08/10/2018

DINIS DE ABREU

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O teatro chegou a Tancos…

A ‘operação encoberta’ em Tancos, revelada pelo Ministério Público, foi a cereja em cima do bolo nas despedidas de Joana Marques Vidal

O enredo dos acontecimentos relacionados com o assalto em Tancos, nos seus mais recentes episódios, oscila entre o vaudeville e um policial menor, onde se misturam e confluem disputas de louros e ‘guerras’ de competências.

Pode ser, também, comparável àquelas telenovelas cuja ação muda repentinamente de foco para manter cativa a audiência, evitando que esta se perca na oferta da ‘concorrência’.

Quando parecia quase esgotada a polémica ‘encenação’ que antecedeu a não recondução de Joana Marques Vidal, eis que Tancos irrompeu em força no palco mediático, esbatendo não apenas as ressonâncias da mudança da PGR como o afastamento do juiz Carlos Alexandre da instrução dos arguidos na Operação Marquês.

O último ato, então, mereceu cobertura inédita, sentando jornalistas e advogados numa sala acanhada para assistirem ao sorteio eletrónico (tipo FIFA no futebol…), pasmados diante do ecrã do computador - que se engasgou por duas vezes, vá lá saber-se porquê...

Dir-se-á que mal se entende o recurso à informática quando bastavam dois papeis metidos num saco com os nomes dos juízes possíveis, e não havia «um erro no serviço de comunicações», como aconteceu. Porém, se o sorteado tivesse sido o juiz ‘não desejado’, como teriam reagido os advogados dos arguidos face ao ‘engasgamento’ do sistema?

 A frase lacónica do juiz Ivo Rosa, a quem o algoritmo contemplou com a ‘taluda’ de dezenas de volumes encaixotados (que as televisões não se cansaram de exibir), foi lapidar: «Calhou-me a mim».

Pois calhou. E como o algoritmo não se discute, mesmo quando dá ‘erro’, os ilustres causídicos que tomaram a defesa de Sócrates, Vara, Salgado e outras ‘notabilidades’ da praça, não tardaram a aliviar-se perante o afastamento do juiz Carlos Alexandre, como se este fosse o ‘mau da fita’, apostado em infernizar a vida aos clientes que patrocinam. 

Foi neste contexto que voltou à cena o caso de Tancos e a surpreendente detenção do diretor da Polícia Judiciária Militar, com uma não menos surpreendente confissão, conforme foi noticiado.

Afinal, a deposição do material roubado num terreno na Chamusca não terá passado de uma ‘encenação’, montada a pretexto de um ‘acordo de cavalheiros’ com o alegado autor do desvio, para que este ficasse impune. Tudo em nome de um alegado «interesse nacional». 

Lê-se o relato na imprensa e não se acredita. Como é que uma estrutura das Forças Armadas se prestou a tal papel rocambolesco? 

De facto, as trapalhadas à volta de Tancos, desde as incongruências do ainda ministro da Defesa aos ziguezagues do ainda chefe do Estado-Maior do Exército, têm alimentado as maiores perplexidades.

Quando se escreveu nesta coluna, em janeiro, sobre o ‘fogo-de-artifício’ a que se entregara o CEME, Rovisco Duarte, ao «exonerar» em direto cinco comandantes de Tancos «para não perturbar as averiguações internas sobre o furto de material de guerra» - reconduzindo-os mais tarde como se nada tivesse acontecido -, não se imaginaria que, além da inépcia do general, a ‘devolução’ do material roubado tivesse implicado a cumplicidade da Judiciária Militar e de militares da GNR de Loulé.

A revelação da ‘operação encoberta’, apurada pelo Ministério Público, foi a cereja em cima do bolo nas despedidas de Joana Marques Vidal. E outro sério revés para o prestígio das Forças Armadas. 
Há muito que Azeredo Lopes e Rovisco Duarte deveriam ter renunciado às funções - ou serem forçados a fazê-lo -, retirando as consequências de um roubo improvável que afetou a confiança na instituição militar.

Mas tanto um como outro ‘assobiam ao cochicho’, como se Tancos fosse um fait-divers, já esquecidos da gravidade que atribuíram inicialmente ao roubo e ao alarme social que causou.

Há muito ainda para investigar. No mínimo, parece pouco verosímil, por exemplo, que o alegado autor do furto tenha agido sozinho, conseguindo apropriar-se de um vasto arsenal, de uma só vez, sem contar com cumplicidades dentro e fora da unidade.

Não é inédito o desaparecimento de armas e munições. Ainda há dias os fuzileiros perderam uma caixa com mil munições, que ficou caída na estrada sem que dessem por isso, valendo um automobilista acidental que entregou o ‘achado’ à Polícia.

Verificada a negligência, mais estranho ainda foi o facto de quem recebeu o material nos paióis não se ter apercebido da caixa em falta. Pelos vistos, anda tudo ao deus dará…

Se nada disto abala o poder instalado, onde as esquerdas se calam e as direitas consentem, o país poderá interrogar-se com legitimidade sobre a ‘encenação’ que se segue.

Quanto a António Costa, tem razões para sorrir, como na recente entrevista à TVI, perante dois entrevistadores que devem ter seguido o guião à risca…

IN "SOL"
05/10/18

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