29/11/2017

JORGE FONSECA DE ALMEIDA

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Aproveite a oportunidade de
se apoderar de uma cabra

As cabras abandonadas, pela sua pequenez e falta de glamour, pelos grandes concorrentes podem ser, desde que inteligentemente trabalhadas, uma forma de afirmação no competitivo mercado europeu.

Considerando a diferença de forças entre as pequenas e médias empresas portuguesas e as poderosas multinacionais com que tantas vezes se confrontam, as melhores estratégias das nossas PME não se situam no confronto aberto e direto, mas antes na adoção de formas de atuação indiretas.

As estratégias indiretas foram desenvolvidas por muitos generais da antiguidade, mas os chineses do período dos Reinos Combatentes refinaram-nas e fixaram-nas em tratados como o dos Trinta e Seis Estratagemas.

Uma das táticas aí ensinadas é a de "aproveitar a oportunidade de se apoderar de uma cabra". Que pretende o sábio oriental com esta afirmação? Que lições podem as empresas portuguesas de hoje aprender com ela?

No contexto da guerra entre os sete estados combatentes, a afirmação remetia-nos para a necessidade de dar grande atenção ao movimento dos oponentes, à sua política e estratégia, identificar os seus pontos fortes e fracos, e não deixar passar nenhuma possibilidade, por ínfima que seja, de aumentar o nosso poder e de enfraquecer os adversários.

Do ponto de vista do Estado, uma cabra pode parecer pouco, mas o estratega ensina-nos que devemos atuar para utilizar todas as hipóteses de aumentar a nossa força, nem que seja adicionando uma pequena cabra ao nosso rebanho sempre que tal seja possível sem levar a qualquer reação dos outros competidores.

Este ensinamento mantém-se plenamente relevante nos nossos dias, quer ao nível da grande estratégia nacional do Estado português quer ao nível das estratégias das nossas pequenas e médias empresas.

As PME portuguesas não têm recursos materiais, organizacionais nem humanos para aproveitar as grandes oportunidades dos mercados globalizados, mas podem com certeza capturar muitas pequenas "cabras", isto é, nichos de mercado, clientes importantes, ensejos de aumentar as vendas ou aumentar a rentabilidade, em suma, de crescer e de se fortalecer não suscitando reações adversas de grandes concorrentes.

Quantos nichos são ignorados pelas grandes empresas porque são pequenos, dispersos ou caros de servir? Quantos locais ficam sem distribuição? Quantas tecnologias que podem reduzir custos deixam de ser implementadas devido à escala, mas que podem beneficiar empresas mais pequenas? Quantas oportunidades passam sem que as agarremos?

As cabras abandonadas, pela sua pequenez e falta de glamour, pelos grandes concorrentes podem ser, desde que inteligentemente trabalhadas, uma forma de afirmação no competitivo mercado europeu.

Este é mesmo o melhor caminho para a sua sobrevivência, concentrar-se na modesta cabra e não na gigantesca baleia evitando choques frontais como os grandes competidores internacionais. Assim, como constata o ditado popular português, "grão a grão enche a galinha o papo".

Desprezar essas oportunidades, não estar a elas atento, não aprender a detetá-las, essa é uma das grandes falhas estratégicas de muitas empresas portuguesas. Um erro que se paga caro.

* Economista

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
28/11/17

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