O ópio dos patrões
Líderes como Trump, que valorizam a protecção dos interesses das empresas acima de quase todo o resto, podem encorajar as empresas a acreditar que não têm nada com que se preocupar. Mas têm.
A ética empresarial está novamente a fazer as manchetes. Desta
vez, o foco está no quão rápido a crise dos opiáceos está a escalar e a
destruir vidas pelos Estados Unidos. Apesar de haver muitos culpados, a
maior percentagem de culpa recai directamente sobre os ombros das
Grandes Farmacêuticas.
O
cinismo com que as empresas farmacêuticas encorajaram o uso de
medicamentos opióides é chocante. Tendo fornecido pouca análise e
supervisão, as empresas distribuem opiáceos amplamente, em conjunto com
desinformação sobre o quão viciantes estes são realmente. Depois,
seduzem os médicos com incitamentos e prémios – incluindo viagens,
brinquedos, chapéus de pesca e, num caso, um cd de música chamado "Get
in the Swing with OxyContin" (um dos opiáceos mais populares) – para os
prescreverem.
Em
2007, vários executivos da empresa principal da Purdue Pharma, que
comercializa o OxyContin, confessaram ser culpados de terem enganado
médicos, reguladores e pacientes relativamente ao risco de adição
associado a este medicamento. A empresa teve de pagar 600 milhões de
dólares em multas e sanções.
Ainda
assim, as Grandes Farmacêuticas estavam irredutíveis. Na década que
passou desde então, a distribuição de medicamentos opióides expandeu-se
de forma substancial, levando a um rápido crescimento da taxa de adição e
de mortes. Vários procuradores gerais estão agora a processar grandes
farmacêuticas – incluindo Purdue Pharma, Johnson & Johnson, Endo
Health Solutions, Inc., e as suas subsidiárias – por marketing e
distribuição dos seus produtos de forma "nefasta e enganadora".
Claro
que as Grandes Farmacêuticas estão a pisar um caminho que já está
gasto. As empresas de energia há muito que são conhecidas por fazerem
declarações falsas intencionais sobre as mudanças climáticas. E as
empresas mineiras e as empresas produtoras, seja de vestuário ou de
tecnologia, têm feito persistentemente vista grossa às condições
terríveis, mesmo abusivas, que os seus trabalhadores enfrentam.
Em
1994, foram revelados os chamados Cigarette Papers, cerca de quatro mil
páginas de documentos internos da tabaqueira Brown & Williamson,
que mostraram que o sector, durante anos, fez campanhas públicas negando
as qualidades viciantes da nicotina e os riscos para a saúde de fumar,
apesar das pesquisas realizadas pela indústria mostrarem outra coisa.
Este ano, novas investigações, incluindo da Organização Mundial de
Saúde, mostram que as principais empresas de tabaco, incluindo a Philip
Morris, continuaram a usar táticas ilícitas para avançar os seus
interesses empresariais, à custa da saúde pública.
Tudo
isto mostra a falha fundamental do argumento que uma desregulamentação
em larga escala, como advoga o presidente dos EUA, Donald Trump,
beneficia a sociedade. Sim, eliminar a regulação pode ajudar as empresas
a aumentar os seus lucros. Mas a que custo?
Por
exemplo, a epidemia opióide tornou-se num fardo pesado para o governo
norte-americano (e, por conseguinte, para os contribuintes), na medida
em que pressiona a aplicação da lei e o sistema de saúde. E isso nem
sequer inclui os custos suportados pelas vítimas da epidemia, pelas suas
famílias e comunidades. Mesmo os agentes funerários enfrentam novos
riscos e desafios, dado que têm de lidar com os familiares das vítimas
de overdose para o tratamento seguro dos corpos das vítimas.
Entretanto,
as empresas que tão alegremente enriqueceram os seus executivos e
accionistas enfrentam poucas, se é que enfrentam algumas, reacções às
suas actividades ilícitas ou anti-éticas. E mesmo quando enfrentam, as
outras companhias ou indústrias parecem que não aprendem nada com isso –
ou pior, aprendem as lições erradas.
A
lição que as farmacêuticas parecem ter aprendido com os desafios da Big
Tobacco foi a esconder melhor as suas actividades, em vez de fazerem
melhor. Talvez assumam que vão ter mais margem porque também produzem
medicamentos que salvam a vida das pessoas.
A
boa notícia é que a pressão sobre as empresas está a aumentar,
nomeadamente devido ao facto de alguns investidores estarem a ficar
inquietos. No mês passado, uma coligação de sindicatos, fundos públicos
de pensões, tesoureiros estatais e outros, criaram a Investors for Opioid Accountability (investidores
pela responsabilização opióide). Colectivamente têm 1,3 biliões de
dólares em activos, e os membros desta coligação pretendem escrutinar as
acções dos membros do conselho de administração de forma a fortalecer a
responsabilização e encorajar uma liderança independente dos conselhos
de administração.
Milton Friedman,
laureado com o prémio Nobel da economia, argumenta que a única
responsabilidade social das empresas é maximizar os lucros. Mas, quando
os esforços das empresas para criar valor para os accionistas leva a
consequências com tão elevado alcance – ou "externalidades", na
linguagem dos economistas – para o resto da sociedade, o argumento de
que o interesse próprio promove avanços sociais cai por terra.
Os
médicos estão obrigados pelo juramento de Hipócrates a não fazerem mal e
a defender a ética médica. Mas as empresas também têm uma grande
capacidade para fazer mal e os investimentos nas iniciativas
corporativas de responsabilidade social ou nos projectos das comunidades
fazem pouco ou nada para mitigar o mal ou para compensar as violações
éticas. Se as estratégias empresariais dos gestores não reflectem a
responsabilidade social da empresa – ou pior, dependem ou ignoraram-na –
eles têm de ser responsabilizados, tal como os médicos desonestos são
(ou deviam ser).
Líderes
como Trump, que valorizam a protecção dos interesses das empresas acima
de quase todo o resto, podem encorajar as empresas a acreditar que não
têm nada com que se preocupar. Mas têm. Como mostra a crise
norte-americana dos opiáceos, esta mentalidade pode inevitavelmente
levar ao aumento do número de pessoas directamente prejudicadas pelo
comportamento das empresas. E essas pessoas não se podem dar ao luxo de
ignorar os danos infligidos ao ambiente, comunidades e famílias.
* CEO da Marcus Venture Consulting.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
30/11/17
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