HOJE NO
"i"
"i"
Habitação.
Relatora especial da ONU
condena vistos gold
Análise de Leilani Farha após visita a Portugal já foi entregue ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. Críticas são duras.
A relatora especial da ONU que esteve em
Portugal em dezembro para avaliar as políticas de habitação no país
alerta que o programa de atribuição de vistos gold não beneficiou as
populações mais carenciadas, antes pelo contrário. “Apesar da enorme
injeção de capitais (...) não resultou na criação de empregos e nem uma
pequena parte dos ganhos foi aplicada no desenvolvimento de habitação
acessível”, lê-se no documento entregue esta semana ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU.
.
Na realidade, continua a relatora Leilani Farha, “este esquema, a par
de outros fatores como a escassez de casas para arrendamento a longo
prazo e o acesso mais facilitado ao crédito à habitação e baixas taxas
de juros, podem ter exacerbado os problemas de acessibilidade para os
agregados de médios e baixos rendimentos.”
O relatório da visita a Portugal, que teve lugar entre 5 e 13 de
dezembro do ano passado, apresenta um balanço do programa de vistos gold
à data desta avaliação.
Leilani Farha lembra que os vistos são atribuídos a quem compre bens
imóveis de valor igual ou superior a 500 mil euros e edifícios antigos
em perímetros urbanos para recuperação acima de 350 mil euros, quem faça
transferências de capital no montante igual ou superior a um milhão de
euros ou a quem garanta a criação de pelo menos 30 postos de trabalhos
(desde 2015 passou a ser exigida a criação de apenas dez postos de
trabalho). Entre outubro de 2012 e setembro de 2016, revelam dados
publicados no relatório entregue à ONU, dos 3.888 vistos gold
atribuídos, a grande maioria (3.669) foram concedidos a estrangeiros que
adquiriram imobiliário e apenas seis a investidores que criaram
empregos. “Apesar destes investimentos representarem apenas 0,06% do
parque residencial de Portugal, o esquema gerou 2,37 mil milhões de
euros, dos quais 2,14 mil milhões da compra de imóveis, pressionando o
custo do alojamento no país.” A relatora sublinha ainda que, de acordo
com dados do Instituto Nacional de Estatística, entre 2015 e 2016, as
áreas urbanas registaram um aumento de 5% a 10% no preço das casas. Na
Amadora a subida foi de 9,4%, no Porto de 7,2% e em Lisboa de 5,2%.
A crítica aos vistos gold está longe de ser a única no documento de
20 páginas entregue no âmbito da 34.ª sessão do Conselho de Direitos da
ONU, que decorre até dia 24 em Genebra. A relatora, que em dezembro já
tinha alertado para o perigos da “turistificação” e do aumento dos
alugueres temporários em Lisboa e no Porto, considera que as medidas do
governo para travar a especulação e garantir que os centros históricos
não se transformam em “enclaves de ricos e estrangeiros” têm sido
insuficientes.
Confrontada com os despejos no bairro 6 de Maio na Amadora, Farha
sublinha que despejos forçados sem soluções definitivas para a população
são uma “violação grosseira da legislação internacional de direitos
humanos”. A relatora, que trabalha também na ONG Canada Without Poverty,
denuncia ainda que as condições de vida que encontrou no bairro da
Torre, em Loures, são algo que nunca se espera ver, “definitivamente não
num país desenvolvido que ratificou os instrumentos internacionais em
matéria de direitos humanos que protegem o direito a habitação
condigna”. Pessoas a viver no meio do lixo e sem luz são alguns
problemas.
A ausência de dados precisos sobre a população sem abrigo no país (as
estatísticas apontam para um número entre 4.000 e 50.000) e as
condições de vida de comunidades ciganas e de origem africana mas também
de idosos nas “ilhas do Porto” ou de cidadãos com deficiência são
outros alertas no relatório, que considera que as medidas de austeridade
do programa do ajustamento só vieram piorar o cenário e aumentar a
pobreza.
A relatora apela ao governo português para que crie uma moldura legal
que garanta “consistência e coerência” aos programas e políticas do
governo na área da habitação. O i procurou obter uma reação do
Ministério do Ambiente, que tutela esta área, mas não obteve resposta
até ao fecho da edição.
* Sempre fomos contra os "vistos gold", idílica invenção do sr. Portas.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário