29/11/2017

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HOJE NO 
"DINHEIRO VIVO"
Álvaro Santos Pereira.
 “Portugal tem de baixar muito o IRC
 e o mais cedo possível”


Em entrevista, o diretor de estudos da OCDE diz que dívida do Estado e das empresas é um perigo. Subida do salário mínimo, para já, não é problemática.

Álvaro Santos Pereira é, desde 2014, o diretor da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) com a pasta dos estudos económicos nacionais. Em entrevista telefónica ao Dinheiro Vivo, a partir de Paris, onde a OCDE está sedeada, o ex-ministro da Economia de Pedro Passos Coelho (PSD) diz que dívida do Estado e das empresas é um perigo (não vá acontecer algum “choque” nos mercados). Já a subida do salário mínimo não lhe parece problemática, pelo menos para já. A reforma do IRC já devia ter começado, como aconteceu em muitos países desenvolvidos, acena. 

 A OCDE alerta para o risco de continuação de uma orientação orçamental mais expansionista em Portugal porquê?
Não estamos a defender medidas muito expansionistas porque segundo a nossa avaliação, a política monetária deverá ser normalizada mais no final de 2019, início de 2020, com a subida das taxas de juro. A nível orçamental, achamos que este ano e certamente para o ano há políticas mais expansionistas em Portugal. Mas consideramos que tem de haver prudência, é possível ter alguma margem para esse tipo de políticas porque ajudam o crescimento, mas continuamos a ver que a dívida é demasiado alta. Não só a dívida pública, mas também a das empresas. 
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Portanto, o nível global da dívida portuguesa ainda é muito alto. O último valor que temos para a dívida externa bruta é de cerca de 406 mil milhões de euros, que equivale, se não me engano, a 213% do PIB. Está mais ou menos constante nos últimos tempos, mas são níveis muito, muito altos. Graças ao crescimento económico e a alguma prudência orçamental, estamos a prever que a dívida pública vá descer e que vá continuar a descer nos próximos dois anos, pelo menos. Mas obviamente, não há muita margem para expandir muito o orçamento.

 E como é que avaliam o OE de 2018 que acabou de ser aprovado? 
 Desde que a política não seja demasiado expansionista, como neste momento, há um bocadinho de margem. Agora há aqui uma opção de política. Ou se abate dívida pública ou se estimula um pouco mais a economia, ou dá-se mais alguma primazia ao consumo. O governo, obviamente, está a dar mais primazia ao consumo. Mas podia não o fazer e tentar diminuir um bocadinho mais a dívida. 


Mas considera que o OE exagera no impulso expansionista, mesmo que reduzido, como diz? 
Ou seja, tendo em conta os riscos, seria melhor que toda a margem fosse para reduzir dívida? No que vimos até agora, o OE tenta equilibrar um pouco a restituição de alguns rendimentos com a questão do crescimento económico. Se vai ser ou não suficiente, logo se verá. 

No vosso estudo, ao nível do investimento, Portugal é dos países da OCDE que fica mais aquém na recuperação do valor perdido durante os anos da crise. Porquê e como evitar esse cenário? 
Temos de falar do investimento público e privado. O público, claramente, vai aumentar este ano bastante, não só em Portugal, como também em muitos países da Europa de leste. Isto tem a ver com a mudança de ciclos dos fundos estruturais. Infelizmente, devido à própria natureza dos fundos europeus, continua a haver ciclos políticos associados a isso. Houve uma redução muito grande do investimento público [em 2016] na transição entre os dois programas de apoio. Mas agora espera-se nos vários países, Portugal incluído, que aumente bastante. Penso que é muito provável que isso aconteça, aliás. A grande questão está, pois, no investimento privado. Neste momento estamos a prever que o investimento total vá aumentar cerca de 9% este ano e depois à volta de 5,3% e 5,6% nos próximos dois anos. 

É suficiente? 
 Penso que ainda não é. Para termos mais investimento privado, a economia portuguesa tem de se tornar mais atrativa para os estrangeiros e para o IDE. E no caso do investimento dos nacionais na economia, muito dependerá da questão do crédito, do financiamento e, obviamente, da saúde dos bancos. Para o IDE, o mais importante, para além da estabilidade, é criar as condições para mudar o tax mix (combinação de impostos), baixando significativamente o IRC. Isso é prioritário, está acontecer em muitos países da OCDE e penso que é importante que a reforma do IRC seja retomada em Portugal o mais cedo possível. Por outro lado, se se diminuem as receitas num lado, tem de se aumentar noutro para não afetar a consolidação orçamental. 

Onde? 
Em muitos países da OCDE a solução encontrada passa por aumentar os impostos ambientais. Não só para reduzir a poluição, mas também para combater as emissões de CO2. Como disse, isto está acontecer em muitos países para ajudar as cidades bastante poluídas e com impacto muito grande na saúde das pessoas. Mas também acontece por uma questão orçamental e penso que isso tem de acontecer de modo a poder aliviar impostos sobre os investidores privados. Em segundo lugar, e não menos importante, há que continuar as reformas estruturais. As reformas feitas desde 2011 deram muitos frutos, mais crescimento, mais emprego, melhorámos bastante o clima de negócios, nos rankings do Banco Mundial e do Fórum Económico Mundial. Desde 2011, Portugal melhorou muito e isso aconteceu por causa das reformas que foram feitas. Agora é importante pensar que as reformas não estão todas feitas. É importante haver uma nova leva de reforma o mais brevemente possível para que, mais uma vez, consigamos ter mais investimento no país. Tem de ser claramente uma das prioridades. 

A do IRC é prioritária? E que outras? 
Sim, sem dúvida nenhuma. E ainda há muitas restrições em muitos sectores de serviços que é preciso reduzir. Além disso é importantíssimo apostar nas qualificações das pessoas. É fundamental haver algum consenso político e ao nível dos parceiros sociais para apostar numa reforma da educação que dê prioridade, não só à formação académica, mas também implementar de forma transversal um sistema dual de aprendizagem na economia portuguesa para aumentar a empregabilidade de muitos dos alunos e para melhorar as qualificações desses trabalhadores ou futuros trabalhadores nas empresas nacionais. 

 Diz que baixar o IRC é prioritário. O novo OE aumenta a derrama estadual sobre empresas com lucros maiores. Como avalia esta medida? 
 Prefiro não comentar medidas individuais. Mas digo-lhe que nos próximos anos a tendência tem de ser de baixa do IRC, claramente. Isso tem de acontecer. 

Transversal, em todos os sectores? 
Bom. Se isso quer dizer que nos sectores mais protegidos não se coloque alguma medida adicional, isso é uma questão política. 

Não estou a perceber. 
 Eu não me escandalizaria se se aumentasse o IRC em sectores onde ainda há rendas excessivas ou existem quase monopólios, para aliviar outros. Poderia ser até interessante para aumentar a concorrência nesses sectores mais rentistas. No entanto, muito importante, e já defendo isso há muitos anos, não é a posição da OCDE, penso que Portugal tem de ter uma fiscalidade empresarial o mais atrativa possível na Europa. Nós não estamos no centro da Europa, seremos atrativos através da fiscalidade e do clima de negócios. Temos de trabalhar para estarmos no top 10 do Doing Business do Banco Mundial. 

Mas há outras formas de se ser competitivo. O governo diz que tem captado muitos investimentos importantes com incentivos dirigidos, à medida, dos investidores interessados. Não valia a pena pensar numa solução menos transversal como reduzir muito o IRC? 
Tem havido investimento, não estou a negar isso. No sector do turismo, depois das grandes mudanças que houve, das apostas que foram feitas, da liberalização do sector. Estamos a assistir a um verdadeiro boom. O que estou a dizer é que é importante que isso se alastre a outros sectores. Falta mais investimento na área dos serviços, claramente na área da indústria transformadora. Temos tido aumento do investimento sim, mas é insuficiente. 

 A produtividade diz que a produtividade portuguesa continua baixa. Se pudesse enumerar por ordem os fatores que a limitam — porque não houve investimento suficiente, porque há problemas na qualidade da gestão, porque as qualificações das pessoas não chegam ou estão desalinhadas — como faria? 
Todos esses são problemas que enfrentar em simultâneo e de melhorar nos próximos tempos. Tudo isso explica a baixa produtividade. Mas acrescento que a composição do nosso sector produtivo também ajuda a explicar o problema. Como temos um tecido empresarial muito baseado em pequenas e médias empresas (PME), temos de ter noção de que as PME em todos os países do mundo têm, habitualmente, uma produtividade um bocadinho inferiores às outras empresas. Por outro lado, também importa dizer que a nível mundial, e uma das linhas de investigação da OCDE tem mostrado isso, é que existe uma grande divergência nos últimos anos entre as chamadas empresas de fronteira — as mais avançadas, normalmente nos serviços e na indústria — e as outras. Depois da crise financeira, enquanto nas primeiras, nas que estão na vanguarda do progresso tecnológico, a produtividade está a crescer 3,5% ao ano, nas restantes o avanço é de 0% ou 0,5%. E Portugal aqui não é exceção. Como Portugal, tal como Itália, tem uma proporção de PME que é muito elevada, isso penaliza a performance global do país. É ainda importante ajudar ou estimular a consolidação das PME, aumentar a sua dimensão média, e atrair mais empresas de fronteira, que existem a nível global. A Irlanda, embora tenha menos PME que Portugal, tem o mesmo problema. As multinacionais, que estão nos mercados globais, são muito produtivas, mas as restantes empresas, não. 

O aumento previsto para o salário mínimo nacional (SMN) é desajustado à luz disso que está a dizer?  
Acho importante, sempre que possível, que nos próximos anos os aumentos do SMN estejam alinhados com a produtividade. Mas parece-me evidente que o salário mínimo tem de aumentar nos próximos anos. Nós temos um rendimento médio ainda muito baixo em Portugal e é fundamental para diminuir as desigualdades e para aumentar o bem-estar das nossas populações. Isto para dizer que ter um aumento do SMN muito acima da produtividade não é saudável. Penso que, neste momento, não estamos a falar em valores extraordinários de aumento do salário mínimo. Mas é preciso ter atenção daqui para a frente. 

Os salários portugueses estão a subir muito ou pouco? A Comissão Europeia diz que há sinais de estagnação salarial, mas parece que a OCDE não partilha totalmente dessa visão. 
A economia portuguesa tem tido um ritmo de expansão salarial que não é demasiado elevado, por enquanto, na nossa avaliação. Mas é preciso relembrar que há uma década atrás houve a tentação de subir salários demasiado depressa e isso afetou muito as nossas exportações, a competitividade, o que levou a défices externos grandes e precipitou os problemas que tivemos depois. 

 Neste novo estudo, a OCDE alerta várias vezes para a eventualidade de choque externos nos mercados de capitais. Sabem alguma coisa que nós ainda não sabemos? Se alguma coisa má acontece, Portugal está na linha da frente em relação ao embate? 
 No outlook dizemos que nos últimos anos, devido às taxas de juro estarem tão baixas, em alguns países os preços das casas aumentaram bastante — veja o caso da Suécia, Canadá, Austrália, etc. — o que levanta riscos de bolhas imobiliárias e de consequências para as famílias e o sistema financeiro. Por outro lado, essas taxas baixas, reflexo do quantitative easing (compra alargada de dívida e outros ativos), têm dado um dinamismo muito grande aos mercados de capitais, o que tem levado a que, segundo alguns cálculos ou estimativas, seja possível que alguns mercados estejam sobrevalorizados.

 Mercados de ações, de obrigações? 
Um dos riscos que vemos, daqui para a frente, é que pode haver algum ajustamento, algumas correções. É bem possível que haja. 

E que riscos corre Portugal? 
 Como lhe disse, há um problema. A nossa economia continua demasiado endividada. Com uma dívida pública de quase 130% do PIB, de uma dívida externa de 213%, se houvesse um choque externo em que os governos tivessem de agir para atenuar esse choque externo, uma das economias que seria mais afetada era a nossa. É óbvio: nós, com níveis de dívida destes, temos muito menos margem de manobra. Pode até não haver nada nos próximos tempos, mas mais cedo ou mais tarde haverá algum ajustamento relevante em algum lado e se não desendividarmos a economia isso pode afetar-nos a sério. Precisamos de reduzir essa nossa vulnerabilidade. Com moderação, claro, mas temos de o fazer. Estado e empresas. Quanto mais se fizer isto, mais vamos conseguir investir no futuro. 

O défice público devia ser 0% já em 2018?
Bom, temos de ver que há anos de eleições, há ciclos políticos, mas é aconselhável que exista um equilíbrio financeiro o mais cedo possível, sem dúvida. Um excedente primário positivo, mas também não é preciso ser demasiado elevado.

* Palavras dum ex-ministro da  economia que pedia para lhe chamarem Álvaro.

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