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17/06/16
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A geringonça 2.0
Nos 100 dias que conta na Presidência da
República, Marcelo Rebelo de Sousa fez uma revolução. Dessacralizou o
cargo, tornou o centro um lugar nómada, visitou alguns palcos
internacionais e transformou-se num actante fundamental para a
estabilidade do Governo português. Com Marcelo em Belém, podemos falar
de uma geringonça 2.0, ou seja, de uma outra ideia da atual solução
governativa. Mais robusta e, talvez, mais perene. Mas tudo pode mudar de
um momento para o outro. Ou não.
Iniciei,
no passado dia 10 de março, uma análise (quantitativa) da mediatização
da atividade do presidente da República por parte dos quatro jornais
diários portugueses (JN, DN, CM e Público). Cedo imaginei que fosse
acumulando vários artigos jornalísticos, mas nunca pensei que a atenção
da Imprensa diária fosse tão intensa. Os jornalistas gostam de Marcelo e
Marcelo não vive sem os jornalistas. E foi precisamente essa dualidade
estrutural entre Belém e as redações que provocou uma reformatação do
cargo e uma consolidação do modo encontrado por António Costa para
formar Governo.
Hoje, a imagem
bolorenta de um presidente da República preso num inexplicável protocolo
parece ter ficado "in illo tempore", em tempos muito remotos, aos quais
ninguém tem vontade de regressar. Sabemos agora que é possível ter na
Presidência um homem (ou, no futuro, uma mulher) que sai de um evento
conduzindo o seu próprio carro ou que vai à praia de manhã para um
mergulho, deixando os seguranças em casa. Num Portugal tão dado a
formalismos, sabe bem ver o mais alto magistrado da nação dispensando
mordomias quando as circunstâncias o permitam. Também é de salientar a
política de proximidade e o registo emocional que Marcelo Rebelo de
Sousa fez entrar na Presidência da República Portuguesa. Há uma razão
sensível presente em cada intervenção política do presidente e um laço
social que o seu trabalho foi atando ao longo destes 100 dias. E os
portugueses, os de cá e os da diáspora, têm apreciado. Muito.
Deslocalizando
em permanência o que se convencionou ser o centro, Marcelo foi
iluminando inesperados territórios (espera-se que intensifique essa
ação). Isso aconteceu porque o PR carrega consigo uma enorme
centralidade, poder-se-á argumentar. Mas também é justo acrescentar-se
que tem havido uma preocupação em fazer transportar para esses lugares
rituais que pareciam fossilizados em Lisboa. Como as reuniões semanais
entre o presidente da República e o primeiro-ministro que, nos últimos
quatro meses, já aconteceram no Norte e no Alentejo. Em simultâneo com a
valorização do país que somos, houve também o cuidado de posicionar o
PR nos palcos internacionais, contando-se, neste intervalo de tempo,
quase uma dezena de viagens ao estrangeiro.
Oriundo
de uma família política de Direita, Marcelo confrontou-se de imediato
com um enorme desafio: escolher o modo de se relacionar com um Governo
de Esquerda. É verdade que o facto de Passos Coelho nunca ter cultivado
uma boa relação com o "doutor Rebelo de Sousa" facilitava a escolha de
uma coabitação colaborante entre PR e o atual Executivo, mas não
determinava tudo.
Beneficiando da circunstância de em S. Bento encontrar
um primeiro-ministro com um perfil não muito distanciado do seu (ambos
são muito hábeis em complexas movimentações no xadrez político, ambos
cultivam uma permanente proximidade com o eleitorado, ambos sabem que
dentro do seu partido estão muitos adversários e que fora dele encontram
fieis aliados...), Marcelo tem sido uma peça importante para a
estabilidade política. Neste tempo, o PR ajudou a fortalecer a solução
governativa, sendo hoje um ator imprescindível para a respetiva
sustentabilidade.
Com Marcelo em Belém,
deu-se corpo a uma geringonça 2.0. Que, como diz Costa, funciona.
Porque vai sendo oleada pelos partidos de Esquerda e encontra um caminho
que vai sendo aberto pelo PR. É claro que o futuro pode inverter
(rapidamente) esse percurso. Marcelo Rebelo de Sousa é imprevisível,
todos sabem. E a geringonça 2.0 pode empenar e colocar em causa o
Governo ou pode também toldar a popularidade de Marcelo. Em Belém e em
S. Bento, há quem calcule os efeitos de uma geringonça empenada,
principalmente quando se alcança o estatuto de 2.0.
* PROF. ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA UMINHO
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"17/06/16
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