O Estado e seus
beneméritos infratores
Desde os tempos de Paulo Macedo que a Autoridade Tributária conquistou o respeito dos cidadãos pela eficácia do seu funcionamento, nomeadamente no combate à evasão fiscal e ao incumprimento das obrigações contributivas. Mas não só. Também pela capacidade de comunicação através das novas plataformas (via internet), pela simplificação de processos (declarações eletrónicas), pelo cruzamento de dados, pela rapidez na ação (e execução) contra os infratores.
Estranhamente, mas por ser politicamente incorreto, quase ninguém
reclama, critica ou condena os efeitos perversos, que os há e muitos, de
tamanha e globalmente virtuosa eficácia.
Porque até parece mal reclamar ou apontar defeitos à máquina que
garante a sobrevivência do Estado que temos, no estado em que estamos,
correndo-se o risco imediato de se ficar colado ao rótulo da defesa dos
incumpridores e dos incumprimentos, quando não de vilões e malfeitores
ou se não mesmo de criminosos defensores dos fugitivos à equitativa e
justa redistribuição da riqueza.
Para que conste, reitera-se em sublinhado o elogio do esforço que a
Autoridade Tributária tem feito em matéria de combate à fuga e à evasão
fiscais, independentemente das evidências do muito caminho ainda por
percorrer.
Olhando para o Relatório da Execução Orçamental de 2016, na rubrica
‘Taxas, multas e outras penalidades’, lá constam €2.838.700.000,00. Ou
seja, praticamente três mil milhões de euros ou, mutatis mutandis, quase
o equivalente ao famigerado défice.
Um bocadinho menos, é certo, do que em 2015, mas muitíssimo mais do
que há 10, 15 ou 20 anos e sobretudo muito provavelmente menos do que em
2017.
A Autoridade Tributária, para conseguir resultados e melhorar a
capacidade de cobrança efetiva de impostos, taxas, coimas e multas, não
olha a meios para atingir tais fins. Vai a eito. E se casos há em que
seguem avisos e notificações a metro para o mesmo contribuinte (como tem
vindo a público nos meios de comunicação social), basta o comparativo
com o comportamento da Segurança Social para verificar a diferença de
tratamento relativamente a incumprimentos ocasionais e por manifesta
insuficiência de liquidez, seja de particulares ou de empresas. Com
todos os riscos inerentes para uns e outros, seja na sobrevivência da
atividade seja na salvaguarda de postos de trabalho.
Sendo que o incumprimento ocasional e eventualmente justificado (por
razões de tesouraria), quando meramente moratório, pode ser devidamente
compensado pelos consequentes juros de mora e é material e
substancialmente diferente do incumprimento doloso.
Ora, não é justo o tratamento por igual, com penalizações frequentes e
demasiado pesadas, de situações tão diferentes e que não raro põem em
risco a solvência de particulares e/ou empresas, provocando-lhes danos
muitas vezes irreparáveis.
Igualmente injusto e, aqui, de verdadeira caça à multa é o que está a
passar-se nas estradas da capital e arredores e não só. E ninguém pia.
Haja senso com radares amovíveis e fixos e limites de velocidade sem justificação.
Atente-se apenas em alguns exemplos.
Nas autoestradas, a velocidade máxima permitida por lei é de 120
km/h. Desde o tempo em que os automóveis não tinham nem um centésimo das
condições de segurança que têm hoje nem o próprio piso ou o desenho da
via obedecia a regras tão estritas. Mas isso, para aqui, não importa.
Tão pouco importa que haja troços em que a sinalização vertical impõe
justificadamente velocidade inferior: seja pela existência de obras,
seja pelas condições atmosféricas adversas em algumas épocas do ano,
seja pela trajetória de maior perigosidade. Tudo motivos que
justificariam uma baixa do preço cobrado (por portagem) ao utilizador.
Mas que também não é tema para aqui chamado.
Importa, sim, os casos em que, vá lá saber-se por que razão ou
motivo, aparece de repente uma limitação de velocidade imediatamente
antecedida de um... radar.
Nas autoestradas em redor da capital há vários casos.
Miguel Esteves Cardoso, em memorável e humorístico texto publicado
nos idos 80 numa crónica do maior jornal português da época,
exemplificou com o sinal escondido entre o arvoredo de Monsanto na
descida para o viaduto Duarte Pacheco.
Décadas depois, eis-nos com exemplos tão ou mais flagrantes do que
esse. Uns kms antes, no sentido Cascais-Lisboa, numa zona onde a A5 tem
cinco vias descendentes, lá está um sinal de limitação da velocidade a
100 kms/h e... o caçador radar .
É claro que 100 kms/h em hora de ponta e com concentração de tráfego
na saída para a CRIL será até velocidade excessiva. Mas com a A5
desimpedida ou sem tráfego algum, desgraçado de quem não trava e se
descuida, mesmo que vá a caminho do aeroporto e com atraso. É que basta
ir a 130/h e lá segue a conta de 300 euros de multa, além de menos uns
quantos pontos a perigar a carta.
E exemplos como esse são vários, com radares fixos ou amovíveis, pela A1, A2, até à A23 ou mais. Imagina-se a faturação.
Não se fica, porém, por aqui, que a época da caça à multa já abriu há meses e não tem limites de coutada.
Outro dos exemplos sem sentido (na foto da esquerda) é o da Av. Marechal Gomes da Costa, mesmo em frente à sede da RTP.
Aí, três vias de cada lado da faixa de rodagem, com separador central
e atravessamento pedonal superior para os peões, sem ciclovias nem
coisa parecida, sem prédios nem casas residenciais nem entradas e saídas
de viaturas frequentes de lado algum, lá está mais um radar e a
limitação de velocidade a 50 km/h. Cinquenta! O desgraçado do condutor
que não carregue no pedal do travão inevitavelmente receberá em casa uns
quantos meses volvidos a notificação da Autoridade Tributária para
pagar 120 euros de coima mínima. E isto se não passar dos 80 km/h.
Circular a 50 km/h, ou a 70 ou a 80 naquele troço descendente ou
ascendente da Marechal Gomes da Costa é muito menos perigoso do que
andar a 50 km/h em muitas outras zonas da capital em que tal é
permitido, ou mesmo a 30 km/h em Campo de Ourique, Alfama ou Mouraria.
Só que essa, obviamente, não é nem tem de ser a preocupação da Autoridade Tributária. Ela, cobra a multa.
E vai cobrar mesmo muitas, com a época da caça à dita aberta o ano
todo e com tanto radar-caçador e tantas armadilhas espalhados por todo o
país.
IN "SOL"
28/01/17
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