Para quando a
Ryanair no desporto?
O modelo de negócio das companhias aéreas ‘low cost’ vai provocar uma enorme tempestade no mundo do marketing desportivo.
Podemos hoje constatar que existe uma fórmula de sucesso das
companhias aéreas de baixo custo. Em grande medida, esta fórmula
consiste em transformar os custos em receitas, uma estratégia que
redefiniu as rotas europeias e baixou o preço dos voos para um conjunto
de destinos que abrangem os principais países europeus.
Num meio bastante competitivo, as companhias ‘low cost’ vieram
alterar, com enorme significado, as regras do jogo: abriram as viagens
aéreas a um conjunto de pessoas que não utilizavam o avião nas suas
deslocações e alteraram profundamente a experiência de consumo associada
a uma viagem de avião. Os casos de sucesso são inúmeros, mas o mais
marcante é o de uma companhia de aviação de um pequeno país chamado
Irlanda – a Ryanair é atualmente uma das maiores companhias de aviação
do mundo.
Mas o que tem tudo isto a ver com o desporto? Até agora nada, mas
estou plenamente convencido que este modelo de negócio provocará uma
enorme tempestade no mundo do marketing desportivo.
Pensem nos estádios e
pavilhões como se fossem os aviões da Ryanair. Tanto faz qual é a
modalidade, o clube ou a dimensão do recinto desportivo. Para que se
entenda, não estamos aqui a falar daquele tipo de ações que alguns
clubes habitualmente fazem de abertura de portas dos estádios (entradas
gratuitas) que, além de não trazerem muito mais gente aos estádios, têm
ainda o efeito perverso de desvalorizar o espetáculo desportivo. Tão mau
que nem custa um tostão.
Comecemos por analisar um clube de meio da tabela da Liga NOS
instalado numa cidade média com 160 mil habitantes. Pensemos ainda que
esse clube dispõe de um estádio com 15 mil lugares disponíveis.
Normalmente, neste cenário, os clubes costumam ter entre dois a cinco
mil espectadores de média em cada jogo, sendo estas claramente
inflacionadas pelos jogos que envolvem os três grandes. Que tal uma
estratégia ‘low cost’ que visa obter 15 mil espectadores por jogo (cerca
de 9 por cento da população local)? Se o conseguir, no final da época,
terá atingido um total de 240 mil espectadores acumulados. A três euros
cada bilhete, este clube faturaria de bilheteira durante uma época cerca
de 720 mil euros. Nada mau.
Mas agora vou vender bilhetes a três euros quando há pessoas
dispostas a pagar 5, 10, 15, 20 ou 25 euros por um bilhete? Pensemos de
novo na Ryanair: o segredo é vender os bilhetes o mais cedo possível e
sem intermediários. Adicionalmente é também importante entender a quem
se vai vender estes bilhetes e de que forma. Assim, continua a ser
possível trabalhar outros segmentos, nomeadamente os empresariais, que
buscam outro tipo de benefícios com a colaboração com um clube. Tudo é
compatível.
Se o leitor pensou que esta sofisticada ideia passa apenas pelos
clubes venderem bilhetes baratos está muito enganado. Há mais. Com
estádios cheios podemos aumentar receitas de restauração e de
patrocínio. Por outro lado, se conseguirmos encher um estádio com 15 mil
pessoas de 15 em 15 dias, há vários outros aspetos que podem ser
aproveitados. Em primeiro lugar, a excitação sobe. Ninguém gosta de ir a
discotecas vazias, desconfia de restaurantes sem ninguém ou assiste a
festivais de verão “às moscas”. Nada como uma plateia empolgada para
melhorar significativamente uma experiência de consumo. Multidão atrai
multidão, basta convencer pessoas que acham que não gostam de futebol a
ir ver futebol. Até os jogadores se sentirão mais motivados.
IN "OJE/JORNAL ECONÓMICO"
29/10/16
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