Vacinar ou não vacinar,
não há questão
Infelizmente, não estamos a falar de Hamlet, esta tragédia não se passa no reino da Dinamarca e, dificilmente, seria imaginada por Shakespeare, há mais de 410 anos, quando surtos de epidemias dizimavam povoações inteiras.
Quem não leu nada sobre a peste negra, a varíola, a tuberculose ou,
mais recentemente, a gripe espanhola ou a poliomielite? Morria-se
sozinho. Abandonado. Quantos partiram à espera de uma vacina, uma cura
para o SIDA? Quantos de nós pedimos uma descoberta para o combate à
malária? Todos sonhamos com um milagre para o cancro.
Então? O que se passa? Se existe algo que nos protege e que protege quem
mais amamos e cujo a vida depende, por completo, de nós, sem poder de
decisão, por que razão não o fazemos? Por que motivo, com que direito,
colocamos em risco a vida dos outros? Desde quando opiniões, mal
fundamentadas, que inundam as redes sociais, devem prevalecer sobre
avanços da medicina, séculos de estudos científicos?
Há uns meses, um dos meus vizinhos, aqui em Madrid, veio pedir-me um
favor especial. Estava em pânico. A filha queria vacinar o neto contra a
meningite meningocócica, proteger o bebé de uma doença que pode ser
fatal, mas o stock estava esgotado e a lista de espera nas farmácias de
Madrid era enorme, podia ultrapassar um ano. Pediu-me ajuda. Perguntou
se podia comprar-lhe a vacina em Portugal. Duas semanas depois,
entreguei-lhe as duas doses recomendadas pelo Plano Nacional de
Vacinação de Espanha, de uma vacina que não é comparticipada e ronda os
100 euros/ cada. O menino foi vacinado no dia seguinte e o avô respirou
de alívio.
Não quero, nem tenciono de maneira alguma, criticar que opta por não
imunizar os filhos, proteger, reduzir a possibilidade de contraírem uma
doença para a qual já existe uma vacina. Lamento, profundamente, que
tenha sido necessário, mais uma vez, pela enésima vez, perder-se uma
vida, uma vida tão jovem, para que o debate se instale de forma
definitiva e se faça algo. De acordo com as informações que existem,
este caso nem terá a ver com opções ditas naturalistas ou defensores do
movimento anti-vacinas. Aos pais, nada que possa escrever pode aliviar
uma dor tão profunda e eterna. Que grande tristeza. Os meus sentimentos.
Aos que defendem que a natureza se encarrega de imunizar os filhos, que
não acreditam na eficácia das vacinas, que desconfiam dos “Governos” por
facultarem vacinas, peço que “ergam as mãos para o céu”, para a “mãe
natureza”, para onde quiserem e agradeçam não estar em luto. Não terem
perdido o que de mais valioso conseguiram na vida por receio de “danos
colaterais”.
Todos temos o direito a uma opinião. O direito a uma escolha pertence a
todos e a cada um de nós, mas não podemos esquecer que esse direito
termina quando começa o direito à vida, à saúde dos outros e, entre os
outros, estão também os nossos filhos. Quando um pai decide não vacinar
uma criança, está a colocar em causa a vida dos outros, mas também a
vida do próprio filho, que não pode escolher. Não estamos a falar de
opções religiosas, educativas, culturais. “Ah… não vou batizar, se
quiser um dia ele opta por isso”. “Para já, não vai para a música,
quando tiver 10 anos logo se vê, se gosta.” “Se quiser furar as orelhas,
que o faça ela!”. Não, não estamos a falar disto. Não, quando
acontecer, se acontecer, pode não existir nada, repito nada, a fazer
para salvar o seu filho, ou o meu.
Trata-se de um retrocesso civilizacional. Sabem o que aconteceu, por
exemplo, aos dois médicos que associaram as vacinas a casos de autismo? O
britânico Andrew Wakefield foi proibido de exercer medicina e o
norte-americano Jeff Bradstreet ter-se-á suicidado. Entretanto, só em
Portugal, há 15 mil crianças por vacinar. Qual o fundamento? Qual a
explicação? Não sei.
Será que Maurice Hilleman, conhecido por ter desenvolvido mais de 40
vacinas, entre elas a do sarampo, referido como o cientista que mais
vidas salvou no século XX, é um embuste ou dedicou a vida a uma farsa?
Criou “armas biológicas para os Governos”, como se pode ler em algumas
páginas na internet, em vez de vacinas que evitaram a morte a milhões e
milhões de pessoas? Os avanços, durante séculos, da medicina, da
biotecnologia molecular, os estudos imunológicos e epidemiológicos, não
serviram de nada?
Agora é um “Ai Jesus”. O assunto vai ser debatido no Parlamento e já há
um abaixo-assinado a exigir vacinação obrigatória, devido a uma doença
que estava dada como eliminada em Portugal, mas que mata 15 pessoas por
hora em todo o mundo.
Regressando ao início deste artigo, apenas uma opinião e única e
exclusivamente uma opinião, troco o dramaturgo britânico Shakespeare por
um filósofo francês da mesma época… Descartes: “Penso, logo vacino”.
IN "RTP-NOTÍCIAS"
20/04/12
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