HOJE NO
"EXPRESSO"
Esta gripe
é mais letal,
com ou sem frio
Vírus atual provoca sintomas severos e mata mais. Dezembro teve a maior mortalidade numa década e o ritmo não abrandou. Evitar espaços cheios é o melhor remédio
É da vida: todos os anos temos inverno e, como tal, faz frio e há
gripe. A diferença este ano é que o vírus gripal em circulação é mais
perigoso. Tem características genéticas que lhe permitem provocar
sintomas mais graves nas pessoas que infeta e, por isso, maior
capacidade de matar. Quem é jovem ou está bem de saúde consegue
fazer-lhe frente; quem tem uma saúde débil ou idade avançada pode não
resistir, mesmo tendo sido vacinado. O frio só é uma arma quando a
defesa não está preparada.
Os números mais recentes
disponibilizados pelas entidades nacionais e internacionais confirmam o
que os virologistas já sabiam: o subtipo A(H3N2) provoca gripes a sério.
Da última vez que esteve por cá, no inverno de 2014/15, fez daquele
janeiro o mais mortífero em dez anos. Regressou agora e com uma
intensidade ainda maior. O passado mês de dezembro é também já o que
mais mortes soma na década e logo na primeira semana de janeiro foram
ultrapassados os, até agora, recordes de 2015.
Não se sabe
quantas vítimas mortais estavam vacinadas contra a gripe, mas sabe-se
que neste inverno em que a mortalidade está muito elevada, também há uma
das mais expressivas imunizações da população contra o vírus. Portugal
comprou 1,2 milhões de doses e apenas 20 mil estão por administrar,
gratuitamente, nas unidades públicas de saúde. Na rede privada, as
farmácias adquiriram 100 mil unidades para venda.
A explicação para muitas mortes, apesar da vacinação elevada, pode
estar no facto de os óbitos serem sobretudo por outros problemas —
pneumonia, por exemplo, ou por uma alteração detetada no agente
infeccioso. Os peritos da Organização Mundial da Saúde e do Centro
Europeu para a Prevenção e Controlo das Doenças afirmam que o vírus
sofreu uma mutação. “Cerca de dois terços do A(H3N2) caracterizados
pertencem a uma nova subclasse genética”, lê-se na última nota
informativa.
O novo subgrupo é confirmado pela responsável pelo
Laboratório Nacional de Referência para o Vírus da Gripe e Outros Vírus
Respiratórios do Instituto Ricardo Jorge (INSA), Raquel Guiomar.
“Identificámos mutações que lhe conferem algumas diferenças mas ainda
semelhante à estirpe vacinal”, explica a virologista. Os cientistas
também sabem que o A(H3N2), por ser forte, resiste mais às vacinas — que
no geral das gripes são mais eficazes a evitar que os sintomas se
compliquem do que a impedir que se fique doente.
E a temperatura
parece que ‘nem aqueceu nem arrefeceu’ o ataque do vírus. Os dois
períodos com o maior número de mortos até agora, dezembro —
especialmente nos últimos dias — e a primeira semana do ano, foram
precisamente os mesmos em que as temperaturas variaram para baixo e para
cima, respetivamente, perante o esperado. “De acordo com o Instituto
Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), no mês de dezembro o valor médio
da temperatura mínima do ar foi de 5,55o C, correspondendo a uma
anomalia de -0,5o C relativamente ao normal” e em janeiro, “na semana 1
de 2017, foi de 5,4o C, valor superior ao normal para o mês de janeiro”,
é referido no mais recente boletim de vigilância da gripe do INSA.
Os
números internacionais mostram que mesmo em países com temperaturas
muito reduzidas não se morreu mais por isso. Aliás, Portugal tem valores
mais expressivos sobre o número de mortes e tempo mais ameno
comparativamente com o resto da Europa. França e Itália são outros dos
exemplos próximos da realidade lusitana. Também em todos estes países a
atividade gripal tem sido moderada. Só a Finlândia teve já uma
circulação intensa do vírus, ainda assim sem uma expressão na
mortalidade semelhante à registada no Sul, por exemplo. Segundo os
especialistas, o problema não está na temperatura, mas na resposta. E
Portugal não acerta.
“O frio permite que o vírus sobreviva mais tempo no ambiente (na
maçaneta de uma porta, num interruptor ou dentro do elevador) e o tempo
seco favorece a dispersão das partículas virais”, explica a virologista
Raquel Guiomar. Mas o que mata é a fragilidade do hospedeiro, seja pela
idade avançada, pelas doenças que tem ou pela incapacidade em manter-se
adequadamente quente.
“Em Portugal temos muitos doentes com
muitas doenças em simultâneo e, por isso, a mortalidade é maior do que
entre os nórdicos, que vivem melhor; por exemplo, não têm casas
húmidas”, salienta Venceslau Hespanhol, presidente da Sociedade
Portuguesa de Pneumologia. O especialista não tem dúvidas de que “o que
faz viver muito e melhor não é a medicina, é o bem-estar geral e os
idosos de agora são as pessoas que viveram em épocas muito duras e que
hoje têm múltiplas doenças; temos taxas elevadas em tudo”.
Presidente
do Colégio de Medicina Interna da Ordem dos Médicos, Armando de
Carvalho, dá outro exemplo do que mudou e faz aumentar a mortalidade.
“Antigamente a infeção viral tratava-se em casa com uma boa hidratação e
antipiréticos e hoje as pessoas estão muito envelhecidas e debilitadas e
precisam de internamento.” E descreve a realidade nos hospitais de
Coimbra, onde trabalha: “Nos últimos 20 anos, a média de idade dos
doentes aumentou 10 a 15 anos, para mais de 75 anos. Este inverno é
semelhante ao de há dois anos, com muitos internamentos, sobretudo por
pneumonias. Temos 138 camas e há poucos dias tínhamos mais de 40 doentes
em camas fora do serviço, quando no ano passado tivemos apenas 20.”
A
literacia em Saúde também faz a diferença: “É fundamental porque
permite que as pessoas saibam o que lhes faz bem ou mal e em Portugal
não existe”, garante Venceslau Hespanhol. A gripe está aí e o ideal é
que se mantenha afastada.
Os especialistas do INSA ainda não
sabem se o pico da epidemia já passou, mas a atividade do vírus tem sido
constante e poderá estar para ficar ainda mais algumas semanas. Assim
sendo, e sobretudo quem não se vacinou, deve minimizar-se o risco de
contágio, evitando “o contacto com pessoas doentes, golpes de
temperatura, ter uma alimentação adequada — e a vitamina C não diminui o
risco de ter gripe —, seguir a regra das crianças de ficar em casa
quando há febre e não acorrer à Urgência por qualquer motivo, porque é
ali que há mais vírus em circulação”, aconselha Armando de Carvalho.
A
gripe é mais forte este ano, mas não está sozinha. Vários outros vírus
respiratórios estão no ambiente e têm sido eles os culpados em diversas
situações. “Os muitos casos de tosse que demora a passar” são um
exemplo. O médico Venceslau Hespanhol explica ainda como se distinguem
estas infeções respiratórias de um verdadeiro episódio gripal: “A gripe é
aquela doença que temos e de que daí a cinco anos ainda nos lembramos”.
* Neste blogue alertamos desde Outubro passado para os efeitos perigosos e mortais deste surto de gripe, cumprimos o nosso dever, vai haver muita gente a chorar sobre leite derramado.
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