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IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
01/07/19
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Carta aberta
aos activistas antiturismo
Portugal é um dos países com as fronteiras mais antigas do mundo e um dos poucos que se pode chamar estado-nação com propriedade e orgulho na sua unidade cultural. Os "charters" de chineses podem mudar clubes de futebol? Talvez. Mas dificilmente desfazem o que D. Afonso Henriques fez.
Em primeiro lugar, obrigado. Um país que se preze tem de saber
agradecer aos que se preocupam com o que é de todos. É cada vez mais
raro encontrar quem o faça, pelo que sem rodeios nem cinismos reconheço a
bondade da vossa luta. O problema é estarem errados.
Pelas
reacções ao primeiro texto que publiquei neste jornal - em que me
limitava a dizer o óbvio: o turismo vai continuar a crescer a velocidade
atómica independentemente da nossa vontade - percebi que o conjunto de
pregões da vossa luta está longe de ser vazio. Há cada vez mais gente,
gente carente de causas, que realmente acredita nestas máximas sobre o
turismo-papão. Qual a verdadeira razão não sei, posso apenas tentar
adivinhar, mas para que o problema não seja de informação vou tentar
rebater alguns dos lamentos mais frequentes.
Um: o turismo
é o grande responsável pela gentrificação. Falso. A gentrificação é a
consequência obrigatória de todo o tipo de progresso, em qualquer cidade
do mundo, talvez desde o Império Romano. Com e sem turismo. Está nos
livros, está provado e não é controverso. É claro que como sociedade
podemos escolher rejeitar o progresso, mas tenho a sensação de que num
país que há tantos anos engole a seco a palavra crise não seria a ideia
mais popular.
Dois: o turismo está a criar uma bolha
imobiliária. Este é o engodo que os estrangeiros adoram. Enquanto
gritamos que tudo vai implodir ou rebentar pelas costuras (riscar o
exagero preterido), franceses, libaneses, americanos, espanhóis... todos
os que se passeiam pelo nosso país à procura de negócios, compram
alegremente o que vêem e gostam. Sem qualquer oposição dos empresários
locais, que não se cansam de repetir que está tudo caríssimo. E o medo
vai comandando a vida.
Sobre isto convém acrescentar que
os preços de Lisboa e Porto não estão ao nível de Madrid e Paris (é até
um pouco ridículo dizer isto, mas de tanto ser repetida esta fantasia
começa a ganhar fãs) e que há pouco mais de quatro anos estavam ao nível
de cidades como Brescia e Lugo. Se alguém acha que um cataclismo nos
levará de volta a esse cenário, os tais estrangeiros contraem-se de pena
(e riso) e continuarão a ajudar-nos fazendo o que mais gostam: comprar
barato.
Três: o turismo é uma ameaça à nossa identidade.
Os livros não estão na moda, mas é fácil "googlar" alguns dados
interessantes sobre esta terrível ameaça, como o facto de Portugal ser
um dos países com as fronteiras mais antigas do mundo e um dos poucos
que se pode chamar estado-nação com propriedade e orgulho na sua unidade
cultural. Os "charters" de chineses podem mudar clubes de futebol?
Talvez. Mas dificilmente desfazem o que D. Afonso Henriques fez.
Quatro:
o turismo é perigoso porque é uma moda passageira. Se considerarmos que
uma década é um período passageiro pode ser que haja aqui, finalmente,
um pouco de razão. Eu contraporia que dez a quinze anos é o que este
país precisa para fazer o que não foi feito nos últimos 100 e que não há
qualquer razão para achar que o Estado (juntas de freguesia, câmaras,
organismos públicos, governo...) é tão míope que deixará escapar a
oportunidade do século. E, se for esse o caso, espero contar convosco
para exigir mais e melhor. Porque é aí que deve estar a luta de todos.
Na protecção do ambiente e das vítimas do progresso, com medidas sociais
inteligentes e tão inovadoras como as que geram dinheiro. Demonizar a
mudança que mais trabalhos trouxe na última década é que não vai
resolver os problemas.
Não se param aviões com as mãos.
* Presidente e diretor criativo do Time Out Market
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
01/07/19
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