Apanhada outra vez
pela Eurovisão
Lisboa vai ser anfitriã da Eurovisão para o ano, e comecei a
pensar em quem, entre os suspeitos do costume, será escolhido como pivô.
Estou à espera de um double act de Marcelo e de Goucha.
Na semana passada, estive muito ocupada e não tive tempo para ver,
ouvir ou ler nada. Assim, a única coisa que sabia do Salvador Sobral
era que “ele é muito fofiiiiinho”. Ser fofinho não é razão suficiente
para ganhar nada, mas com a Eurovisão, nunca se sabe. Há anos que a
Eurovisão perdeu a minha atenção. Uma noite inteira desperdiçada em
frente da televisão, entre o tédio e o embaraço, não é a melhor maneira
de passar um sábado em Maio. Ontem, porém, voltei a ver, só para ver se a
fofinhice era ou não capaz de vencer.
A televisão estava ligada, e entrei e saí da sala. Aborreci-me com as
baladas do costume, sobre-cantadas, sobre-emocionadas (tudo por culpa
da Mariah Carey e ainda mais culpa do Simon Cowell), bocejei com as
músicas rock más de Europa de Leste e não achei graça ao gorilla
‘engraçado’ da Itália. A música da Luísa e do Salvador Sobral
destacou-se do resto lindamente, com a excepção, para ser franca, dos
romenos a fazer rap-à-tirolesa, que me inspiraram uma alegria
incompreensível.
Mais uma vez, a Eurovisão pareceu um Festival de língua inglesa. Mas a
língua da Alemanha não é a da minha terra, tal como a língua da Espanha
não é o Inglês, nem a da Moldávia é o Inglês, nem a de Israel é o
Inglês, nem o Inglês é a língua falada na Bulgária, que até ao fim lutou
pela vitória com a canção de Portugal, estranhamente (em tal contexto)
cantada em Português. Na final, em 26 canções, apenas três foram
cantadas na língua do país.
Finalmente, a votação começou.
Ver a parte da votação sempre foi o melhor do programa, com conversas
constrangedoras através de ligações de satélite complicadas, e gracejos
embaraçosos entre pivôs internacionais, ultra-maquilhados e
super-vestidos, diante de uma fotografia da sua cidade capital. Por esse
lado, a noite de ontem não desiludiu, mas o gozo foi de repente
ultrapassado pela impressão de que o Salvador, afinal, podia ganhar
mesmo. O clima ficou ainda mais eléctrico com a excitação do Malato, e
os gritos e as buzinas da rua (ok, é possível que os gritos e as buzinas
tivessem algo a ver com o tetracampeonato do Benfica, mas fosse como
fosse, aumentou a excitação).
Contados os votos dos júris, Portugal estava no topo, mas ainda
faltava a votação pública. Já estávamos todos pendurados nas cadeiras,
como se estivéssemos perante uma final decidida a penáltis, mas foi
muito mais tenso do que os penáltis. Hoje, é impossível confiar em
votações públicas. Estou-me a lembrar, por exemplo, do Brexit ou do
Trump… A Eurovisão estava ao nosso alcance, mas as fraquezas e os
feitios das pessoas ainda podiam estragar tudo, e fazer-nos perder para a
Bulgária.
Sondagens no facebook e no twitter (especialmente depois de
JK Rowling se ter juntado ao clube de fãs do Salvador) pareciam prever o
triunfo português, mas não podíamos estar certos de que na privacidade
das suas casas, os europeus não acabassem por votar em algo estranho,
como a Espanha ou aquele gorila dançante da Itália.
Gritámos todos quando a Bulgária perdeu… perdão, quando Portugal
ganhou, ainda por cima porque a canção vencedora tinha uma letra
portuguesa e não no dominante inglês.
Fiquei a olhar fixamente para a televisão, com um sorriso a rasgar-me
a cara, enquanto Salvador e Luísa partilharam o palco no final do
programa. É possível que tivesse até uma lágrima no canto do olho.
De repente, lembrei-me que Lisboa vai ser anfitriã da Eurovisão para o
ano, e comecei a pensar em quem, entre os suspeitos do costume, será
escolhido como pivô. Estou a espera de um double act de Marcelo e de Goucha.
A Eurovisão tem-me outra vez presa na sua pirosa armadilha diabólica.
IN "OBSERVADOR"
14/05/17
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