31/10/2016

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HOJE NO
"JORNAL DE NEGÓCIOS"

Dos queijos da ilha aos lençóis, para 
que serve o acordo com o Canadá?

A eliminação de direitos aduaneiros e de barreiras regulatórias são os efeitos mais evidentes do Acordo Económico e Comercial Global (CETA) assinado este domingo, 30 de Outubro, entre a União Europeia (UE) e o Canadá. No entanto, além dos benefícios para as empresas, este entendimento é encarado pelos especialistas ouvidos pelo Negócios como uma forma de Bruxelas marcar terreno e equilibrar os pratos da balança nas negociações em curso com os Estados Unidos.
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A directora de relações internacionais da BusinessEurope, a confederação do patronato europeu, começa por destacar a liberalização do comércio e a supressão quase a 100% dos direitos aduaneiros entre a UE e o Canadá. Luísa Santos dá o exemplo dos produtos do têxtil-lar, como as roupas de cama, em que os direitos ascendem a 17%, mas que abrangem outras indústrias exportadoras, como o calçado (18%), o mobiliário (10%) ou a cerâmica (8%), assim como produtos agrícolas transformados, como os preparados de fruta ou os legumes. Valores que colocavam os produtos portugueses também em desvantagem face a competidores de outros países, como o México.

O acordo, que começou a ser negociado há sete anos, esteve bloqueado quase até ao limite pela região belga da Valónia, que contestava, entre outros aspectos, o impacto do aumento da importação de produtos de suíno e bovino. Luísa Santos relativiza, porém, sublinhando que "a abertura do mercado canadiano a produtos em que Portugal é competitivo, como queijos, azeites ou vinhos, vai compensar a eventual concorrência acrescida noutras áreas agrícolas". E, no campo da propriedade intelectual, sublinha o reconhecimento dado por Ottawa a uma lista de 143 produtos abrangidos pelo sistema de Indicações Geográficas (IG), que pode ser actualizada e que já inclui o vinho do Porto ou o Queijo São Jorge, fabricado com leite de vaca cru naquela ilha dos Açores.

Apesar de a comunidade luso-canadiana ascender a 450 mil pessoas, os fluxos económicos entre os dois países são "pouco expressivos", com o Canadá a representar apenas 0,7% das exportações nacionais em 2015. O sublinhado é da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP), para quem as vantagens deste acordo vão além dos produtos agro-alimentares e industriais, chegando igualmente a outros "sectores com elevado potencial", como energias renováveis, biotecnologia, farmacêutico (genéricos), automóvel e tecnologias de informação.

Em resposta ao Negócios, a entidade que conta com Paulo Portas na vice-presidência frisou que "a cooperação regulamentar e de simplificação de procedimentos alfandegários (…) levará à diminuição de custos para as empresas" e focou noutro resultado "particularmente importante" para as empresas portuguesas em matéria de investimento. É que o acordo agora rubricado "assegura equidade relativamente a outros Estados-Membros, uma vez que Portugal não tem qualquer acordo de protecção de investimento com o Canadá".

A CCIP e a BusinessEurope convergem no realce ao dossiê dos mercados públicos. Luísa Santos descreve os "imensos problemas [das empresas comunitárias] em poder concorrer nas compras públicas no Canadá", sobretudo devido à autonomia governativa concedida às várias províncias. A gestora portuguesa, que integra também o grupo de conselheiros para o Acordo de Parceria Transatlântica (TTIP), acrescenta que isto é algo que está a ser tentado com os EUA mas que é "muito difícil" por haver mesmo legislação que protege as empresas americanas.

"Com este acordo com o Canadá, os governos das províncias assumiram o compromisso a abrir os seus próprios mercados. Era algo que parecia muito difícil – que também os níveis sub-federais se comprometessem com um acordo internacional. A ideia é que não haja discriminação, que as empresas europeias sejam tratadas da mesma forma [que as locais] e que haja também maior transparência e acesso a informação", resume a directora do organismo que representa os empregadores europeus, em declarações a partir de Bruxelas.

Afinal, quem ganha mais?
As autoridades europeias estimam que, em termos globais, o acordo selado com um aperto de mão entre Jean-Claude Juncker, Donald Tusk e o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau – que deverá ser validado pelo Parlamento Europeu em Janeiro de 2017 – possa aumentar a trocas comerciais bilaterais em 20%, com ganhos anuais de 12 mil milhões de euros para as economias do bloco europeu e um impacto positivo de 8,26 mil milhões para a canadiana.

Segundo dados da Comissão Europeia, em 2015 o Canadá vendeu cerca de 28 mil milhões de euros em produtos para a UE, enquanto os 28 Estados-membros exportaram mais de 35 mil milhões de euros nessa categoria, com um saldo comercial favorável de sete mil milhões de euros. Para Helena Guimarães, quando tudo colocado nos pratos da balança, "a importância económica deste acordo é maior para o Canadá", que garante um acesso mais facilitado a mais de 500 milhões de consumidores e àquele que é o segundo maior mercado, enquanto o Canadá é apenas o 12.º maior parceiro comercial para os países da EU.

Também na perspectiva do Investimento Directo Estrangeiro (IDE), esta professora da Universidade do Minho, cuja principal área de investigação é a economia política do mercado único, recorda que o investimento canadiano no Velho Continente é "muito maior do que o europeu no Canadá". Com "posições relativas tão diferentes", conclui que "pode haver acréscimos, mas não [lhe] parece que cheguem para aproximar [estes valores]".

Trocar as voltas aos EUA
Do ponto de vista político, porém, a autora do livro "Economia Política do Comércio Internacional" considera que este acordo é relevante para a UE por "servir de modelo" para as negociações enguiçadas com os Estados Unidos, dando "de alguma maneira uma ideia de até onde pode e quer ir na negociação do TTIP, que está mais atrasado e em que a negociação é mais complicada". Sobretudo no que toca à eliminação das barreiras regulatórias, que passam obrigatoriamente por alguma harmonização entre as duas partes.

"Este acordo pode ser importante não tanto pelo acesso aos mercados ou investimento, mas porque marca a posição da UE e marca alguns pontos na capacidade de ser ‘rule maker’ – ou seja, veicular as suas posições nas questões regulatórias que têm sido muito sensíveis [nas discussões com os EUA] – e não ‘rule taker’. Este tem sido o seu grande problema nas negociações do TTIP. Esta negociação vai agora condicionar a acção da UE, espera-se que positivamente", explica Helena Guimarães.

Também na perspectiva da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, o fecho deste acordo é "uma matéria de relevância estratégica para Portugal, já que outros acordos em negociação ou cuja negociação agora se inicia – respectivamente TTIP e Mercosul – são de importância fundamental para as empresas portuguesas".

Uma "nova geração" de acordos
Por ir "bem mais além do que a mera redução dos direitos aduaneiros e das tarifas" e envolver uma harmonização regulatória e até as controversas matérias de investimento – inclui um mecanismo de resolução de conflitos entre as duas partes que permite a uma multinacional processar um Estado que adopte uma política pública contrária aos seus interesses –, a especialista atesta que este entendimento com o Canadá, muito pela abrangência que acaba por ter, "faz parte de uma nova geração de acordos de integração comercial e até económica, em termos mais gerais".

E já está e vai continuar a assumir uma outra dimensão de economia política, com alguns países europeus a quererem usar o CETA como "moeda de troca" para obterem vantagens noutros domínios. Por exemplo, a Roménia e a Bulgária já sinalizaram que só ratificam o acordo nos seus Parlamentos se o Canadá eliminar a necessidade de vistos para os cidadãos destes países que pretendam visitar aquele país do continente americano.

A professora de economia política internacional, integração europeia e economia política do comércio internacional salienta ainda que este acordo pode trazer "vantagens estratégicas" de "first mover" para a UE nas negociações dos chamados acordos mega-regionais, que estão a aparecer como opção aos entendimentos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Isto porque, conclui Helena Guimarães, as negociações nesse quadro "estão tão paralisadas e arrastam-se desde o início do ciclo de Doha em 2001" que "os países estão a encontrar formas alternativas de negociarem os acordos comerciais - e estas são agora as dinâmicas preponderantes".

* Mantemo-nos cépticos, esperar para ver.

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