Por que é que
se pode acabar com tudo
menos com os bancos?
Valia a pena ser mais economicamente liberal com os bancos e menos com as pessoas, mas isso hoje parece radicalismo.
A história do Banif é exemplar dos tempos que correm. Ela mostra tudo
o que está errado nas políticas europeias e nacionais, se é que se pode
falar ainda de “políticas nacionais”. Aliás, o caso do Banif revela até
que ponto os governos aceitam ser geridos pela burocracia europeia não
eleita, em decisões objectivamente contrárias ao interesse nacional e à
sua própria vontade, eles que são eleitos.
Este é um dos aspectos mais
preocupantes da actual situação política portuguesa e europeia, a
utilização muitas vezes abusiva e excessiva, das chamadas “regras”
europeias para impor políticas ideológicas conservadoras e soluções que
correspondem a interesses particulares de outros países, de outras
bancas, de outras economias, a Portugal. Ou pensam que é tudo neutro e
“técnico”?
Chegados à porta da burocracia europeia, – e as
decisões tomadas sobre o Banif são tomadas pela burocracia de Bruxelas
que acha que sabe melhor governar Portugal que o voto dos portugueses, –
encontramos uma entidade que não é neutra, que serve os interesses
políticos e económicos dos maiores países europeus em que não ousa tocar
nem ao de leve, e cujo afã de “uniformização”, sendo típico das
burocracias, leva a aplicar critérios que nem a banca alemã cumpre, a
economias debilitadas como a portuguesa. Ao impedir a incorporação do
Banif na CGD, – que, lembre-se, Passos Coelho queria privatizar, –
actuou contra o interesse nacional legitimamente interpretado por um
governo eleito. Seria bom que o senhor Presidente da República nos
falasse então do “superior interesse nacional”.
A história do
Banif mostra também o modo como se transformou um conjunto de interesses
económicos parciais numa lei de bronze da economia e da política que
deriva não de opções políticas, ou, como diriam os marxistas, de
“classe”, numa emanação sem alternativa da “natureza das coisas”, da
“realidade”. Estes anos de “ajustamento”, que nada “ajustou” a outra
coisa que não fossem certos interesses presentes na economia e na
política, também mostra como se desbaratou a já escassa “boa-fé” do
Estado, como se está a destruir a democracia e o controlo dos conflitos
que ela permite, e como se fez ascender ao poder uma mistura de
ideólogos radicais de direita, de aparelhos partidários de grande
incompetência e que nada sabem do seu país, de gente medíocre que se
tornou salvífica pelo serviço que prestaram a interesses particulares
presentes na economia. Não à “economia”, mas a certos interesses
presentes na economia e que condicionam e capturam as políticas
europeias e nacionais.
O que mostra o Banif? Que os bancos podem
falir como qualquer outra empresa, mas que as consequências dessa
falência são pagas sempre pelo dinheiro público. Ou seja, podem falir,
mas não podem falir. São intangíveis a tudo aquilo que é para o comum
dos cidadãos o “ajustamento”, não fecham, não se liquidam, essa
interessante palavra, os contratos são de natureza diferente daqueles
que se podem romper com toda a gente, menos com… os bancos. Com eles
pode-se gastar milhares de milhões de euros sem pestanejar, nem ter que
estar sempre a responder à pergunta “quanto custa” que os jornalistas
repetem ad nauseam sempre que se fala de salários, pensões e
reformas. A pergunta é feita uma vez, por descargo de retórica, e depois
a lógica dos debates é sempre de natureza diferente daqueles que a
mesma pergunta suscita se se tratar de aumentar o salário mínimo, ou de
repor pensões de centenas de euros. A banca é sempre uma excepção e
contestar essa excepção, – a da “saúde” do sistema financeiro que
claramente está acima da saúde dos portugueses, – é “ideologia” como
disse o Presidente da República numa das suas mais ideológicas
intervenções em nome da “realidade”.
Outro aspecto da ideologia
que se esconde na “realidade”, é pouca gente se perguntar que estragos
maiores faria ao país, se o Banif fechasse. O governo diz que seria mais
caro, mas eu estaria mais à vontade em pagar um preço mais caro
(hipótese sobre a qual tenho dúvidas), do que oferecer mais um banco
português pago regiamente com o nosso dinheiro a um banco estrangeiro
que o recebe de graça e ainda com um bónus. Para além disso, percebe-se
muito bem que o mecanismo de “resolução”, que em condições normais
atribuiria os custos da falência do Banif aos outros bancos, já não está
em Portugal em condições de funcionar porque esses mesmos bancos não
estão dispostos ou não têm capacidade para suportar os custos da
falência de um “irmão” seu. No papel é muito bonito e aparentemente
justo, mas pura e simplesmente não funciona, como se viu no Banif e se
verá no Novo Banco, ou no banco que se segue.
O Banif falido
colocaria em causa a “confiança” no sistema financeiro, faria estragos
na economia das ilhas, provocaria mais desemprego no sector bancário,
onde ele é já elevado, perderia o estado o dinheiro que lá colocou numa
decisão que o governo anterior tem que explicar muito explicadinha?
Acredito que sim, várias destas consequências negativas
verificar-se-iam, mas os depósitos até 100.000 euros seriam honrados,
acima disso seriam perdidos. Não sei quem retirou o dinheiro no dia
negro que se seguiu à “notícia” da TVI, mas acredito que muitos estariam
na condição de ter mais de 100.000 euros, porque se há coisa que as
pessoas hoje “sabem” é do risco de perderem o dinheiro que têm nos
bancos.
Não penso também que a solução encontrada garanta os
postos de trabalho em termos significativos, nem que as agências nas
ilhas e emigração se mantenham como estão e que o Santander seja muito
sensível à “economia” dos Açores e da Madeira. É um pouco como os
acordos com os compradores da TAP, como aconteceu já com outras empresas
privatizadas: tudo é prometido, para aquietar as dúvidas nas vendas a
privados, e depois pouco é realizado.
Não sou contra as
privatizações, mas há interesses nacionais que só o carácter público
garante, até porque para uma empresa privada não são rentáveis e esse
mesmo critério não existe numa empresa pública. Sim, os contribuintes
pagam para haver bancos portugueses na Venezuela, para haver voos para a
Guiné-Bissau, como pagam o Instituto Camões e a RTP África, porque se
considera que o “superior interesse nacional” assim o exige e o Estado
não é uma empresa.
Já tenho todas as dúvidas que o argumento da
“confiança” no sistema financeiro, seja válido. Perguntem aos emigrantes
que colocaram as poupanças de uma vida no BES, e cujas biografias não
são distintas dos emigrados da Madeira na África do Sul, se têm muita
confiança no sistema financeiro. A “confiança” do sistema financeiro já
anda pelas ruas da amargura e a transparência de uma falência a sério de
um banco podia ajudar mais do que prejudicar.
Há muita coisa a
esclarecer no que aconteceu ao Banif, mas parece-me difícil evitar a
constatação de que Passos, Portas e Maria Luís Albuquerque, com a
colaboração de um Banco de Portugal que nunca esteve tão encostado a um
governo como com o actual Governador, fizeram uma gestão danosa que nos
vai custar caro. Infelizmente está a acontecer o que previ, de que as
privatizações e as operações com a banca, seriam para o governo
Passos-Portas o equivalente das PPP e contratos swap no governo Sócrates.
O
governo de António Costa fez bem em ser expedito, mas as críticas que o
BE e o PCP e muitos portugueses lhe fazem de não ter rompido com os
privilégios especiais da banca pagos com o erário público, têm sentido.
Ficou a promessa de que será o último caso e, quando o Novo Banco
regressar à mesa do orçamento, espero bem que não se repita o que se
passou com o Banif.
Tudo isto, não é “técnica”, nem emanação da
“realidade”, é política. O que foi feito no governo Passos-Portas e no
governo Costa com o Banif, é o resultado de opções políticas e, ao
sê-lo, ideológicas. Mas qual é o problema? Acaso em democracia duas
pessoas identicamente informadas decidem o mesmo? Não, decidem de forma
diferente, conforme os seus interesses, a sua visão do mundo, a sua…
ideologia. Ainda bem.
É que para sairmos desta lama que nos tolhe
temos que pensar diferente, falar diferente, e fazer diferente. Nem que
seja pouco diferente, visto que, como isto está, basta um pouco de
diferença para parecer uma revolução. Por isso, ó ideólogos, valia a
pena ser mais economicamente liberal com os bancos e menos com as
pessoas, mas isso hoje parece radicalismo.
IN "PÚBLICO"
26/12/15
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