A construção civil e os créditos laborais
Os imóveis construídos por uma
empresa de construção civil e que se destinem a comercialização ficam
abrangidos pelo privilégio imobiliário especial dos trabalhadores?
Recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) respondeu, através
de um acórdão de uniformização de jurisprudência, à seguinte questão: os
imóveis construídos por uma empresa de construção civil e que se
destinem a comercialização ficam abrangidos pelo privilégio imobiliário
especial dos trabalhadores?
Por outras palavras, os créditos laborais de trabalhadores de
empresas de construção civil gozam de uma garantia especial que lhes
concede, independentemente de qualquer registo, o direito de serem pagos
com preferência a outros credores do empregador?
Ora, o Código do Trabalho determina que os créditos emergentes de
contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam de privilégio
imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o
trabalhador presta a sua atividade. Numa interpretação ampla, a resposta
seria afirmativa, desde que os trabalhadores estivessem funcionalmente
ligados ao imóvel. Numa interpretação mais restrita, ficariam abrangidos
apenas os imóveis nos quais o trabalhador preste, ou tenha prestado, de
facto, a sua atividade. À partida, a jurisprudência tem admitido que
esta garantia incide sobre todos os imóveis que integram o património do
empregador, afetos à sua atividade empresarial, e não apenas aqueles
onde certo trabalhador exerce a sua função (interpretação ampla). Esta
norma causa algumas dificuldades nas situações em que não existe um
local de trabalho estável ou específico (por exemplo, motorista,
teletrabalhador ou trabalhador da construção civil).
Em particular, os imóveis para revenda estão também abrangidos por esta garantia especial?
Segundo o STJ, “cessada determinada obra, o trabalhador deixa de
prestar aí as suas funções, mas continua ao serviço da empresa,
vinculado pelo mesmo contrato de trabalho, mantendo uma ligação
funcional estável com os demais imóveis afetos à atividade desta”.
Assim, “será essa ligação funcional que releva e será sobre estes
imóveis que pode incidir o privilégio imobiliário especial de que
beneficiam os trabalhadores”.
Para o STJ, os imóveis destinados à comercialização integram o
património da empresa, mas não integram a organização estável de meios.
Trata-se de uma propriedade transitória na medida em que os imóveis são
para revenda, ou seja, são o produto da atividade empresarial.
Por conseguinte, o privilégio creditório abrange apenas os imóveis
que integram a organização empresarial estável a que os trabalhadores
pertencem; ficando excluídos todos os demais imóveis, nomeadamente os
que se destinam à comercialização ou revenda (Ac. STJ n.º 8/2006, de
23-02-2016 – Pinto de Almeida).
Esta decisão funda-se no necessário equilíbrio entre a proteção de
terceiros de boa-fé – nomeadamente daqueles que fazem fé no registo
predial – e a proteção legal dos créditos dos trabalhadores que se
concretiza num conjunto de direitos e garantias (v.g. irredutibilidade
salarial, impenhorabilidade parcial da remuneração, limitação à cessão
de créditos laborais, responsabilidade solidária de sociedade em relação
de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, responsabilidade
de sócio, gerente e administrador e o Fundo de Garantia Salarial).
Estes dois pontos merecem particular atenção: em primeiro lugar, este
acórdão contou com nove votos de vencido, visto que a exclusão dos
imóveis que, sendo propriedade do empregador, se destinam a revenda
representa uma interpretação contrária àquela que resulta da letra da
lei e do espírito do sistema, desprotegendo estes trabalhadores, cujos
créditos ficam em maior risco de nunca virem a ser pagos em caso de
insolvência; em segundo lugar, o acórdão debruçou-se sobre a norma do
Código do Trabalho de 2003, mas parece-nos que mantém plena atualidade
em relação ao atual Código do Trabalho.
Cumpre, por fim, deixar a seguinte questão: de acordo com este
acórdão, os trabalhadores com contrato de trabalho a termo incerto com
fundamento em execução de determinada obra (por exemplo, construção do
prédio X) beneficiam ainda de algum privilégio creditório?
David Carvalho Martins
Docente universitário e advogado responsável pelo departamento de Direito do Trabalho da Gómez-Acebo & Pombo em Portugal
Docente universitário e advogado responsável pelo departamento de Direito do Trabalho da Gómez-Acebo & Pombo em Portugal
Rita dos Reis Louro
Advogada estagiária do departamento de Direito do Trabalho da Gómez-Acebo & Pombo em Portugal
Advogada estagiária do departamento de Direito do Trabalho da Gómez-Acebo & Pombo em Portugal
IN "OJE"
22/04/16
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