08/04/2016

FRANCISCO LOUÇÃ

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O efeito pedagógico 
de uns pares de lambadas

Tudo foi péssimo nesta história. A avalanche madrugadora de João Soares (e porquê ontem sobre textos tão antigos? O que é que aconteceu?), as suas alusões à vida pessoal dos seus dois críticos, o tom da conversa, a ameaça em si, a presunção, o estilo, tudo. Até se poderia acrescentar a total inconsequência da coisa, pois até roça o ridículo a acusação de que o ministro ameaçou: de facto, o ministro ameaçou deixando claro que era tudo do tipo “segurem-me se não eu bato”, o que, não sendo álibi, é tão triste como ameaçar. Era tudo a fingir, era para se perceber que era a fingir e só foi a sério porque foi a fingir.
O seu colega Ascenso Simões, que tem jeito para estas coisas de trazer uma sanfona para um velório, veio logo queixar-se de que a “política viril” estava a ser esquecida.
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Se o ministro pensa que ainda vivemos no século XIX, a calcorrear o Chiado de bengala na mão para ajustar contas com os adversários, mesmo que tenhamos que os perseguir pela Brasileira adentro, vive num mundo de fantasia e não sei se lhe poderia imputar maior falha do que essa. Estes arroubos passadistas não são discurso nem são acção. São confissões tristes de menorização.

Amigo que sou de Augusto M. Seabra, que considero um grande crítico cultural, e não tendo nenhuma proximidade de Vasco Pulido Valente, que leio com gosto sabendo sempre o que vai escrever, nada de pessoal me determina nesta questão. Mas penso que há uma questão de fundo: eles criticaram o ministro e era o que faltava que isso fosse caso de alarme na República. Portanto, ao ameaçar, o ministro enlameou-se no debate político. Não havia necessidade.

Frases infelizes, todos as usámos alguma vez. No caso, Pulido Valente escreve todas as semanas diatribes pessoais violentas, o que tem feito a sua aura como cronista. Ninguém o levará demasiado à letra, porque o estilo é o homem, embora não me lembre de ter ameaçado alguém. Mas um ministro tem uma função que não é a de um cronista: ele cumpre outras regras, como seja a do exercício de uma função de Estado. Um fala de si ou por si, outro foi eleito e tem uma tarefa pública a cumprir. Não está no ministério para ajustar contas pessoais, não está para se irritar, nem para gritar, nem para bengalar, nem para fingir.

Uns pares de lambadas não têm nenhum efeito pedagógico nem político, a não ser atingir o próprio ameaçador, como se verificou. Melhor que ficasse a lição.

IN "PÚBLICO"
07/04/16


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