16/12/2016

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HOJE 
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"

"É o fim de uma era", 
diz o ator Nuno Lopes

Os atores Nuno Lopes e Rita Durão falam do Teatro da Cornucópia como a sua casa.

Uma tristeza enorme. É isto que o ator Nuno Lopes sente no dia em que se confirma que o Teatro da Cornucópia vai terminar a sua atividade. "É uma pena que a companhia não consiga continuar", diz, "para mim é o fim de uma era. Com o dinheiro que existe neste momento para a cultura já não há condições para continuar a fazer este tipo de espetáculo, um teatro de repertório, atual e com qualidade. Só os Artistas Unidos é que ainda tentam fazê-lo. Mais ninguém."
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Foi com a Cornucópia que Nuno Lopes se estreou em 1997, como Gustiuz Gonçalves de Os Sete Infantes. Tinha 19 anos. "Foi ali que me formei como ator e como homem. Com a Cornucópia aprendi uma ética e uma maneira de estar na profissão que me tem guiado até hoje." Nuno Lopes, que entretanto se tornou conhecido também pela sua presença na televisão (por exemplo em Os Contemporâneos) e no cinema (está a dar que falar nos festivais, neste momento, o filme São Jorge, de Marco Martins, com estreia prevista nos ecrãs nacionais em março), foi um dos atores que nestes últimos vinte anos marcou presença regular no palco do Teatro do Bairro Alto, em Lisboa. "Para mim, é como se fosse uma família. E é também o ponto de referência do que deve ser um grupo de teatro. Ali se formaram muitos atores e muitos espectadores."

No entanto, Nuno Lopes afirma que tem "muito orgulho por eles acabarem assim, nos seus moldes, no momento em que acham que devem fazê-lo, para não terem de mudar para um tipo de representação que não é seu".

O ator vai estar amanhã, certamente, na última sessão do Teatro da Cornucópia. E provavelmente vai lá encontrar Rita Durão, uma das atrizes que também pertence à geração de 90 da companhia. "A primeira vez que lá trabalhei ainda estava na escola, fui com o grupo 4º Período - o do Prazer fazer uma peça do Edward Bond." Voltou depois para O Triunfo do Inferno, de Gil Vicente (1994) e muitas outras vezes. "Foi a partir dali que começaram a acontecer muitas outras coisas e que eu comecei a perceber que este poderia ser um caminho", lembra.

"Foi um sítio onde cresci como atriz e como pessoa", diz Rita Durão, fazendo das palavras de Nuno Lopes. "As coisas estão misturadas, o trabalho e esta proximidade de quase família." "Para mim aquele espaço é uma casa. E mesmo que acabe vai continuar a ser uma casa minha", diz a atriz, sublinhando "o percurso tão sério que este grupo de pessoas fez": "Cada vez dou mais valor à maneira como conseguiram marcar presença acreditando naquilo que fazerem, sem se deixarem influenciar pelas pressões exteriores ou pelas modas. Mantiveram a coerência."

Rita Durão recorda que na Cornucópia cada projeto começava sempre com "uma vontade de franca de fazer um espetáculo". "Isso era o mais importante", diz. Nada era feito com leviandade. Querer fazer algo de que se gosta e como se acredita que deve ser feito, "e admitindo que só conseguimos fazer assim". "É uma posição face ao mundo que admiro imenso", conclui.

"Qualquer dia isso vai acontecer-nos
 a todos nós, os mais velhos: 
vamos ficar cansados"

João Mota, o diretor da Comuna - Teatro de Pesquisa, diz que compreende o cansaço de Luís Miguel Cintra e da Cornucópia na luta por um teatro sem cedências.

João Mota, o encenador e diretor da Comuna - Teatro de Pesquisa, não esconde que este é "um momento de tristeza, de dor mesmo". Além da amizade que o liga a Luís Miguel Cintra e a Cristina Reis, os dois diretores do Teatro da Cornucópia, João Mota elogia "os fazedores de um teatro de qualidade, feito com critério e rigor", que considera "o facho, o fogo de Prometeu", que liderou o teatro português nos últimos mais de 40 anos.

"A primeira vez que os vi ainda não eram Cornucópia, foi num intermezzo ainda na Faculdade de Letras, e desde então ficámos com uma ligação que é muito maior do que a profissão. Lutámos juntos contra o fascismo, e lutámos juntos depois do 25 de abril", lembra João Mota.

"Eu percebo que a dada altura nós estamos cansados. São muitos disto, nós já não estamos novos, e as dificuldades são muitas. Não há tempo, não há dinheiro. Qualquer dia isso vai acontecer a todos nós, os mais velhos", antecipa o diretor da Comuna.

"Eles nunca cederam. Fizeram sempre o seu teatro sem cedências e com grande qualidade." A esperança, diz João Mota, fica agora depositada nos muitos atores que passaram pela Cornucópia e que "poderão agora continuar essa luz, para que não se perca."

"É uma tragédia saber que os nossos filhos não 
poderão ver um espetáculo da Cornucópia"

O diretor do Teatro Nacional D. Maria II, Tiago Rodrigues, não poupa elogios a uma das companhias fundamentais da história do teatro português.

É um "momento acre" este em que assistimos ao final da atividade de "uma das companhias fundamentais não só dos últimos 43 anos mas do teatro português", afirma Tiago Rodrigues, diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II, reagindo assim ao anunciado encerramento do Teatro da Cornucópia.

O ator e encenador sublinha "a dignidade e a serenidade a que nos habituou" esta companhia, não só no seu trabalho artístico mas até na forma como decidiu terminar a atividade quando percebeu que não tinha condições para continuar a funcionar como até aqui. Entre as características principais do Teatro da Cornucópia, Tiago Rodrigues sublinha a forma como sempre trabalhou o texto e o seu papel fundamental na formação de novos atores.

Isso mesmo percebeu quando, muito novo, frequentava o 1º ano do Conservatório, Tiago Rodrigues viu no Teatro do Bairro Alto o espetáculo Os Sete Infantes (1997). "Foi um espetáculo que me maravilhou pela riqueza com que era tratado um texto dramaturgia popular. Essa foi uma lição muito importante para mim", recorda. "Mas também porque naquele palco estavam muitos colegas meus do Conservatório, e esse é um aspeto fundamental da Cornucópia, o de formar atores. Por ali passaram atores como Márcia Breia, Glícina Quartim e no início Jorge Silva Melo, não o podemos esquecer, mas também foi ali que começaram muitos jovens que se tornaram grandes atores." E conclui, com uma nota de esperança: "De alguma forma o trabalho da Cornucópia vai continuar através deles...".
Outro espetáculo que o diretor do Nacional recorda com satisfação é Anatomia de Tito, de Heiner Müller (2003). "Era absolutamente admirável. Naquela arrogância da juventude, uma pessoa podia pensar que as companhias mais antigas eram mais conservadoras mas o que vi ali foi uma explosão de transgressão e um pensamento muito atual sobre o teatro."

Luís Miguel Cintra é, segundo Tiago Rodrigues, "uma das figuras mais importantes do teatro português do século XX", assim como a cenógrafa Cristina Reis, que co-dirigia a companhia, sublinha.

"Independentemente dos motivos que possam levar a esta tomada de posição, o fim de uma companhia de teatro é sempre uma má notícia. Quando um escritor ou um músico ou um realizador terminam a sua carreira nós temos pena mas podemos continuar a usufruir do seu trabalho. Na atividade teatral isso não acontece. E é uma tragédia saber que os nossos filhos, os nosso netos, muitos portugueses não vão poder ver um espetáculo da Cornucópia."

* O Teatro da Cornucópia constituiu sempre um enorme embaraço para o poder, fosse ele qual fosse, como sempre o poder ganhou.

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