17/03/2017

ANA RITA GUERRA

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Da Google, com inveja

Subimos ao sétimo andar e seguimos Greg, um dos supervisores, até um corredor aparentemente normal. Mas não era. Por detrás da porta, com o nome Broom Room, estava um bar, decorado ao bom estilo boémio de São Francisco, que desembocava noutro corredor cheio de pequenos espaços recatados. Mesas e bancos acolchoados, separados por divisórias como num restaurante romântico preparado para o Dia de São Valentim. Nas paredes, quadros com capas de banda desenhada dos bons velhos tempos, do Capitão América ao Homem-Aranha, e filmes de culto da ficção científica. 

"Olhem para isto!", pediu Greg, à medida que pegava no seu cartão de empregado e o encostava a um quadro da Guerra das Estrelas. O gesto fez abrir uma porta secreta, que mostrou uma sala de póquer com toques de clube londrino no século XIX. O teto de cobre tinha cornucópias esculpidas à mão; havia abre-garrafas alemães e franceses do início do século passado em exposição. As cadeiras eram majestosas. "Temos vários ex-jogadores de póquer na empresa, mas ainda não conseguimos juntá-los para um torneio."

Este Speakeasy é o segredo bem guardado de um dos três escritórios da Google em São Francisco, que estão situados em pontos estratégicos. Dali vê-se uma das pontes da cidade, que toda a gente acha parecida com Lisboa - embora a capital portuguesa seja mais bonita, mais histórica e mais barata. Muitos empregados da Google não conhecem este espaço, muito menos a porta secreta que se abre passando o cartão no quadro Star Wars; Greg garante que nunca viu bebedeiras à sexta-feira à noite, mas não duvida de que haja quem saia dali alegre.

E não era preciso álcool para chegar a esse estado. Este edifício da Google tem cerca de mil colaboradores, mas dá a sensação de ser uma startup estimulante. No segundo piso, há o espaço Zen Garden, para quem quer trabalhar em silêncio e com vista para um jardim minimalista. Ali ao lado, uma sala de cinema com consolas Xbox e PlayStation, onde os empregados vão jogar para descomprimir. A caminho da sala de jogos, onde há máquinas de salão, simuladores de corrida e mesas de bilhar, dou com uma funcionária da Google a arranjar o cabelo, no salão de beleza. Uns passos mais à frente, um megaginásio com personal trainers. Greg explica que há uma minicozinha em todos os pisos, a comida e o café são gratuitos e as plantas que se veem por todo o lado são reais. 

Dão um aspeto de jardim urbano a estes corredores de trabalho em open space, que por vezes se tornam superfrenéticos e cheios de ruído (daí a zona de trabalho Zen). Há também secretárias que em vez de cadeiras têm passadeiras de ginásio, onde os colaboradores podem trabalhar e andar ao mesmo tempo. "Não imaginam quantas pessoas trabalham assim", diz o supervisor.

Ali ao lado, uma sala com o nome apropriado Makers Room, um espaço para Fazedores, onde os colaboradores podem dar asas à imaginação. Está cheia de maquinaria e protótipos e é ali que muitos funcionários passam os seus 20% - o tempo que a Google concede aos empregados para dedicarem a projetos pessoais e inovadores.

Todas as salas de reunião e conferência neste piso têm nomes de filmes em que a cidade de São Francisco aparece. Por exemplo, Godzilla, Hulk e Zodíaco. No sétimo piso, onde está o Speakeasy, as salas têm nomes de super-heroínas. Ao pé do elevador há um aviso: "A TGIT desta semana será nas salas Batgirl e Supergirl." O que é a TGIT? Thank God it"s Thursday. Costumava ser Thank God it"s Friday, o dia em que os fundadores da Google, Larry Page e Sergey Brin, faziam uma sessão de brainstorming e perguntas e respostas com os colaboradores. Mas por causa do fuso horário, em muitos países já era sábado, então mudaram o encontro semanal - que os fundadores mantêm, em Mountain View - para quinta-feira. Toda a gente participa por videoconferência. Uma Google mexicana anui - todas as semanas, de forma religiosa. É a forma que Brin e Page têm de manter o espírito de startup que tornou a Google tão irreverente e diferente nos primeiros anos.

Ainda que essa empresa tenha sido há muito perdida, estar dentro de um escritório Google relembra-nos o porquê do fascínio que exerce em Silicon Valley. Há um misticismo dentro destas paredes que vai além dos benefícios materiais. A Google compreende que o sítio onde as pessoas passam mais tempo, o escritório, deve ser o mais excitante possível. Os extras não distraem as pessoas, relaxam-nas. E, quando se faz aquilo de que se gosta, não parece tanto um emprego como uma missão. Esta busca da felicidade dentro do escritório é um exemplo a seguir - ainda que não se esqueçam os defeitos de Silicon Valley.

 IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
14/03/17

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