HOJE NO
"i"
Justiça.
Joana Marques Vidal bate recordes
Em 20 anos, nunca a Procuradoria-Geral da
República emitiu tantas notas informativas e esclarecimentos. A mais de
um ano do final do mandato, Marques Vidal já vai com o dobro das
comunicações dos seus antecessores.
A procuradora-geral da República, Joana
Marques Vidal, está a bater todos os recordes tanto no número de
megaprocessos instaurados como na comunicação ao público.
.
Desde que tomou posse aos comandos do Ministério Público, a 12 de
outubro de 2012, Marques Vidal emitiu um total de 165 comunicados ou
esclarecimentos sobre processos em investigação, na esmagadora maioria
da órbita do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
Dá uma comunicação ou esclarecimento a cada dez dias.
Os arquivos do site do Ministério Público permitem recuar até 1996 e a
conclusão salta à vista: em 20 anos, nunca tinha havido uma PGR tão
ativa na comunicação.
De acordo com o levantamento realizado pelo i – com base nos dados
publicados no site do MP –, o número de comunicados emitidos por Joana
Marques Vidal já ultrapassa o dobro de todos os seus antecessores.
Fernando Pinto Monteiro emitiu 88 comunicados durante os seis anos do
seu mandato (entre 9 de outubro de 2006 e 12 de outubro de 2012) – menos
88% face às notas emitidas por Marques Vidal.
E esta diferença é ainda mais vincada quando recuamos ao mandato de
José Souto de Moura. Entre 9 de outubro de 2000 e 9 de outubro de 2006, o
21.o PGR emitiu apenas 66 comunicados. Antes, José Cunha Rodrigues, que
esteve à frente da Procuradoria- -Geral da República entre 1984 e 9 de
outubro de 2000, de 1996 até à sua saída – os únicos registos
disponíveis online – fez 49 comunicados.
Aumento de megaprocessos
Este aumento de comunicados é acompanhado pela subida de atividade do
DCIAP e dos megaprocessos tornados públicos nos últimos anos. Nos
últimos cinco anos, o DCIAP arrancou com investigações como o Universo
Espírito Santo e o caso Vistos Gold – que envolve o ex-ministro da
Administração Interna Miguel Macedo, acusado de prevaricação e de um
crime de tráfico de influências no exercício das funções. Foi ainda
conhecida a Operação Fénix – processo no qual o presidente do Futebol
Clube do Porto, Pinto da Costa, está acusado de associação criminosa e
exercício ilícito da atividade de segurança privada.
Arrancaram também a Operação Fizz – na qual está acusado de corrupção
ativa o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, e um ex-procurador
português, entre outros arguidos – ou a Operação O Negativo, que envolve
o ex-presidente da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e
Vale do Tejo, Luís Cunha Ribeiro, e Lalanda e Castro, ex-patrão de José
Sócrates na farmacêutica Octapharma, suspeitos de corrupção na venda de
sangue.
Mas o caso mais mediático e que, de longe, suscita um maior número de
comunicados e esclarecimentos é a Operação Marquês, que já conta com 25
notas disponibilizadas ao público e à comunicação social.
Os números contrastam com os megaprocessos lançados durante a era de
Pinto Monteiro. O caso mais mediático cuja investigação arrancou durante
o mandato do anterior PGR foi o processo Face Oculta, em 2009. As
restantes megainvestigações que decorriam na altura tinham arrancado
durante o mandato de Souto de Moura. É o caso da Operação Furacão, o
caso Freeport, o Portucale ou o Apito Dourado.
Fernando Pinto Monteiro não esconde, aliás, ser “contra
megaprocessos, que muitas vezes dão mega-absolvições”. Em entrevista à
TSF, o ex-PGR explicou que considera que os megaprocessos não são o
melhor para a justiça nem para a investigação ou para os julgamentos, e
fica sempre a “dúvida sobre se o juiz leu, com tudo o cuidado, os
milhares de páginas que constituem este tipo de processos”.
Apesar do baixo número de novas investigações durante o seu mandato,
Pinto Monteiro garantiu, em entrevista à RTP, que não deixou “ninguém
por investigar”.
Magistrados aplaudem PGR
A “abertura” de comunicação e “dinâmica” de Joana Marques Vidal não
reúnem consensos no mundo da justiça. Procuradores ouvidos pelo i
aplaudem a gestão de comunicação da PGR. Mas há advogados que defendem
que Joana Marques Vidal devia justificar de forma mais clara a razão da
emissão de esclarecimentos enviados à comunicação social sobre casos em
investigação e em segredo de justiça. É o caso de Rui Costa Pereira, da
PLMJ, que salienta uma diferença “claríssima” entre os comunicados de
Marques Vidal sobre os casos em segredo de justiça e os que foram
emitidos por Pinto Monteiro.
Segundo a lei, “o segredo de justiça não impede a prestação de
esclarecimentos públicos pela autoridade judiciária, quando forem
necessários ao restabelecimento da verdade e não prejudicarem a
investigação”, seja “a pedido de pessoas publicamente postas em causa;
ou para garantir a segurança de pessoas e bens ou a tranquilidade
pública”, diz o número 13 do artigo 86.o do Código do Processo Penal. E
ao abrigo deste artigo, Joana Marques Vidal já emitiu 94
esclarecimentos, do total de 165 comunicados. Pinto Monteiro publicou
apenas 11 comunicados nestes termos.
Mas, para o advogado especialista no Código Penal, “quase todos os 94
comunicados são ausentes de justificação no que diz respeito à sua
necessidade”. E, sustenta ainda ao i Rui Costa Pereira, durante o
mandato de Pinto Monteiro “havia uma manifestação mais clara das razões
que levavam o Ministério Público a emitir esses comunicados”.
Opinião oposta tem o ex-líder sindical dos magistrados, João Palma,
para quem “é positiva” a “nova dinâmica” da PGR. Palma diz que há hoje
“um ritmo diferente e maior” face ao que foi o mandato anterior no
sentido “de levar os processos para a frente e de apresentar resultados
nos inquéritos criminais”. E sobre “a vontade de transmitir à opinião
pública aquilo que são os processos”, o magistrado diz não ter dúvidas:
“Há maior transparência relativamente aos processos mais mediáticos.”
Para João Palma, a estratégia da PGR de emitir mais comunicados acaba
precisamente por “blindar” o segredo de justiça. “Acaba por satisfazer a
curiosidade e limita a necessidade de a comunicação social andar por
portas travessas a tentar saber informação sobre os processos, uma vez
que essa informação é alimentada por quem de direito”, remata.
O penalista Rui Costa Pereira aponta antes uma postura “paradoxal” à
PGR e fala de um contrassenso. Para o especialista, a Procuradoria-Geral
da República tem estado a quebrar o segredo de justiça sem necessidade,
tendo em conta que os comunicados não referem nada que dê a entender
que a informação que vem a público por outros meios seja “incorreta,
falsa ou deturpada”.
* Sempre dissemos que gostávamos da postura desta PGR, mais trabalho, mais comunicação sóbria, menos holofotes.
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