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“És boa como o milho!”
(só nas redes sociais)
Impõe-se a produção de legislação que proteja os
utilizadores das redes sociais através de um código de conduta
socialmente irrepreensível, que balize a forma adequada de expressão.
A França acabou de aprovar um projeto de lei que tem
como objetivo terminar com os discursos de ódio no espaço digital, onde
as plataformas das redes sociais são os veículos privilegiados para este
tipo de ocorrências. Uma iniciativa legislativa que não tardará a ser
replicada noutros Parlamentos nacionais, exceção feita à Alemanha que,
desde o início do ano, já tem em vigor o Network Enforcement Act, o qual
estabelece a retirada de conteúdos violentos ou de conteúdos com
discursos de ódio em prazos que podem ir desde as 24h seguintes à
publicação até sete dias.
Desde que surgiram as redes sociais e parte da população mundial
migrou para o espaço digital, várias horas por dia, submergindo num
mundo onde tudo era possível e estava disponível à distância de um
simples clique, fomos assistindo a um desenrolar de situações perversas e
descontroladas, próprias da ausência de legislação e de fiscalização
pelas entidades responsáveis. Não havendo legislação adequada a estas
novas realidades, as entidades fiscalizadoras e reguladoras tiveram
muitas dificuldades em intervir em situações de exageros e de ofensas,
para as quais não tinham resposta e meios para travar os abusos,
permitindo, desta forma, que se agravassem estes comportamentos
desviantes numa bolha onde todos nos encontramos desprotegidos e à mercê
da maldade pura ou da estupidez.
O Facebook conta com 2 mil milhões de utilizadores em todo o mundo, o
Instagram contabiliza mil milhões, o Snapchat já vai em 190 milhões e o
Twitter, com a ajuda de Donald Trump e dos seus comunicados por esta
via, conseguiu aumentar para 126 milhões de utilizadores, invertendo a
tendência decrescente a que estava votado. Em Portugal, mais de 60% da
nossa população frequenta as redes sociais, um número que se cifra nos
cerca de 5,3 milhões de portugueses que têm lugar marcado numa ou em
várias das plataformas que enunciei. Somos muitos a viver noutro mundo,
um mundo sem regras, diga-se… mas que é incontornável, e mesmo aqueles
que por lá não andam não estão a salvo de serem chicoteados publicamente
ou insultados.
Convém referir que o conceito de discurso de ódio se circunscreve
unicamente a formas de expressão discriminatória de natureza racial,
sexual, religiosa, nacional ou de género. Mas não poderá um discurso de
ódio ser muito mais abrangente do que estas discriminações?
Aqui há uns tempos, o Tribunal da Relação de Lisboa foi notícia por
ter condenado um taxista a dois anos de prisão por este ofender a sua
mulher chamando-lhe nomes feios (todos percebem!), atentando contra a
saúde psíquica e emocional da vítima e ferindo a dignidade da pessoa
humana. Talvez se o ato tivesse ocorrido via Facebook, o homem em causa
não tivesse sido condenado a uma pena de dois anos, mas como não teve
esta clarividência, lá terá de cumprir a pena.
Nas redes sociais, tudo é permitido, desde comentários pestilentos
até à verborreia repetida de quem não tem mais nada para dizer, tendo
perfeita consciência de que está impune, mesmo no que diz respeito ao
julgamento social, porque basta ter uns quantos seguidores verborreicos
para anular logo qualquer voz mais sensata e virtuosa. Por outro lado,
temos uma lei antipiropo, uma originalidade do Bloco de Esquerda, que
pune quem tiver a ideia de fazer um comentário rude e sexista e desatar a
gritar do outro lado da rua: “És boa(m) como o milho!”. Mas, se for no
Instagram, já é aceitável.
Estes dois breves exemplos parecem-me suficientes para concluir que
os comportamentos que são criminalizáveis e censurados socialmente, caso
ocorram na rua, também o devem ser nas redes sociais. Não devemos
continuar a ser cúmplices de uma cultura de despejo visceral, sem
qualquer controlo, com efeito viral e que contagia os mais fracos que
por lá andam. Impõe-se a produção de legislação que proteja os
utilizadores das redes sociais através de um código de conduta
socialmente irrepreensível, que não restrinja a liberdade de expressão,
mas que balize a forma adequada de expressão, evitando a exposição ao
cyberbullying, que não é exclusivo dos adolescentes, mas transversal a
todos os que não são bem formados, tenham a idade que tiverem.
Poderia aqui também fazer uma referência a artigos de opinião que são
verdadeiros incitamentos a estes comportamentos quando se esquecem da
sua responsabilidade enquanto opinion makers e escrevem de forma tão
ardilosa e despudorada, destilando repulsa excessiva, que roça o ódio
nas palavras que escrevem sobre outras pessoas. Uma vergonha alheia que
sinto ao ler alguns destes artigos, mas compreendo que se tenha tornado
um desporto nacional na luta pelo lugar no pódio do maior número de
likes e de partilhas.
Não alinho. Não consigo enveredar pelo caminho mais fácil da maledicência. Mas isto fica para outras núpcias.
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