de
Washington ter puxado as orelhas a Londres e a Paris, frustrando a
aventura neocolonial do Suez, em 1956, a Grã-Bretanha tentou juntar-se à
"construção europeia", apenas conseguindo entrar em 1973, por cima do
cadáver de De Gaulle.
Depois de 1989, com o advento universal do
neoliberalismo, a corrida à pilhagem até ao tutano da Terra
intensificou-se, assustadoramente. Os EUA fogem ao fardo da liderança,
arruínam o seu capital de influência em causas menores e guerras
invencíveis. A China é a Alemanha do século XXI, mas com a experiência
de quem foi gigante até ao século XVIII. Crise ambiental, emergência
climática, uma economia autofágica, terrorismo, refugiados ambientais e
climáticos, implacável competição tecnológica... Demasiados tabuleiros
para o narcisismo preguiçoso de líderes em que a nostalgia imperial e a
incompetência se misturam...
O Brexit é um sinal de fadiga e fuga
da história, através do abraçar de uma nova pequenez. Mas não será isso
similar à longa fase anal da Europa do euro, à teimosa recusa de uma
"união de transferência", esse quimérico seguro de vida à medida de
Berlim?
Professor universitário
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
01/02/20
.
Sem comentários:
Enviar um comentário