ESeFosseConsigo
Conceição Lino escreve sobre a polémica com o vídeo de Catarina Martins
Depois de a SIC, e posteriormente o Expresso, ter divulgado um vídeo do programa “E Se Fosse Consigo?” em que Catarina Martins intervém numa discussão violenta entre namorados (que na verdade são atores), há quem tenha levantado dúvidas sobre a espontaneidade da situação. Indo direto ao assunto: há quem tenha escrito que foi tudo combinado, que não foi por acaso que Catarina Martins ali estava. Há quem ainda tenha defendido que a parte em que aparece a líder do BE não devia ter ido para o ar. Conceição Lino, responsável pelo programa, explica o que aconteceu e as decisões tomadas. E levanta uma questão: “As vozes que criaram ‘o caso Catarina Martins’ estão preocupadas com a realidade da violência no namoro? Não reparei”
E se fosse consigo o “caso Catarina”?
O programa “E Se Fosse
Consigo?” estreou a 18 de abril mas esta semana foi criado o “caso
Catarina Martins” em notícias e nas redes sociais. Porquê? Porque a
coordenadora do Bloco de Esquerda foi uma das pessoas que intervieram
para parar uma situação de violência entre namorados.
No Jardim
da Estrela, em Lisboa, um rapaz trata a namorada com insultos e
agressividade à vista de quem passa. São dois atores mas a situação
poderia ser real. O objetivo é registar a reação de qualquer cidadão
quando os limites são ultrapassados. Durante as gravações, no local,
surgiu por acaso Catarina Martins. O que decidiu fazer está registado na
cena divulgada no programa. Dirigiu-se ao rapaz e, perante a
continuação do comportamento agressivo, decidiu chamar a polícia. Não
foi a única. Outras pessoas ligaram para o 112, outras decidiram
intervir. Todas as que não foram indiferentes cumpriram o dever de
cidadãos, preocupados com o que acontece aos outros e com o que pode ser
a sua contribuição positiva.
Tal como os restantes que se viram envolvidos naquela cena, Catarina
Martins foi entrevistada a seguir e foi-lhe explicada a razão por que a
situação tinha sido montada. Aceitou que as gravações fossem utilizadas
num trabalho sobre violência no namoro.
Após a emissão do
programa, o quinto, levantaram-se vozes e fizeram-se notícias. Por causa
de Catarina Martins. Entre os comentários, de todos os géneros, chega a
pôr-se a hipótese absurda de a coincidência ter sido também encenada.
Há quem, à direita, aproveite para acusar a SIC de privilegiar a
esquerda, há quem, à esquerda, se vanglorie pela “lição exemplar” que
deu à direita.
Num programa que aborda questões graves de
discriminação, violência e preconceito, não faria sentido excluir a
reação de Catarina Martins pelo lugar de visibilidade que tem na
sociedade portuguesa. Foi na qualidade de cidadã que decidiu intervir.
Não sabia que havia câmaras apontadas para ela.
E se fosse um
político de direita? E se fosse o Presidente da República? E se fosse
Barack Obama? E se fosse o Papa? E se fosse consigo? Antes de mais,
importaria sempre a forma como reagiria à situação. De forma ativa ou de
forma passiva.
Quem viu o programa ficou a saber que a violência no namoro é um
problema grave que ultrapassa os números que se conhecem. E os últimos
números das autoridades dizem que mais de 1600 queixas de namorados e
ex-namorados foram apresentadas no ano passado. Na cena ficcionada do
programa, o jovem exige que a namorada lhe dê o telemóvel a pretexto de
ciúme e desconfiança, porque ela não lhe mostra as mensagens que tinha
acabado de trocar com uma amiga. O mais recente estudo revela que cerca
de um terço (34%) considera que mexer no telemóvel do parceiro e ver
chamadas e mensagens é aceitável. Um terço (33%) acha que sair ou ver os
amigos é aceitável. Mais de um terço (37%) dos inquiridos acham que
impedir de vestir determinadas peças de roupa é aceitável. Ou seja, um
em cada três jovens entre os 12 anos e os 18 anos tem ideias erradas
sobre o que é violência e considera normal dominar o outro. A esmagadora
maioria das vítimas são as raparigas. O estudo da UMAR (União de
Mulheres Alternativa e Resposta) foi levado a cabo em Braga, no Porto e
em Coimbra.
Todos os que trabalham na área da violência falam da importância da
prevenção, da educação. O programa “E Se Fosse Consigo?” sobre violência
no namoro questionou especialistas, ouviu testemunhos de jovens que
foram agredidas, ameaçadas e privadas de liberdade. Tal como os
anteriores, permitiu que famílias pudessem discutir o assunto, que
escolas pudessem abordar o assunto, que jovens falassem sobre o assunto.
As vozes que criaram “o caso Catarina Martins” estão preocupadas com a realidade da violência no namoro? Não reparei.
Preocupante
teria sido se qualquer político com responsabilidades, à esquerda e à
direita, tivesse visto uma jovem a ser ameaçada, humilhada e insultada
pelo namorado e continuasse o caminho a fingir que não via. E isso sim
seria notícia.
E os velhos, alguém quer saber?
Já agora,
a violência no namoro é um problema de todos. Dos políticos também.
Todos os outros assuntos abordados no programa dizem respeito a estas
mesmas pessoas. O próximo é sobre a forma como os idosos são tratados e
considerados na sociedade portuguesa. Também inclui uma situação
encenada por atores. Uma mulher responsável por cuidar de um idoso
grita-lhe, tem atitudes violentas, chama-lhe “velho”, nega-lhe água, diz
que não está para o aturar. Os jornalistas estão lá a observar e a
registar a reação dos que passam, que têm total liberdade de agir de
acordo com a circunstância e a consciência. A cena só não é realidade
porque são dois atores mas a realidade é muito pior. Quem é que se
interessa?
IN "EXPRESSO"
20/05/16
* Temos por regra não comentar artigos de opinião, mas a questiúncula ao redor do programa fez-nos saltar a tampa.
A idoneidade de CONCEIÇÃO LINO é inquestionável e também a de CATARINA MARTINS, nenhuma delas se prestaria jamais a fantochadas próprias de gente menor, frustrada e deseducada.
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