Férias e pais divorciados
Há um par de anos, ao ler num “blogue de mãe” as queixas de uma
progenitora divorciada sobre o facto de a filha ir passar 15 dias de
férias com o pai, senti que algo estava errado, quando, os comentários
eram praticamente todos no sentido de “como é que deixas?”, “eu se fosse
a ti, proibia e pronto!” ou ainda “mas por que raio é que ele leva a
tua filha durante duas semanas?”. Fiquei perplexo, apesar de estar
habituado a quase tudo. Acredito que para essa mãe (como para o pai da
criança), a ausência da filha fosse dura e dolorosa. Segundo entendi, a
repartição do tempo beneficiava a mãe, num esquema (já serôdio em termos
conceptuais) de “para o pai, um fim-de-semana de 15 em 15 dias e uma
quarta-feira na outra semana”, mas (talvez por isso) ela deixava
percetível que “não iria aguentar”. Ela, mãe. Da criança pouco ou nada
se falava. Compreendo os desabafos de uma mulher que tem sentimentos e
que resolve partilhá-los com a blogosfera. Sei que é difícil a gestão
das férias quando o casal está divorciado e a criança fica duas semanas
(ou mais) com um e com o outro. Mas o que me chocou, neste caso, foi a
ideia de que, para a blogger e para as comentaristas, o interesse da
criança era algo secundário porque se sobrepunha “o direito da mãe a
estar com a criança”. E com o pai? Por acaso esta criança até o tinha…
Acredito
que, para a mãe (habituada a ter o filho num esquema obsoleto,
antiquado e que não responde às necessidades da criança) fosse difícil
aguentar 15 dias de ausência. A legislação atual, que veio estabelecer
novos conceitos, em 2008, com um salto qualitativo bem grande, afirma
claramente que a criança tem dois progenitores e que a história de que
as mães são mais importantes do que os pais (ou vice-versa) é, desculpem
a crueza das palavras, uma grande treta. Desde sempre, as crianças
precisam de pai e de mãe, de um modo efetivo e afetivo, designadamente
nas férias, em que a relação entre pais e filhos pode ser mais livre,
mais autêntica e mais solidária.
Há ainda juízes e procuradores que
consideram que “os pais apenas os fazem e as mães é que os aturam”. Não é
por ser homem que considero esta visão das coisas absolutamente
dantesca, cientificamente errada e socialmente inaceitável. Os pais,
pelo menos muitos deles, são pais “de corpo inteiro”, dadivosos, amam os
filhos, sacrificam-se por eles, levantam-se durante a noite para os
acalmar quando de um sonho mau, adormecem-nos contando histórias, dão
mimo, estimulam o crescimento, afligem-se quando adoecem, estão
presentes nas consultas, desde as ecografias até à vigilância da saúde
infantil. Sendo claro que pais e mães têm ambos direitos e deveres
iguais perante os filhos, é ainda mais claro que as crianças têm o
direito de ter um pai e uma mãe e de estar com eles.
É conveniente,
pois, que pais e mães se entendam, ultrapassem as suas angústias,
“lambam as feridas”, não transportem para a criança as suas inseguranças
e assumam que os filhos serão tanto mais felizes quanto os pais se
entenderem.
Quanto ao resto, é altura de acabar com visões
dicotómicas, maniqueístas ou que conduzem a um descarte de um dos
progenitores, numa verdadeira alienação parental. Salvo casos extremos,
do foro da Justiça ou por desinteresse de um pai ou de uma mãe (que
também as há) as crianças merecem viver em responsabilidade parental
conjunta e residência partilhada... incluindo nas férias.
* Pediatra
IN "PAIS E FILHOS"
16/06/17
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