Da Google, com inveja
Subimos ao sétimo andar e seguimos Greg,
um dos supervisores, até um corredor aparentemente normal. Mas não era.
Por detrás da porta, com o nome Broom Room, estava um bar, decorado ao
bom estilo boémio de São Francisco, que desembocava noutro corredor
cheio de pequenos espaços recatados. Mesas e bancos acolchoados,
separados por divisórias como num restaurante romântico preparado para o
Dia de São Valentim. Nas paredes, quadros com capas de banda desenhada
dos bons velhos tempos, do Capitão América ao Homem-Aranha, e filmes de
culto da ficção científica.
"Olhem para isto!", pediu Greg, à medida que
pegava no seu cartão de empregado e o encostava a um quadro da Guerra
das Estrelas. O gesto fez abrir uma porta secreta, que mostrou uma sala
de póquer com toques de clube londrino no século XIX. O teto de cobre
tinha cornucópias esculpidas à mão; havia abre-garrafas alemães e
franceses do início do século passado em exposição. As cadeiras eram
majestosas. "Temos vários ex-jogadores de póquer na empresa, mas ainda
não conseguimos juntá-los para um torneio."
Este
Speakeasy é o segredo bem guardado de um dos três escritórios da Google
em São Francisco, que estão situados em pontos estratégicos. Dali vê-se
uma das pontes da cidade, que toda a gente acha parecida com Lisboa -
embora a capital portuguesa seja mais bonita, mais histórica e mais
barata. Muitos empregados da Google não conhecem este espaço, muito
menos a porta secreta que se abre passando o cartão no quadro Star Wars;
Greg garante que nunca viu bebedeiras à sexta-feira à noite, mas não
duvida de que haja quem saia dali alegre.
E
não era preciso álcool para chegar a esse estado. Este edifício da
Google tem cerca de mil colaboradores, mas dá a sensação de ser uma
startup estimulante. No segundo piso, há o espaço Zen Garden, para quem
quer trabalhar em silêncio e com vista para um jardim minimalista. Ali
ao lado, uma sala de cinema com consolas Xbox e PlayStation, onde os
empregados vão jogar para descomprimir. A caminho da sala de jogos, onde
há máquinas de salão, simuladores de corrida e mesas de bilhar, dou com
uma funcionária da Google a arranjar o cabelo, no salão de beleza. Uns
passos mais à frente, um megaginásio com personal trainers. Greg explica
que há uma minicozinha em todos os pisos, a comida e o café são
gratuitos e as plantas que se veem por todo o lado são reais.
Dão um
aspeto de jardim urbano a estes corredores de trabalho em open space,
que por vezes se tornam superfrenéticos e cheios de ruído (daí a zona de
trabalho Zen). Há também secretárias que em vez de cadeiras têm
passadeiras de ginásio, onde os colaboradores podem trabalhar e andar ao
mesmo tempo. "Não imaginam quantas pessoas trabalham assim", diz o
supervisor.
Ali ao lado, uma sala com o
nome apropriado Makers Room, um espaço para Fazedores, onde os
colaboradores podem dar asas à imaginação. Está cheia de maquinaria e
protótipos e é ali que muitos funcionários passam os seus 20% - o tempo
que a Google concede aos empregados para dedicarem a projetos pessoais e
inovadores.
Todas as salas de reunião e
conferência neste piso têm nomes de filmes em que a cidade de São
Francisco aparece. Por exemplo, Godzilla, Hulk e Zodíaco. No sétimo
piso, onde está o Speakeasy, as salas têm nomes de super-heroínas. Ao pé
do elevador há um aviso: "A TGIT desta semana será nas salas Batgirl e
Supergirl." O que é a TGIT? Thank God it"s Thursday. Costumava ser Thank
God it"s Friday, o dia em que os fundadores da Google, Larry Page e
Sergey Brin, faziam uma sessão de brainstorming e perguntas e respostas
com os colaboradores. Mas por causa do fuso horário, em muitos países já
era sábado, então mudaram o encontro semanal - que os fundadores
mantêm, em Mountain View - para quinta-feira. Toda a gente participa por
videoconferência. Uma Google mexicana anui - todas as semanas, de forma
religiosa. É a forma que Brin e Page têm de manter o espírito de
startup que tornou a Google tão irreverente e diferente nos primeiros
anos.
Ainda que essa empresa tenha sido
há muito perdida, estar dentro de um escritório Google relembra-nos o
porquê do fascínio que exerce em Silicon Valley. Há um misticismo dentro
destas paredes que vai além dos benefícios materiais. A Google
compreende que o sítio onde as pessoas passam mais tempo, o escritório,
deve ser o mais excitante possível. Os extras não distraem as pessoas,
relaxam-nas. E, quando se faz aquilo de que se gosta, não parece tanto
um emprego como uma missão. Esta busca da felicidade dentro do
escritório é um exemplo a seguir - ainda que não se esqueçam os defeitos
de Silicon Valley.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
14/03/17
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