HOJE NO
"i"
LuxLeaks.
Proteger os criminosos
e processar quem os denuncia
Dez dias depois de o Parlamento Europeu ter
aprovado uma diretiva que persegue os jornalistas que revelem crimes das
empresas, os denunciadores do LuxLeaks vão a tribunal
Começou ontem
o julgamento das pessoas que divulgaram os documentos do chamado caso
LuxLeaks. Antoine Deltour, antigo empregado da auditora
PricewaterhouseCoopers (PwC), o jornalista Édouard Perrin e ainda o
ex-auditor da PwC Raphael Halet.
MR. OFFSHORE |
Em 2014, Antoine Deltour recebeu, das
mãos do Parlamento Europeu (PE), o Prémio Cidadão Europeu do ano por ter
revelado o escândalo LuxLeaks; ontem, o país do presidente da Comissão
Europeia, que está envolvido no escândalo devido a ser primeiro-ministro
do Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, na altura dos factos denunciados,
começou a julgá-los e a acusação pede uma pena que vai até dez anos de
cadeia para o herói.
Apesar de ir a tribunal, Antoine Deltour, que é acusado de ter
roubado os documentos e violado o segredo profissional e o segredo de
negócios, declarou ao “Figaro”: “Não consigo perceber como poderei ser
vítima de uma pesada pena quando agi para defender o interesse geral.”
Tal não é o entendimento do mesmo PE que o considerou herói: no dia
14 de abril, o parlamento de Estrasburgo votou uma diretiva para
proteger “os segredos de negócios”. O seu conteúdo mereceu a denúncia
das organizações de jornalistas: a coberto de se defender as empresas, a
diretiva pretende evitar e castigar duramente revelações jornalísticas
de ilícitos criminais e fiscais cometidos por essas mesmas empresas.
Nicolas Meyer, da Transparency International, declarou a esse respeito
ao “Figaro”: “É positivo que se queira proteger as empresas, reforçando
os seus segredos económicos e os seus instrumentos de produção. Mas o
espírito da diretiva não vai no bom sentido. A definição de ‘lançador de
alerta’ [pessoa que denuncia um abuso e crime de uma empresa] é
demasiado vaga. Para além disso, a diretiva faz com que o ónus da prova
[do interesse público] da denúncia passe para essas pessoas, e não para
as empresas, é sobre os mais fracos e não os mais fortes.
O texto vai
provocar dez anos de jurisprudência contra os mais fracos”, garante o
representante da Transparency International.
No mesmo sentido, o
coletivo Informar Não É Crime entregou 538 mil assinaturas de cidadãos
europeus ao parlamento de Estrasburgo. No texto subscrito por mais de
meio milhão de cidadãos da UE, pode ler-se: “Incluir no campo de
aplicação da diretiva gente que não é espia mas que procura simplesmente
a sua profissão (jornalista, investigador), ou simplesmente pessoas que
seguem o que lhes diz a sua consciência (os lançadores de alertas) (..)
o texto vai demasiado longe e vai dar instrumentos jurídicos às
empresas” para impedir a divulgação de práticas criminosas desenvolvidas
por elas.
LuxLeaks é um caso simbólico do efeito real e político destas
revelações jornalísticas, para além das primeiras semanas na opinião
pública. O caso tem origem numa fuga de informação de 28 mil páginas de
acordos fiscais do gabinete da consultora PricewaterhouseCoopers, que
permitiram aos jornalistas revelarem que o Luxemburgo aceitou o exílio
fiscal de 343 empresas com o conhecimento do governo dirigido por
Jean-Claude Juncker.
Este exílio fiscal era um mero expediente para as
empresas, entre as quais algumas das maiores do mundo, como a Apple,
Ikea e Pepsi, fugirem aos seus impostos: Numa só morada, a Rua Guillaume
Kroll, n.o 5, tinham sede 1600 empresas.
Essas empresas, muitas delas
multinacionais, em vez de pagarem os 29% de impostos do país, pagavam
cerca de 1%. Essas alterações de taxação são legais no Luxemburgo,
embora ilegais na União Europeia.
Apesar de o consórcio de jornalistas
CIJI ter sido premiado pelas reportagens sobre este assunto, Juncker,
depois de ter negado várias vezes ter conhecimento dessas práticas, e
apesar de se ter provado que lhe foi dado conhecimento disso, foi
nomeado para o cargo máximo da União Europeia; os supostos autores da
fuga, entre os quais Antoine Deltour, antigo funcionário da
PricewaterhouseCoopers, são processados e arriscam penas de prisão muito
elevadas. Ao mesmo tempo que é perseguido, Antoine ganha o prémio de
Cidadão Europeu 2015, atribuído pelo Parlamento Europeu.
Finalmente, em
abril de 2015, o jornalista Édouard Perrin é também processado. Às
multinacionais que violaram a lei nada aconteceu. O segredo é a alma do
negócio.
* É para o que serve a União Europeia, proteger os fortes e lixar os fracos, precisamos da U.E. para alguma coisa?
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