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A crise veio para ficar
Partidos como o PSD e o PS, dependentes de dependentes do Estado, não têm condições de mudar o que quer que seja.
Como
seria de esperar, o anúncio de que Pedro Passos Coelho não se
recandidataria à liderança do PSD trouxe à política portuguesa o tipo de
“animação” tão apreciada por jornalistas, comentadores e políticos sem
capacidade para prestarem atenção a outra coisa que não a intriga mais
rasteira: enquanto os seus mais ferozes críticos, que o vêem como uma
espécie de Mal personificado, festejavam a sua “morte política” de uma
forma que levava a crer que lhe desejavam a morte pura e simples, e os
seus adoradores lamentavam a sua saída de cena como uma adolescente
embevecida com uma “boys band” chora a saída de um seu membro, Rui Rio
anunciou a sua candidatura, um espectro do Além apareceu desejoso de reviver os seis meses que deram o poder ao “animal feroz” agora à beira de ser enjaulado, e toda uma sorte de gente duvidosa “ponderou” se lhes seguia o exemplo ou ficava em lume brando à espera de melhores dias.
Quem
tenha o hábito de me ler ou se dê ao trabalho de uma busca rápida pelas
catacumbas da internet saberá o que penso de Passos Coelho: embora
fazendo os possíveis para evitar que Portugal caísse na bancarrota,
passou o seu tempo em São Bento a deixar os problemas do país intactos, o
que os tornou mais graves. Mas ao contrário dos seus opositores, fãs e
putativos sucessores, não penso que a sua saída mude o que quer que
seja, no PSD ou em Portugal.
O problema do PSD não é de
liderança, e nem sequer é um problema só seu; é um problema do país e
que se abaterá também sobre o PS mal o Maná do turismo deixe de jorrar
dos Céus e a conjuntura internacional se torne desfavorável: as
políticas populares junto dos eleitores pioram as suas vidas
quotidianas, e as políticas que poderiam melhorar as suas vidas são
extraordinariamente impopulares.
Habituados
à olhar para a conjuntura como se a realidade nela se esgotasse, vemos o
valor oficial do défice a baixar e esquecemo-nos de que não só o Estado
português continua a precisar de gastar mais do que o (muito) que cobra
aos cidadãos, como também os factores estruturais da sociedade garantem
que no futuro terá de continuar a gastar e diminuir ainda mais o
rendimento disponível de quem o paga: a Segurança Social terá um número
cada vez menor de “contribuintes” a pagar pensões cada vez mais pequenas
a um número cada vez maior de beneficiários; na Saúde, não só o
aumento de produtividade dos serviços prestados não acompanha o ritmo
do crescimento dos gastos salariais inevitável pela competição por
mão-de-obra com actividades com maior aumento de produtividade, como a inovação tecnológica é demasiado rápida para que os seus preços comecem a baixar;
e na Administração Pública, as promoções automáticas e os aumentos
salariais em todos os escalões asseguram a permanente subida dos níveis
de despesa.
Maior que a gravidade destes problemas, só a
resistência à mudança que os poderia aligeirar, não só da parte de quem
beneficia deste estado de coisas, que compreensivelmente não querem
perder as vantagens de que usufruem, mas também de quem as sustenta,
perante a incerteza inerente a qualquer reforma. Partidos como o PSD e o
PS, dependentes de dependentes do Estado, não têm condições de mudar o
que quer que seja, pois fazê-lo implicaria sacrificar os dependentes de
quem dependem, ou seja, implicaria sacrificarem-se a si próprios.
Daí a fragmentação eleitoral a que se tem assistido desde 2009, ou seja, desde que a crise do subprime
americano e a crise das dívidas soberanas que se lhe seguiu abalou o
castelo de cartas do sistema político português: apertando-se a torneira
de empréstimos que financiava a diferença entre o que o Estado
conseguia cobrar e o que gastava, os governos de todos os partidos
tiveram de cobrar mais e gastar menos. Os eleitores foram ficando
progressivamente mais descontentes com as consequências de tais medidas
na sua vida diária, ao mesmo tempo que rejeitam qualquer alteração ao
sistema que torna essas consequências inevitáveis, e muitos culparam PSD
e PS pelo seu infortúnio, transferindo o seu voto para partidos mais
pequenos ou não votando de todo.
O resultado é simples mas
aterrador: os governos, seja de que partido forem, terão cada vez menos
condições para fazer as reformas que poderiam diminuir os problemas que
causam o descontentamento dos eleitores, o que perpetuará os problemas e
agravará esse descontentamento, deixando cada vez menos condições para
os enfrentar. Passos bem pode ir-se embora, mas a crise que ele não quis
ou não conseguiu enfrentar veio para ficar.
* POLITÓLOGO
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
16/10/17
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