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HOJE NO
"OBSERVADOR"
Guerra do lixo.
Governo recua e revoga decisão
que dava resíduos biodegradáveis
a empresa privada
Procuradoria dá razão ao regulador. Recolha de resíduos biodegradáveis está fora da concessão da empresa privada EGF. Ministro tem outra opinião, mas vai acolher decisão e revogar despacho polémico.
Afinal, a recolha seletiva dos resíduos biodegradáveis não
faz parte da concessão da Empresa Geral de Fomento (EGF), reconhece o
Ministério do Ambiente, que vai revogar o despacho assinado em agosto
que incendiou as relações entre o Governo e a ERSAR (Entidade Reguladora
dos Serviços da Águas e Resíduos). Esta decisão, que acaba por dar
razão ao entendimento do regulador, é uma consequência do parecer emitido pelo conselho consultivo da Procuradoria Geral da República, a pedido do próprio Governo, perante as dúvidas legais levantadas por Orlando Borges, presidente da ERSAR.
Em
causa está um despacho assinado em agosto pelo ex-secretário de Estado
do Ambiente no sentido de clarificar que a EGF tinha a obrigação ou o
exclusivo do negócio — as opiniões dividem-se — de recolha dos
bioresíduos. Este é o nome dado ao lixo biodegradável, como restos de
comida, que atualmente é recolhido pelas autarquias de forma
indiferenciada, mas que terá de ser alvo de recolha seletiva a partir de
2023.
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Mas agora, e “em face do teor do parecer, entendemos que não faz sentido insistir”,
afirmou ao Observador o ministro do Ambiente a Ação Climática. João
Matos Fernandes assume, no entanto, a “divergência” de entendimento do
quadro legal com a ERSAR.
“Temos o entendimento de que a recolha
seletiva destes novo tipo de resíduo faz parte do sistema do qual a EGF
tem o exclusivo (atribuído em 2015 no quadro da privatização da
empresa)”. O despacho assinado pelo anterior secretário de Estado do
Ambiente foi produzido com o objetivo de ajudar um conjunto de
municípios, que fizeram um protocolo com a EGF, e cujos investimentos
precisavam de ser aprovados pelo programa com fundos comunitários PO
SEUR (Programa Operacional de Sustentabilidade e Eficiência e no uso de
Recursos).
Perante o parecer negativo dado pelo regulador a estas
candidaturas, o ministério tentou “obviar esse fundamento” porque “não
concorda com a ERSAR”. Mas depois das reservas públicas e muito duras
do regulador — o presidente da ERSAR pediu ao ministro que revogasse o
despacho com o qual Matos Fernandes assume que concordou — e das
dúvidas levantadas por uma associação de empresas de resíduos, o Governo
decidiu ouvir uma entidade terceira, o conselho consultivo da PGR, à
qual foi pedida urgência no parecer que chegou esta segunda-feira.
Questionado sobre a razão pela qual não acolheu logo as questões legais
levantadas por Orlando Borges, Matos Fernandes responde: “o regulador tem direito a ter a suas opiniões, mas não acho que sejam a verdade revelada”, justificando ainda o recurso ao conselho consultivo da PGR como um “ato de humildade intelectual”
Tomada de posição da ERSAR contra Governo “fez muito mal à regulação”
Não obstante, considerar que é normal uma “divergência de opiniões em
matérias de facto” entre o regulador e o Governo, o ministro do
Ambiente não deixa de atacar a forma como a entidade trouxe essa
divergência para a praça pública que, na opinião de Matos Fernandes, “fragiliza de facto muito o papel institucional do presidente da ERSAR”.
Orlando Borges chegou a acusar o ministério do Ambiente de “pressões e
condicionamentos” em declarações ao Programa Sexta às Nove, mas também
nos pareceres negativos que emitiu. Não só sobre o despacho que agora
vai ser revogado, mas também nas alterações ao regime legal da concessão
de resíduos que o Presidente da República devolveu sem promulgar,
semanas antes das eleições.
Para o ministro do Ambiente, esta
tomada de posição “faz muito mal ao setor da regulação”, até porque as
duas questões que o regulador quis “confundir” nas suas críticas “não
têm nada a ver” uma com a outra.
No caso dos bioresíduos, o que está em causa é a necessidade de cumprir as metas europeias que impõe a implementação de um sistema de recolha seletiva deste lixo urbano até 2023.
No entender do Governo, isso poderia ser feito pela EGF nas zonas onde
já tem o exclusivo da recolha seletiva de resíduos recicláveis e que
cobrem cerca de metade do país.
A opinião do conselho consultivo da PGR, que deu razão ao regulador e que o Governo vai acatar, “torna mais difícil uma solução racional”
para o cumprimento das metas ambiciosas. A recolha deste novo tipo de
resíduos fica fora da concessão da EGF, atribuída no quadro dos sistemas
multimunicipais onde a empresa controlada pela construtora Mota-Engil é
a maior acionista. Isto significa que tem de ser aberta à concorrência,
pode haver concursos — se as câmaras assim o decidirem —. E no limite,
avisa Matos Fernandes, poderemos ter três sistemas independentes de
recolha de resíduos urbanos operados por entidades distintas em algumas
zonas do país:
- O sistema de recolha de plásticos, vidros e papel gerido pela EGF
- O sistema de recolha de lixo indiferenciado que é gerido pelas autarquias ou concessionado a uma entidade terceira
- O novo sistema de recolha de resíduos biodegradáveis.
Para o ministro do Ambiente, a partir do momento em que a EGF
foi privatizada — pelo Governo do PSD/CDS — “temos um grande cristal no
meio do sistema” que dificulta a adoção de soluções. Mas deixa a
indicação de que vai apresentar uma solução nos próximos 90 dias
para ultrapassar as consequências legais desta decisão e cumprir as
metas europeias. Essa solução irá avaliar várias possibilidades
técnicas e operacionais, como perceber se faz sentido ter apenas recolha
dos resíduos porta à porta ou usar também ecopontos e se a escala desse
sistema deve ser municipal ou envolver várias autarquias, como acontece
nos sistemas atualmente geridos pela EGF.
Matos Fernandes
aproveita ainda para explicar o atraso de Portugal no cumprimento das
metas de reciclagem com as queixas feitas na Comissão Europeia por
operadores privados que atrasaram a aprovação de candidaturas para
investimentos no setor dos resíduos.
Sobre a outra fonte de divergências com o regulador, as alterações às regras da concessão à EGF, Matos Fernandes afirma que tenciona manter as alterações ao modelo regulatório introduzidas no diploma que não chegou a passar em Belém, porque estávamos nas últimas semanas da legislatura.
Em
causa está a clarificação de que é o concedente, o Estado, quem decide
os investimentos a fazer pelas concessionárias e a disposição de que o
regulador terá fixar tarifas que permitam financiar esses investimentos.
O Ministério do Ambiente quer também dar uma palavra ao Governo sobre a
fixação de tarifas quando o conselho tarifário contestar uma proposta
do regulador.
O presidente da ERSAR considerou que estas
alterações configuravam uma ingerência política nos poderes de regulação
num parecer enviado à Presidência da República que não promulgou o
diploma.
* Que dor de cotovelo tem o sr. João Pedro.
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