Kutuzof e o Engenheiro
Ninguém me diga mal do Engenheiro,
avisou-me por telefone o meu filho Francisco, ele é o nosso Kutuzof.
Lembram-se, com certeza, pelo menos os que leram “Guerra e Paz” ou viram
uma das várias versões do filme. Foi o grande chefe militar russo que
derrotou as tropas napoleónicas. Como o Engenheiro Fernando Santos,
também ele irritava os generais, jornalistas e teóricos da guerra.Todos
queriam atacar. Ele dizia. “Deixem-nos entrar”. E só contra atacou no
momento propício e decisivo.
Eu também por vezes me irritei com as
escolhas e o sistema de jogo do Engenheiro. Mas tenho de lhe agradecer.
Ele fez da selecção uma equipa e uma família. E acabou por criar um
momento único de comunhão entre os portugueses, a que o PR soube dar uma
expressão adequada: contra o árbitro, contra tudo e contra todos.
O Engenheiro sabia que o nosso combate era desigual e que, na UEFA, tal
como na actual União Europeia, as regras não são iguais para todos.
Sabia que na nossa amada e doce França, os campeonatos de futebol por
ela organizados são, em princípio, para a sua selecção ganhar. Talvez
não contasse com a tentativa de liquidação de Ronaldo por Payet a quem a
UEFA atribuiu o prémio de melhor jogador do Europeu. Mas o espírito
guerreiro ou guerrilheiro estava criado. Nani soltou um grito de revolta
e mobilizou os companheiros. E Ronaldo, lesionado, com lágrimas nos
olhos e fora das quatro linhas, teve uma das mais extraordinárias
actuações da sua vida.
Talvez por intuição poética, eu dizia para a
minha mulher: Ele tem que meter o Eder. Creio que o Engenheiro me ouviu.
Eder entrou, marcou e eu, como milhões de portugueses que teimam em ser
patriotas, não me contive e chorei.
Tenho, como o Engenheiro, a
convicção de que as nações não se dissolvem. Aliás, este Europeu
mostrou uma vez mais que a riqueza da Europa está na diversidade das
identidades culturais das suas nações.
As várias tribos encheram os
estádios com as suas bandeiras e os seus símbolos, a Europa não se fará
nunca contra as suas nações, por muito que isso custe aos eurocratas e
aos políticos que não sabem História.
Kutuzof acreditava na santa
Rússia. De Gaulle, quando Churchill lhe perguntou o que é que ele
representava, respondeu: A França. Se fizerem essa pergunta ao
Engenheiro, ele responderá: Portugal. Foi isso que os jogadores e todos
nós sentimos. Aquela selecção bateu-se por Portugal e por todos nós. É
esse o grande segredo do Engenheiro. E ao ganhar contra tudo e contra
todos, a nossa selecção venceu também por outra Europa, uma Europa de
iguais, sem ameaças nem sanções.
IN "UMA OUTRA MEMÓRIA"
11/07/16
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