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HOJE NO
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
Na Etiópia, Ana Gomes é "Anna Gobese"
e recebem-na como uma estrela rock
Recebida por centenas de pessoas que gritavam o seu nome, a eurodeputada portuguesa é conhecida na Etiópia como "Anna Gobese", que significa corajosa.
Num pavilhão a abarrotar de gente, o apresentador, de microfone em
punho anuncia o próximo convidado. O público faz barulho e os gritos de
euforia seguem-se no segundo em que é dito o nome.
Ela entra no palco e
durante largos minutos as palmas, os gritos e os cânticos com o seu nome
não a deixam sequer começar a falar. Uma estrela de rock? Um artista
famoso? Não, uma euroodeputada portuguesa.
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Ana
Gomes recebeu aquele que será o maior e mais genuíno reconhecimento
pelos 15 anos de defesa sistemática e incansável dos direitos humanos no
Parlamento Europeu: ouvir milhares de etíopes gritarem o seu nome ao
som de palmas durante meia dezena de minutos.
"Senti-me absolutamente... foi muito emotivo", confessa Ana Gomes,
contando esta terça-feira ao DN que essas inesperadas e gratificantes
manifestações de apreço são uma consequência da "crítica feroz" e
permanente contra o regime ditatorial etíope.
As surpresas não ficaram por aqui... A eurodeputada socialista foi apresentada a "três miúdas etíopes"
a quem foi dado o nome de Ana - e uma delas mesmo Ana Gomes - em honra
dela. Foi nessa altura também que soube que lhe "chamam Anna Gobese"
(termo local que significa bravo ou corajoso, acrescenta).
Percebeu assim que a sua estada não oficial na Etiópia, a convite de um
grupo não partidário ligado a uma televisão que só operava a partir dos
EUA e liderado pelo jornalista e antigo preso político Eskinder Nega
representou mais um sinal de abertura e liberdade naquele país.
SEMPRE À PEGA
Mas qual é esta ligação tão grande à Etiópia? Eurodeputada eleita em
2004, Ana Gomes chefiou um ano depois a missão europeia de 200
observadores às eleições legislativas com que o regime etíope, chefiado
pelo ditador Meles Zenawi, procurava obter "o carimbo de respeitabilidade que os observadores internacionais lhe dariam".
Convidada
pela comissária europeia Benita Ferrero-Waldner, porque "não tinha
nenhuma ligação" à Etiópia e isso lhe dava um estatuto de "independente
para chefiar a missão", numa fase de transição democrática após anos de
ditadura, a embaixadora - e o ex-presidente Jimmy Carter, pelo lado dos
EUA - chegou a Adis Abeba em março de 2005.
"Rapidamente se viu que o regime não era sério, não queria realmente democratizar",
mas as eleições suscitaram "uma afluência extraordinária" às urnas e,
para espanto das autoridades, 23 lugares na capital foram ganhos por...
23 opositores, lembra a eurodeputada - o que depois originou massacres e
a prisão de dezenas de líderes oposicionistas.
"Estes
anos todos estive sempre à pega contra tudo e contra todos [em
Bruxelas], a dizer a verdade e a dar apoio a todos, a ajudar a libertar
muitas pessoas que foram presas, sempre em campanhas, a mobilizar apoios
no Parlamento para apoiar os etíopes" e a "escrever cartas para [lhes]
darem estatuto de refugiados", refere Ana Gomes.
"Disse a
verdade" ao denunciar a natureza autoritária e repressiva do regime,
mesmo quando isso envolveu uma "luta surda" com o departamento europeu
de Ajuda ao Desenvolvimento do então comissário belga Louis Michel - uma
"indústria perversa e que não serve" os propósitos para que foi criado,
acusa Ana Gomes.
A eurodeputada socialista procurou depois
"manter sempre o contacto" com os etíopes, cujas comunidades no exterior
- em Washington, na Suécia - "conhecem-me muito bem". Pelo contrário,
"o regime odiava-me" devido ao "enfrentamento terrível" mantido com
Zenawi.
Após a morte do ditador (2012), o regime encetou uma transição que
permitiu a Ana Gomes regressar no ano seguinte a Adis Abeba, libertando
presos políticos que optaram pelo exílio.
Agora "há uma
mudança extraordinária" na Etiópia, "há claramente liberdade, as pessoas
estão satisfeitas, há uma esperança como nunca houve", assume Ana Gomes,
mesmo quando "todos têm consciência dos tremendos desafios" futuros - a
começar pelas muitas figuras e "populistas a soldo" do anterior regime
que "estão em posição de poder e a estimular rivalidades étnicas".
Num país com 100 milhões de habitantes e onde está a sede da União Africana,
também "há liberdade de imprensa, mas as leis são as de antigamente",
regista a eurodeputada, recebida segunda-feira pelo primeiro-ministro
Abiy Ahmed durante cerca de uma hora.
"Tinham placas com o meu nome, [...] tive oportunidade de fazer
contactos com políticos importantes. Foi muito importante o encontro
informal com o primeiro-ministro, pois não ia lá em visita oficial",
conta.
Mas como explicar tanta afetividade? Uma explicação possível, admite Ana Gomes, é que os
etíopes "sabem que sou amiga, não tenho nenhum interesse na Etiópia e
tenho capacidade de dizer o que muitas pessoas não dizem sobre os
problemas e dificuldades do país. E consigo falar com toda a gente".
"Sentia que era a minha obrigação, de acordo com os valores
europeus" e mesmo quando "os governos europeus fechavam os olhos" ao que
se passava na Etiópia, assume Ana Gomes.
E agora, quando
deixar de ter assento no Parlamento Europeu após as eleições de maio e
estando previstas novas eleições na Etiópia? "Logo se vê se vou
lá. Posso ir lá em várias capacidades, individualmente e trabalhando com
a UE, até porque continuarei a trabalhar com o departamento de eleições
e acompanhamento da democracia" de Bruxelas, revela ainda a embaixadora portuguesa, um dia após regressar de Adis Abeba "cheia de presentes".
* Grande portuguesa, honra-nos a sua coerência e combatividade, gostaríamos que um dia fosse Secretária-geral do PS.
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