A revolução dos “deplorables”
e a derrota histórica
do “establishment” boquiaberto
Um verdadeiro terramoto entre o movimento progressista
norte-americano. Perdem a Presidência, não ganham a Câmara, falham a
conquista do Senado.
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Donald Trump ganhou, Hillary Clinton perdeu (e portou-se mal ao
não aceitar publicamente a derrota no final da noite). Um verdadeiro
terramoto entre o movimento progressista norte-americano. Perdem a
Presidência, não ganham a Câmara, falham a conquista do Senado e ficam
inevitavelmente enterrados os planos para controlar o Supremo Tribunal
(será agora uma escolha do Presidente Trump). Uma vitória de Trump e dos
republicanos que apostaram no discurso populista contra Washington DC.
Todos os poderes executivo, legislativo e judicial são agora dos
republicanos. Mas não foi uma vitória da direita contra a esquerda, mas
da mudança contra a continuidade. Há uma vaga de repúdio contra as
instituições políticas que o establishment simplesmente não percebeu.
Mas há muitos derrotados. O establishment, claro está, que
tudo fez para eleger Hillary Clinton. O Presidente Obama que, rompendo
com a convenção de muitas décadas, decidiu meter-se a fundo na campanha
(como vai agora engolir o que disse e trabalhar numa transição
tranquila, veremos). Michelle Obama que, apesar de toda a simpatia e
projeção mediática, simplesmente falhou na mobilização do eleitorado
afro-americano. A comunicação social progressista que levou a candidata
ao colo e patrocinou sistematicamente os ataques moralistas a Trump
(aliás, inventaram os Republicans for Clinton, que evidentemente não existem eleitoralmente, mas esqueceram-se dos Trump Democrats
que, sim, existem e muitos deles são latinos e mulheres), nomeadamente o
NYT, a CNBC e a CNN. Todo o universo das sondagens e especialistas da
estatística eleitoral que não perceberam o que estava a acontecer; o
terramoto do mapa eleitoral passou-lhes ao lado. Os artistas e os
intelectuais que prejudicaram a candidata com a arrogância do discurso
dos americanos bons (minorias, mulheres, brancos com estudos) e dos
americanos maus (brancos sem estudos). E o movimento feminista que
evidentemente não soube compreender o voto feminino (“inesperadamente”,
muito dele foi para Trump).
Dito isto, tudo se complica. Primeiro, os republicanos continuam
divididos. Não adivinhamos como vai ser a liderança de Trump. Mas, sim,
sabemos que o partido continua dividido de forma tensa entre a christian right e os fiscal conservatives (a ala esquerda do partido, os chamados Rockfeller Republicans,
morreram há muito tempo). Segundo, as lideranças republicanas no
Congresso não são propriamente próximas do novo Presidente. Veremos
também onde serão recrutados os membros da nova administração.
Provavelmente fora do Senado. Talvez de natureza mais tecnocrata. Mas é
uma incógnita. Terceiro, há uma enorme expectativa sobre os primeiros
passos da administração Trump. E o que vai fazer em relação ao FBI
também adquire particular relevância agora (irá patrocinar uma
investigação judicial ao casal Clinton?).
Do outro lado está a derrota mais pesada dos democratas desde 1979,
talvez mais dura ainda por ser totalmente inesperada. A guerra civil dos
republicanos fica adiada (o bálsamo do poder), mas o realinhamento dos
democratas é agora inevitável. Haverá quem defenda uma colaboração com a
nova administração, mas a ala mais socialista (e mais populista) terá
agora um papel reforçado (Sanders e Warren afinal sempre tinham alguma
razão). Assistiremos provavelmente a um período longo de profunda crise
dentro do partido. A corrupção da Fundação Clinton, que foi empurrada
para debaixo do tapete, será agora matéria de contencioso entre os
democratas. Não deixa de ser curioso que Obama sai da Casa Branca com
altas taxas de popularidade (estarão bem avaliadas?), mas com o seu
partido destruído eleitoralmente e um novo Presidente que promete
desfazer totalmente a sua legacy. A revolução dos deplorables chegou.
* Professor na Texas A&M University
IN "OBSERVADOR"
09/11/16
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