23/12/2016

EVA GASPAR

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Portugal faz torcer narizes, 
mas não tira o sono a Berlim

Nos próximos meses, muita coisa pode correr mal para a coesão da UE e do euro. Além da incerteza política reinstalada em Itália, há eleições em países centrais, caso da Alemanha. Visto de Berlim, Portugal parece ser a menor das dores de cabeça.

Brexit, Trump, presidenciais austríacas, reforma política chumbada em Itália. Com maior ou menor fundamento, os resultados das mais recentes chamadas  às urnas têm sido interpretados como um voto sobre a (des)confiança e o desejo de (des)continuidade do projecto europeu. À medida que as páginas do calendário de 2017 forem folheadas, mais "referendos" à União Europeia (UE) irão genuinamente ocorrer. 

Além da incerteza política agora reinstalada em Itália, há eleições marcadas em três outros países fundadores – Holanda (Março), França (Maio) e Alemanha (Setembro) – e todas elas prometerem ficar marcadas por resultados inéditos ou vitórias  inapeláveis de forças políticas que querem seguir o caminho britânico do "Exit". A menos de um ano das eleições nas quais Angela Merkel tentará igualar o recorde de longevidade de Helmut Kohl, o Negócios esteve em Berlim, capital do país por onde há muito passa, e cada vez mais, o essencial da política europeia. Visto por olhos lusos, a primeira constatação é que Portugal não existe: só se fala do país se os jornalistas indagarem. A solução de Governo e a situação económica e financeira ainda fazem torcer alguns  narizes, mas Portugal não tirará hoje o sono  a nenhum alto funcionário ou governante alemão.

Uma nova crise da dívida na Zona Euro não é uma hipótese posta de parte, e, nesse cenário, Atenas e Lisboa continuam a ser vistos como os elos mais frágeis. Mas no Ministério alemão das Finanças, por exemplo, considera-se que Portugal tem uma "história positiva para contar". É verdade que a dívida pública continua a subir, que as perdas da banca parecem não ter fundo, mas "o fundamental" – respondem-nos – passa por o governo apresentar no fim deste ano um défice orçamental inferior ao limite de 3% do PIB e garantir que esse limite máximo não será ultrapassado nos anos vindouros. "Se os dados fundamentais [da economia] forem positivos e se perspectivar uma descida do rácio da dívida, podemos facilmente recomendar a quem nos procura que financie um pequeno país do euro", diz-nos um alto funcionário acostumado a receber gestores de fundos. 
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Foi esse percurso "positivo" que levou o ministro Wolfgang Schäuble a mostrar-se contra a possibilidade de Portugal, a par de Espanha, ser sancionado com multas por não ter cumprido as metas orçamentais nos últimos três anos. Já quanto aos fundos estruturais, a conversa é outra: Berlim acha que a Comissão Europeia pisou feio no risco, ao pura e simplesmente ignorar os regulamentos comunitários quando decidiu pela não-suspensão.

Mas essas são contas que a Alemanha tenciona acertar a partir de Março. Quando a Comissão puser à discussão o "livro branco" sobre a reforma da governação económica, Berlim defenderá uma condicionalidade "sistemática" entre os financiamentos da Política de Coesão (que absorve hoje 40% do Orçamento comunitário)  e o cumprimento não só das metas orçamentais como das inscritas nos programas nacionais de reforma das economias.

No imediato, porém, o que mais preocupa Berlim é Itália, desde logo devido à fragilidade da banca num país hiper-endividado, que cresce há décadas  em torno do zero. Preocupa também a Grécia, porque, tal como Itália, é hoje uma das principais portas de entrada de imigrantes e de refugiados que querem chegar e viver na Alemanha. E porque sobre a mesa está uma renegociação das condições de pagamento da dívida que pode significar uma poupança de 50 mil milhões de euros para Atenas - e perdas equivalentes para quem lhe emprestou. "Isto é um quarto resgate", avisa-se. E resgates têm de ser aprovados pelo parlamento. Da última vez que Merkel pediu autorização aos eleitos pelo alemães para emprestar à Grécia mais de uma centena de deputados votou contra – metade eram do seu partido, a CDU, e, sobretudo, da CSU, os conservadores da Baviera. "Também temos populistas aqui, não é só em Atenas", alerta-se.

Desde esse Verão de 2015, o AfD – partido agora liderado  por  Frauke Petry, que não quer mais financiar resgates, nem receber refugiados e que acena com a possibilidade de fazer um referendo para tirar a Alemanha da UE – conseguiu eleger deputados em todas as eleições estaduais, sendo provável que, em Setembro de 2017, entre pela primeira vez no Bundestag com uma votação superior a 10%. Resultado? "Vai derrubar o sistema tradicional de formação de governos, ao impedir a CDU de fazer coligações à direita e pode tornar aritmeticamente insuficiente uma reedição da actual grande coligação CDU-SPD", prevê o analista político Frank Burgdörfer. 

A maior dor de cabeça em Berlim tem também nome de mulher mas diz-se em francês. "Se Marine vencer em França e tirar a França da UE, acabou UE e acaba uma das ‘raison d’Etat’ da Alemanha. Entraremos num novo paradigma", antecipa Eckart D. Stratenschulte. Para o director da Academia Europeia de Berlim, "2017 será o ano de todos os perigos".

* Em Berlim, a convite da Academia Europeia de Berlim

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
06/12/16

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