13/04/2017

ADRIANO MOREIRA

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O conflito entre 
as memórias e os anúncios

A tradição da temática da ordem mundial é marcadamente regional, pelo que respeita à pluralidade de povos e países que constituíram, até ao fim da guerra de 1939-1945, o que chamamos ocidentais. Que viveram séculos em conflitos de poderes, que viriam a chamar-se soberanos, sem excluírem a ocidentalidade mas sem evitarem a conflitualidade de interesses a resolver pela guerra. Não faltaram nunca os teóricos do pacifismo, em regra considerando apenas o pensamento europeu cristão, depois ocidental: desta visão bastará lembrar Camões, que vincava a coincidência entre cristandade e europeísmo, sendo Portugal "cabeça da Europa toda", até Kant com o seu projeto de Paz Perpétua.

O conhecimento geográfico, e por corolário, conhecimento do pluralismo étnico, cultural e religioso da população humana, teve a sua primeira grande origem nas navegações portuguesas, e dessa experiência se evoluiu para os projetos que vieram primeiro ensaiar a paz efetiva, pela Sociedade das Nações depois da Primeira Guerra Mundial, entre os ocidentais detentores do domínio mundial, e depois pela ONU, no fim da Segunda Guerra Mundial, com a ambição de finalmente pacificar o globalismo mal sabido em que nos encontramos. Está desaparecida praticamente a geração que viveu ambas as guerras, e está no poder a que vive as consequências da segunda, que por vezes tomou por um novo mundo porque ainda não teve experiência avaliada de a ONU ter coincidido com o início do outono ocidental. Já foi tão debatida a sua necessária reorganização que o importante nesta data é sobretudo meditar sobre a situação incerta do globalismo. Digamos que o eixo da crise global está na falta de coincidência entre normas e factos, por duas vezes tentada depois de duas guerras mundiais. Lembrarei que os textos legais foram então escritos apenas por mãos ocidentais, e que as palavras mudaram facilmente de sentido quando as novas culturas em liberdade começaram, pela primeira vez na história, a falar com liberdade.

Por isso rapidamente pôde concluir-se que os fundadores da ONU não ganharam a guerra, apenas não a tinham perdido. Por isso a igualdade das nações, o mundo único, a terra casa comum dos homens, foram realmente princípios substituídos pela Ordem dos Pactos Militares, caraterizados por um conflito entre o Plano Ocidental de levar a unidade do Atlântico aos Urales e o plano Russo de a levar dos Urales ao Atlântico. A chamada guerra fria, como lhe chamou Aron, verificou-se apenas no Norte do Globo, porque no Sul os conflitos foram tremendos. Incluo, na dissolução do Império Euromundista, a guerra no antigo Ultramar português, parte do Império Euromundista. Para simplificar, tomemos como exemplo a guerra que nessa dissolução afetou a França que se considerou a "Luz do Mundo".

A sua evolução, que se mostra mais influenciada pela União Europeia, do que pela ONU, sendo esta uma forma de unidade que não é Estado, mostra sobretudo três tendências: uma, a de Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, que pretende eliminar a União; depois, Emmanuel Macron, ministro da Economia, que quer uma União reformada que perca sobretudo influência, não pelo regresso à soberania clássica e perdida, mas por considerar que a zona euro, na definição atual, beneficia sobretudo a Alemanha; por sua vez, François Fillon, anuncia o que foi chamado "desregulamentação liberal extrema". Pondo de lado que a exigência de um moralismo económico é comum, também não parece evitável acrescentar a lembrança da antiga França luz do mundo, com a rivalidade clássica com a Alemanha, nem que sofra de esquecimento da soberania tão larga quanto possível. Por seu lado, a Rússia, que durante o sovietismo juntara Partido e Império, na sua terceira versão Putin mostra, ao declarar, rodeado pelos seus generais, que não esqueceu a história nacional, filiada na Proclamação da Igreja Russa, quando da invasão dos turcos: a primeira Roma caiu, a segunda Roma caiu, mas a terceira Roma nunca cairá. As divisões que vão das projetadas quebras nacionais, ao II brexit da Inglaterra, ajudam a compreender que a memória está a exceder os tratados. Na sua parte mais negativa, está a relembrança da já antiga conclusão de que o chamado "terceiro mundo" considera os ocidentais os maiores agressores dos tempos modernos, o que não leva a considerar a descolonização um suficiente avanço da ética, mas sim a vitória de um combate.

A reformulação da ordem mundial, do mundo único e da terra casa comum dos homens, deverá também esclarecer que a Casa no Alto da Colina, mais conhecida por EUA, precisa de aperfeiçoar a doutrina, não de a revogar.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
12/04/17

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