Notícias da
cidade cinzenta
Chegou o Outono. A luz de Lisboa só aparece a espaços e a chuva é
agora frequente, por isso a cidade se torna mais cinzenta a cada dia que
passa.
1. Felizmente a política ganhou alguma cor, depois de
esbatida, durante os últimos anos, por um governo de maioria absoluta
que nunca favoreceu o diálogo agora reclamado. Como tenho afirmado nas
minhas últimas crónicas, a possibilidade de uma alternativa de esquerda,
liderada pelo segundo partido mais votado, é totalmente legítima.
Estamos num regime democrático em que os governos terão de (pelo menos)
não ser rejeitados pelo Parlamento; e em que a tradição de o partido
vencedor das eleições formar governo é apenas isso, uma tradição: tal
preceito não está inscrito na Constituição e esta será mais uma
demonstração de que a tradição já não é o que era. Não se entendem,
portanto, as considerações provenientes da direita que tentam dificultar
a formação de um governo alternativo, se essa hipótese se basear num
apoio parlamentar claro. Os partidos que formaram a coligação de direita
nas últimas eleições fazem por esquecer que existem, na Europa, sete
países onde quem lidera o governo não venceu as eleições, e está no
poder porque garantiu a não rejeição pelo respectivo Parlamento. Espero
que o debate do programa do governo agora em funções decorra com
respeito e conduza a soluções transformadoras do triste quotidiano de
tantos portugueses.
2. Cinzento ou mesmo negro é o panorama da
nossa emigração. Em 2014 saíram cerca de 110 mil portugueses para o
estrangeiro, sendo a França o país onde vivem mais emigrantes
portugueses. Muitos vivem lá fora em situação muito difícil, desde a
separação das famílias até empregos precários, bastantes vezes com
contratos que não são cumpridos. Não admira que 303 tenham sido detidos
em 2013, pois sabemos como um quotidiano com muitos problemas pode
predispor a comportamentos de risco que os façam viver nas margens da
lei.
A conjugação de fenómenos de alta emigração com baixa
imigração coloca mesmo Portugal como “país de repulsão”, segundo as
designações internacionais. O fracasso total dos programas enunciados
pelo governo cessante, que tinham como objectivo o regresso dos
emigrantes, faz com este desígnio tenha de ser uma prioridade para um
futuro governo que tenha sempre em mente as políticas sociais.
3.
Cores muito negras devem ser usadas para as conclusões de um estudo
publicado pela Deco e que investigou 1222 famílias portuguesas. O
inquérito, também realizado em Espanha, Itália e Bélgica, mostra que
metade dessas famílias vive com menos de 1000 euros por mês. Desses
agregados familiares, 66% são casais que trabalham e têm os filhos
pequenos, 18% não conseguem pagar a casa e as contas habituais, 60%
contam com os subsídios de férias e Natal para satisfazer compromissos
essenciais, 72% têm de planear o orçamento familiar e 74% das pessoas
dizem ter perdido rendimento (para 64% em Espanha, 60% em Itália e 42%
na Bélgica). E mais, Jorge Morgado, coordenador do estudo, alerta para o
facto de, “no momento em que já se fala de um decréscimo do desemprego,
o que se verifica é que os novos empregos oferecem condições salariais
muito mais baixas do que anteriormente (…) foi em Portugal que os cortes
nos vencimentos ou perda de emprego afectaram mais famílias (…) com
tratamentos que ficaram por fazer ou famílias que não puderam enviar os
filhos para a universidade”.E ainda dizem que não precisamos de um governo de outra cor?
IN "PÚBLICO"
08/11/15
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