ESTA SEMANA NO
"EXPRESSO"
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Concursos à medida em serviço das Câmaras de Oeiras e Amadora
Um membro do júri avalia um candidato. A seguir trocam papéis: o avaliado passa a avaliador de quem o avaliou
O serviço intermunicipal de água e
saneamento (SIMAS) de Oeiras e Amadora, que assegura o abastecimento de
água e a prestação do saneamento básico aos 338 mil residentes dos dois
concelhos, abriu concursos para cinco cargos de direção equivalentes a
diretores de departamento (quatro deles ocupados em regime de
substituição). Poderiam ser mais uns procedimentos normais num serviço
da Administração Pública, mas estes estão a fazer correr muita água e
até a sugerir o saneamento de aspetos relacionados com a composição do
júri.
.
Em concursos desta natureza, é normal o ocupante do cargo
concorrer ao lugar para conquistar a nomeação definitiva. No conjunto
dos júris (com membros fixos e variáveis), há uma flagrante troca de
papéis: o atual diretor do departamento A faz parte do júri (como 1º
vogal) que irá apreciar a candidatura do diretor do departamento B; no
concurso seguinte, este último passa a elemento do júri (também como 1º
vogal) que avaliará a candidatura do diretor do departamento A.
Juristas arrasam os termos do concurso. Um especialista em Direito Administrativo, e professor universitário, diz que a “troca de papéis suscita as maiores dúvidas no plano da legalidade administrativa e representa, pelo menos, uma situação de ‘conflito de interesses aparente’”. Segundo a referida fonte, “o caso tem a aparência de um ‘arranjo’ para troca de favores”, pelo que “não é tolerável”. Para o docente, a “situação afronta, de forma até grosseira, os valores jurídicos da aparência de imparcialidade e isenção da atuação da Administração”.
João Pacheco de Amorim, especialista em Direito Público e Administrativo, fala de eventual “situação irregular”. Este professor universitário e advogado — num comentário também subscrito pelos colegas Ana Filipa Urbano e Ricardo Magalhães — afirma que a “inversão de papéis entre avaliador e avaliado poderá conduzir, no plano abstrato, a um favorecimento recíproco”. Os juristas concluem que os factos em causa “beliscam o princípio da imparcialidade”.
Diferente é a opinião do conselho de administração (CA) do SIMAS de Oeiras e Amadora, atualmente liderado (num critério de rotatividade) pela presidente da Câmara da Amadora, Carla Tavares. No CA, Isaltino Morais, recém-regressado à presidência da Câmara de Oeiras, é o 1º vogal. O SIMAS defende que “a composição dos júris garante as condições de imparcialidade e de isenção, cumprindo escrupulosamente e integralmente os pressupostos legais”.
A presidente do SIMAS esclarece que “a proposta de aprovação dos júris e métodos de seleção é um documento técnico aprovado por diversos órgãos autárquicos, muito antes da abertura do procedimento concursal”.
Com efeito, as duas câmaras e as duas assembleias municipais (ainda no anterior mandato) deram luz verde ao processo, em pelo menos quatro votações. Todas só com votos favoráveis, das várias forças representados nos dois concelhos: PS, os independentes do movimento de Isaltino (na altura ainda com Paulo Vistas em Oeiras), PSD, CDU, CDS, BE e PAN.
O Expresso questionou Isaltino Morais sobre as condições de “imparcialidade e isenção” do concurso, mas não obteve qualquer resposta até ao fecho desta edição.
Sem ligar a probabilidades
A presidência do SIMAS salienta que os júris não foram “designados em função de cenários ou de probabilidades de surgimento de candidatos” — mas a realidade pregou uma partida. José Augusto Santos e Carlos Paiva, os dirigentes que serão júri um do outro, confirmaram ao Expresso que são, de facto, candidatos aos lugares que já ocupam. Não serão os únicos. Santos enfrentará outros 14 concorrentes, enquanto Paiva um pouco menos: 13. No conjunto dos cinco procedimentos surgiram 63 candidatos.
No resto, Santos e Paiva remeteram questões colocadas pelo Expresso para a presidência do SIMAS. O mesmo fez o presidente do júri, Miguel Pereira Lopes, professor universitário do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) de Lisboa. Pereira Lopes conhece a realidade do serviço, pois já deu formação a dirigentes do SIMAS. Nessas funções, teve contacto direto com pelo menos um dos quadros que foi agora a concurso. Também a segunda vogal efetiva do júri já foi formadora de dirigentes do serviço. O CA não vê problema no facto de dois membros do júri já terem colaborado com o SIMAS.
O especialista em Direito Administrativo ouvido pelo Expresso faz leitura idêntica: “Em geral, não atribuiria grande significado ao facto de os membros do júri terem sido contratados pelo serviço no passado.” No entanto, “no caso concreto, esse facto adensa a dúvida sobre o cumprimento da exigência constitucional e legal de respeito pela imparcialidade e isenção, essenciais em procedimentos de seleção competitiva”, diz.
O SIMAS é comum aos dois concelhos por herança da antiga Câmara de Oeiras, que em 1979 perdeu o território que daria lugar ao concelho da Amadora (o primeiro criado após o 25 de Abril de 1974). O serviço tem cerca de 400 trabalhadores. Em 2016, ano mais recente com contas publicadas, teve receitas correntes de €58 milhões e lucros de €9,7 milhões.
* Por vezes pensamos que vivemos na Coreia do Norte.
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Carla Tavares (presidente da Câmara da Amadora) e Isaltino Morais (Oeiras) são presidente e vogal do CA do SIMAS |
Juristas arrasam os termos do concurso. Um especialista em Direito Administrativo, e professor universitário, diz que a “troca de papéis suscita as maiores dúvidas no plano da legalidade administrativa e representa, pelo menos, uma situação de ‘conflito de interesses aparente’”. Segundo a referida fonte, “o caso tem a aparência de um ‘arranjo’ para troca de favores”, pelo que “não é tolerável”. Para o docente, a “situação afronta, de forma até grosseira, os valores jurídicos da aparência de imparcialidade e isenção da atuação da Administração”.
João Pacheco de Amorim, especialista em Direito Público e Administrativo, fala de eventual “situação irregular”. Este professor universitário e advogado — num comentário também subscrito pelos colegas Ana Filipa Urbano e Ricardo Magalhães — afirma que a “inversão de papéis entre avaliador e avaliado poderá conduzir, no plano abstrato, a um favorecimento recíproco”. Os juristas concluem que os factos em causa “beliscam o princípio da imparcialidade”.
Diferente é a opinião do conselho de administração (CA) do SIMAS de Oeiras e Amadora, atualmente liderado (num critério de rotatividade) pela presidente da Câmara da Amadora, Carla Tavares. No CA, Isaltino Morais, recém-regressado à presidência da Câmara de Oeiras, é o 1º vogal. O SIMAS defende que “a composição dos júris garante as condições de imparcialidade e de isenção, cumprindo escrupulosamente e integralmente os pressupostos legais”.
A presidente do SIMAS esclarece que “a proposta de aprovação dos júris e métodos de seleção é um documento técnico aprovado por diversos órgãos autárquicos, muito antes da abertura do procedimento concursal”.
Com efeito, as duas câmaras e as duas assembleias municipais (ainda no anterior mandato) deram luz verde ao processo, em pelo menos quatro votações. Todas só com votos favoráveis, das várias forças representados nos dois concelhos: PS, os independentes do movimento de Isaltino (na altura ainda com Paulo Vistas em Oeiras), PSD, CDU, CDS, BE e PAN.
O Expresso questionou Isaltino Morais sobre as condições de “imparcialidade e isenção” do concurso, mas não obteve qualquer resposta até ao fecho desta edição.
Sem ligar a probabilidades
A presidência do SIMAS salienta que os júris não foram “designados em função de cenários ou de probabilidades de surgimento de candidatos” — mas a realidade pregou uma partida. José Augusto Santos e Carlos Paiva, os dirigentes que serão júri um do outro, confirmaram ao Expresso que são, de facto, candidatos aos lugares que já ocupam. Não serão os únicos. Santos enfrentará outros 14 concorrentes, enquanto Paiva um pouco menos: 13. No conjunto dos cinco procedimentos surgiram 63 candidatos.
No resto, Santos e Paiva remeteram questões colocadas pelo Expresso para a presidência do SIMAS. O mesmo fez o presidente do júri, Miguel Pereira Lopes, professor universitário do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) de Lisboa. Pereira Lopes conhece a realidade do serviço, pois já deu formação a dirigentes do SIMAS. Nessas funções, teve contacto direto com pelo menos um dos quadros que foi agora a concurso. Também a segunda vogal efetiva do júri já foi formadora de dirigentes do serviço. O CA não vê problema no facto de dois membros do júri já terem colaborado com o SIMAS.
O especialista em Direito Administrativo ouvido pelo Expresso faz leitura idêntica: “Em geral, não atribuiria grande significado ao facto de os membros do júri terem sido contratados pelo serviço no passado.” No entanto, “no caso concreto, esse facto adensa a dúvida sobre o cumprimento da exigência constitucional e legal de respeito pela imparcialidade e isenção, essenciais em procedimentos de seleção competitiva”, diz.
O SIMAS é comum aos dois concelhos por herança da antiga Câmara de Oeiras, que em 1979 perdeu o território que daria lugar ao concelho da Amadora (o primeiro criado após o 25 de Abril de 1974). O serviço tem cerca de 400 trabalhadores. Em 2016, ano mais recente com contas publicadas, teve receitas correntes de €58 milhões e lucros de €9,7 milhões.
* Por vezes pensamos que vivemos na Coreia do Norte.
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