Não há teatro na guerra
Não sei por que lhe chamam «teatro das operações».
Mas ao considerarem como «artes bélicas» aquilo que na verdade será o
conjunto de habilidades demonstradas na guerra, deverão tomar como certo
que ao palco onde elas são apresentadas se chamará «teatro» e a toda a
sua envolvente, «cenário». De guerra, pois.
Permitam-me discordar: a arte não tem nada que ver com a guerra. Só
se se referirem às guerras interiores, travadas pelos seus agentes, os
artistas. As batalhas ganhas e perdidas com os seus «demónios», um
inimigo que mora dentro da cabeça e do coração de cada artista, são a
matéria-prima da sua obra. Será no palco do teatro que cada um deles irá
transformar a dor em algo sublime e conseguirá através da sua arte
chegar aos corações dos que os observam, não para os perfurar de morte,
mas para os tocar profundamente.
Eram nove, as musas. Umas inspiraram a Música, outras a Tragédia, a
Comédia ainda outras, depois a Dança, a Poesia, a História, a Astronomia
e a Astrologia. Ao que parece, nenhuma delas terá inspirado a guerra.
Nem as armas nem as atrocidades cometidas em nome de coisas que
significam precisamente o contrário.
Porquê? Talvez porque as artes venham de um lugar onde o amor é
fértil. E, como se poderá imaginar, a guerra é a negação do amor. Logo,
não poderá inspirar a criação, mas instigar a destruição.
Daí a minha resistência em aplicar a metáfora estafada do cenário de
guerra como o teatro das operações, exaltando o domínio das artes
bélicas por cada adversário. Não, prefiro não aplicar metáforas à
guerra, nem aligeirar as descrições das batalhas com recursos
estilísticos. Muito menos parecer indicar que a guerra é fingimento. A
guerra não é a fingir. Não se maquilha para entrar em palco e não se
desmaquilha depois de sair. Tira a cor dos rostos de quem se atravessa à
sua frente. Não vai para casa, descansar. Destrói as casas onde se
descansa. Não agradece no final as palmas. Anuncia-se pelas balas.
No palco dos teatros de todo o mundo, defendem-se as obras criadas
por mentes livres, que inspiram outras mentes a criar na sua vida um
espaço humano comum. A morte está sempre presente, mas apenas para fazer
lembrar que é a vida que importa celebrar.
VOCALISTA DOS "DEOLINDA"
IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
13/12/15
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