ESTA SEMANA NO
"SOL"
Dívida pública sobe, sobe, sem parar
Crescimento económico motiva redução da dívida pública no rácio do PIB. Mas em termos absolutos o valor continua a subir e a cada vez mais próxima mudança na política do BCE deixará país à mercê da conjuntura.
O primeiro-ministro anunciou no início da semana que a partir de
outubro Portugal vai começar a reduzir a dívida pública. «Estamos a
conseguir reduzir o défice e vamos começar a reduzir a dívida a partir
de outubro. É a esta trajetória que temos de dar continuidade», afirmou
António Costa. No entanto, esta trajetória está longe de ser linear e a
forma como vai evoluir a conjuntura será determinante.
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De acordo com o Banco de Portugal, a dívida portuguesa é de 249
084 milhões de euros, o equivalente a 132,4% do Produto Interno Bruto
(PIB) A meta do Governo para 2017 é uma redução para o valor de 127,9%
do PIB. Para já Portugal «tem de amortizar uma Obrigação do Tesouro no
valor de EUR 6082 milhões de euros em outubro, um montante que equivale
cerca de 3% do PIB», explica a equipa de Research do Banco de
Investimento Global (BiG) ao SOL. «Dado que este valor já é parte da
almofada de segurança de financiamento do Estado, espera-se que a divida
pública recue, ceteribus paribus [com tudo a manter-se na mesma], para
pelo menos 129% do PIB», continua na explicação à lógica que preside à
declaração de Costa.
No entanto, lembra o diretor da Gestão de Ativos do Banco Carregosa
ao SOL, o«IGCP andou a emitir acima das necessidades de financiamento
precisamente para criar uma folga que permitisse amortizar esta
obrigação que agora se vence». Filipe Silva argumenta que a emissão até
pode ter sido com «taxas de juro mais baixas para pagar este vencimento»
mas se «no final o stock de dívida continuar a aumentar, que é o que
tem acontecido até aqui, o problema do excessivo endividamento
mantém-se».
A dívida pública de Portugal está entre as maiores do mundo e a
redução anunciada é a da percentagem da dívida face ao PIB e não do
montante absoluto, que continuará a subir. Isto porque é o PIB que
cresce e não a dívida que diminui.
Agora e sempre, o BCE
Ontem o Instituto Nacional de Estatística (INE) anunciou uma revisão
em alta do crescimento económico para 3% este ano e uma redução do
défice para 1,9% do PIB - o Governo tem como objetivio chegar a 1,5% no
final do ano - , indicadores que aliados à dívida pública marcam a
conjuntura do país a curto e médio parzo. «É absolutamente legitimo o
argumento de que a atual situação da dívida pública se deve praticamente
na totalidade à política do BCE», aponta ao SOL Eduardo Silva, gestor
da corretora XTB, uma vez que a «única razão pela qual Portugal se
financia ao valor mais baixo de sempre é porque a política monetária
expansionista e o programa de compra de dívida do BCE».
O papel do Banco Central Europeu (BCE) nos últimos anos tem sido
apontado como decisivo e em várias análises. No final da semana passada,
um colunista da agência Bloomberg argumentava que Portugal tem uma
dívida pública que é «completamente insustentável» e que os progressos
na redução do endividamento têm sido «glaciares», acrescentando que a
«insustentabilidade» da dívida só não é um problema devido ao BCE.
«Portugal é um dos poucos países que aparece em todos os mecanismos de
apoio do Banco Central Europeu. O banco central já é dono de quase um
terço de toda a dívida », diz Marcus Answorth, acrescentando que «os
progressos na economia têm sido bons, mas não suficientemente bons para
começarem a abater neste impressionante fardo de dívida».
Também o Commerzbank, numa nota aos investidores, alertou esta semana
que «só graças à política de juros baixos do BCE é que são suportáveis
os custos da dívida». A análise do economista Ralph Solveen aponta que
«crescimento robusto deve continuar nos próximos trimestres» - o banco
alemão prevê 2,5% este ano e 2% no próximo - taxas que vão «ajudar a
compensar o impacto do aumento da despesa pública e reduzir o défice e o
rácio da dívida pública». Mas quando as taxas de jurto subirem Portugal
caminhará para ser «um dos países que mais vão sofrer com isso».
Filipe Silva, diretor de gestão de ativos do Banco Carregosa, lembra
que na próxima reunião do BCE, em outubro, «deverá ser decidido de que
forma se fará a saída do programa de compra de ativos do BCE» e que a
forma como se irá sair desse programa «pode ter implicações nas taxas de
juro quer de curto quer de médio prazos não só da dívida portuguesa,
mas também de toda a dívida soberana europeia».
Mudança repentina
A conjuntura europeia, e internacional, lembra Eduardo Silva,
gestora da corretora XTB, é a varivel «mais importante pois será o fator
que pode mudar tudo de um momento para o outro». O responsável
argumenta que «em período de quebra de crescimento a nível internacional
e considerando os encargos com juros e dificuldades orçamentais, tudo
se pode alterar no espaço de meses» e chama atenção para possíveis
«dificuldades de financiamento nos próximos anos, pois a conjuntura
poderá assim o ditar». Isto porque, considera Filipe Silva, um custo
mais mais alto da dívida portuguesa é um «sinal de regresso ‘à
normalidade’: o cenário atual é que é um cenário perverso e
artificial».
A pesar neste cenário está a possível contabilização da
recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) no défice deste ano. A
recapitalização da CGD, de 3,944 mihões de euros equival a 2.1% do PIB e
se for incluída no défice orçamental, o objectivo de 1.5% do défice em
2017 poderá não ser concretizado e,ultrapassar o limite de 3% - o que
implicaria um incumprimento das regras orçamentais europeias.
O impacto contabilístico ainda está a ser discutido entre o INE e a
autoridade estatística europeia, o Eurostat, e poderá apenas ser
conhecido em 2018. «Apesar de poder agravar as contas, não creio que
possa ter grande impacto nos juros da dívida porque se assim fosse, só a
mera hipótese já teria feito subir os juros», considera Filipe Silva.
* A engenharia financeira é complicada, e o tuga paga tudo.
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