Um balanço
inequivocamente positivo
1- Quarenta anos volvidos, olhar para o período constituinte ajuda a entender muito do que foi a vida nacional em Democracia.
A
Assembleia Constituinte foi eleita na sequência de um movimento de
jovens militares, que, pela participação popular, se converteu em
revolução e pôs termo a uma longa ditadura constitucionalizada em 1933.
Essa
rutura com o passado não impediu, porém, que continuidades sensíveis
continuassem presentes no regime nascente, como os efeitos de processos
de emigração, de migrações internas com despovoamento do interior, de
progressiva integração comercial na Europa comunitária, de assimetrias
regionais, funcionais e pessoais e de peso determinante - aliás
ancestral - do Estado sobre a sociedade civil.
Por
outro lado, a Constituinte cumpriu a sua missão em plena revolução,
assim fazendo incidir na própria feitura da Lei Fundamental as várias
fases de um inevitável confronto entre projetos doutrinários e
ideológicos muito distintos e, por vezes, radicalizados.
De
comum entre esses projetos havia a descolonização, a adoção de um
regime democrático, a consagração de direitos fundamentais próprios de
um Estado de direito, o alargamento desses direitos aos económicos,
sociais e culturais, a independência dos tribunais, a autonomia
político--legislativa dos Açores e da Madeira e a autonomia
administrativa do poder local.
Partilhados
por uma maioria mais moderada foram a inclinação para um modelo
democrático europeu ocidental e a prevalência dos direitos, liberdades e
garantias, e por uma maioria defensora de mais ampla rutura o regime
económico de economia dominantemente pública devendo evoluir para a
primazia de uma economia gerida por coletivos de trabalhadores e
comunidades locais.
Como pano de fundo,
uma tutela revolucionária do sistema político - essencialmente
partidário - militar ia durar até ao fim de um período transitório.
As
fases da revolução explicariam as diferenças abissais entre a
organização do poder político de antes de 25 de novembro de 1975 e a
organização do poder político depois dessa data - a primeira com maior
componente de legitimidade revolucionária do que a segunda.
2 - A vida da Assembleia Constituinte foi muito marcada pela coexistência com uma revolução e acabou por abarcar, além da função cimeira da elaboração da Lei Fundamental, o debate constante acerca das conjunturas que se sucediam, um pouco ao jeito de um Parlamento comum.
2 - A vida da Assembleia Constituinte foi muito marcada pela coexistência com uma revolução e acabou por abarcar, além da função cimeira da elaboração da Lei Fundamental, o debate constante acerca das conjunturas que se sucediam, um pouco ao jeito de um Parlamento comum.
Tudo
com as paixões próprias do tempo excecional em que se enquadrava,
paixões essas por vezes determinando afrontamentos muito duros, mas com
um pano de fundo de cordialidade pessoal, que se foi acentuando à medida
que a revolução dava lugar à estabilização institucional. Ainda assim, o
clima foi, sempre, mais tenso do que é vulgar na atividade parlamentar
clássica.
3- A vida política nacional seria largamente definida pelo labor da Constituinte. Desde logo, nas revisões da Constituição, a começar na primeira, de algum modo entrevista na versão originária daquela e, sobretudo, na correlação de forças já patente no início de 1976.
3- A vida política nacional seria largamente definida pelo labor da Constituinte. Desde logo, nas revisões da Constituição, a começar na primeira, de algum modo entrevista na versão originária daquela e, sobretudo, na correlação de forças já patente no início de 1976.
As
demais revisões, decorrentes de novos desafios internos e externos,
também traduziram opções enunciadas ou subliminares em 1976, como a da
adoção de sistema político de matriz europeia comunitária.
Outro corolário da era da Constituinte foi o da permanência de clivagens fundamentais em matéria de regime económico e social.
Quarenta
anos depois, já são bastante diversas as formulações das várias áreas
políticas. Mas permanece uma evidente diferença entre projetos mais
estatistas e mais abrangentes em domínios sociais e projetos mais
sensíveis à iniciativa privada e mais preocupados com a viabilidade
financeira das políticas sociais.
Fruto
ainda da Constituição é a radicação da democracia representativa
partidária, a afirmação da democracia participativa, o reconhecimento do
setor da economia social, um clima genérico de inclusão e pacificação
interna e externa, uma abertura ao mundo que fala português, um
multilateralismo universal, uma aceitação pacífica do direito
internacional. E, mais relevante, uma visão personalista, que passaria
de implícita para explícita, e anunciaria caminhos de defesa dos
direitos humanos, de diálogo, de tolerância, e que faria dos portugueses
protagonistas vocacionados para as mais complexas incumbências
mundiais.
4 - Como Presidente da
República saúdo o balanço inequivocamente positivo da Constituição da
República Portuguesa, quer nos princípios fundacionais que permanecem
inspiradores quer nas adequações subsequentes que ajustaram o texto
inicial. E agradeço aos constituintes, tal como aos reconstituintes, o
seu contributo empenhado, norteado pelo interesse nacional.
A
gratidão para com os constituintes é, naturalmente, mais efusiva, ao
evocar o cunho pioneiro e as dificuldades enormes da sua tarefa.
Como
constituinte que fui, com 26 anos de idade, não escondo o discreto mas
sentido júbilo por poder testemunhar, 40 anos mais tarde, uma tão longa,
mesmo se reconvertida, vigência da Constituição que, muito
modestamente, ajudei a tornar realidade.
A
vida de um Estado não se esgota na sua Constituição, nem deve mitificar
uma obra que, como qualquer outra realização humana, é imperfeita.
Mas
pode e deve saber compreender a importância única que a existência da
Constituição e respetiva plasticidade tiveram para a sua definição como
Estado social de direito democrático.
Presidente da República
IN DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
27/03/16
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