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"EXPRESSO"
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Rúben, o rapaz que fez mover o mundo
A incrível história de um rapaz que a todos conquistou. Para viver, Rúben precisava passar por uma cirugia que o poderia matar. Recusada por por 45 grandes hospitais estrangeiros devido ao risco elevado, a operação foi concluída com sucesso em Portugal por uma equipa de médicos portugueses. Aos 14 anos, Rúben tornou-se um símbolo de que desistir não é uma opção
Se quisermos e nos prepararmos muito bem, nós conseguimos mover o
mundo. Este caso é uma prova”. É com orgulho, sensatez e emoção que
Miroslava Gonçalves, chefe do serviço de cirurgia pediátrica do Hospital
de Santa Maria, explica o que aconteceu com Rúben Fortes, que ao 14
anos se transformou num exemplo de sucesso para a medicina portuguesa.
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MIROSLAVA GONÇALVES |
Rúben
é um rapaz de sorte. Já passou por duas longas cirurgias, esteve em
coma, ventilado, durante dois meses, recebeu morfina para suportar as
dores e, para cortar a dependência, passou por três sessões de
hipnotismo, teve de fazer vários enxertos de pele e, mais do que tudo,
sofreu uma desarticulação da anca, com a consequente amputação total da
perna esquerda. Mas Rúben é mesmo um rapaz de sorte. Está vivo, planeia o
futuro e, sobretudo, encontrou um grupo de pessoas que não desistiram
dele. Mesmo quando tudo parecia impossível.
“Avisei a minha
equipa de que o meu carro não tinha marcha atrás”, conta Miroslava
Gonçalves que, com a médica Marta Janeiro, recebeu Rúben, quando o
rapaz, então com 13 anos, chegou ao Hospital de Santa Maria,
transportado de helicóptero, de Portimão, depois de ter sido atropelado
por um camião na cidade algarvia, onde o rapaz vivia.
Naquela
noite, as médicas foram confrontadas com uma situação de extrema
gravidade, causada pelo esfacelamento da região da bacia e toda a perna
esquerda do rapaz. Rúben passou então por uma cirurgia inicial para o
estabilizar, que durou mais de dez horas.
Os dois meses seguintes
foram passados nos Cuidados Intensivos Pediátricos. Rúben foi mantido
ventilado para suportar as dores. Mais tarde, foi transferido para a
unidade de queimados do hospital, numa tentativa de o preservar de
infeções, enquanto foi sendo submetido a vários enxertos de pele.
Melhorar para depois piorar
Quando
a situação parecia estabilizada, Rúben foi levado para o setor da
Cirurgia Pediátrica, mas, rapidamente se percebe que a situação era
muito mais grave do que se pensava inicialmente. Em consequência da
pesada destruição física que sofrera, começou a desenvolver uma miosite
ossificante envolvendo toda a bacia, pélvis e coxa esquerda, que causava
dores insuportáveis e comprometia os enxertos de pele realizados.
A
miosite ossificante caracteriza-se pela multiplicação desordenada de
células ósseas no tecido muscular, gerando formas que ferem a pele e
deformam o corpo. A gravidade da situação foi tal que a equipa médica,
coordenada por Miroslava Gonçalves, decidiu que o mais indicado seria
procurar ajuda em hospitais internacionais, mais habituados e mais bem
preparados para enfrentar situações deste tipo, muitas das quais
causadas por conflitos armados. O presidente do conselho de
administração de Santa Maria, Carlos Martins, deu autorização para que
os contactos fossem iniciados.
Mais de 45 unidades hospitalares
de alto nível — em Israel, França, Alemanha, Estados Unidos — foram
contactadas e receberam um dossier completo com a evolução clínica de
Rúben e fotografias da área afetada pela miosite ossificante. As
respostas não variaram: “Não existem condições para manipulação
cirúrgica, prognóstico muito reservado.” “As hipóteses de sobrevivência
eram consideradas mínimas e a recomendação era de que o rapaz fosse
enviado para os cuidados paliativos”, explica a chefe do serviço de
cirurgia pediátrica de Santa Maria.
Inesperadamente, em Janeiro
deste ano, um hospital de Nova Iorque mostrou interesse em obter mais
informações sobre o caso de Rúben e a esperança reacendeu-se. Embora
todos os obstáculos, como a obtenção de passaportes, de roupas de
inverno e, sobretudo, a obtenção de verbas para a deslocação e a
cirurgia junto do Ministério da Saúde, tivessem sido rapidamente
ultrapassados, dias antes da partida para os Estados Unidos o hospital
nova-iorquino recuou, avisando que já não receberia Rúben.
“Embora
já não tivéssemos nada, não podíamos desistir”, recorda Miroslava
Gonçalves. Assim, o que os hospitais internacionais não quiseram
realizar, teria de ser feito em Portugal. Uma cirurgia com 95% de
possibilidades de que o paciente pudesse perder a vida no bloco
cirúrgico.
Montou-se, então, uma equipa multidisciplinar, reunindo
especialistas de cirurgia pediátrica, ortopedia, cirurgia plástica,
cirurgia vascular, anestesiologia, imunohemoterapia, fisiatria,
psiquiatria e psicologia.
Coragem nacional
“Não podíamos desistir”, apesar dos 5% de
possibilidade de sobrevivência, diz a coordenadora de equipa, Miroslava
Gonçalves. Foram reunidos especialistas de cirurgia pediátrica,
ortopedia, cirurgia plástica, cirurgia vascular, anestesiologia,
imunohemoterapia, fisiatria, psiquiatria e psicologia.
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RUBEN E A MÃE |
Alguns dos
profissionais mais preparados para este tipo de procedimentos não
estavam em Santa Maria e, mais uma vez, a administração autorizou que se
fossem buscar“os melhores”. José Portela, ortopedista oncológico, foi
chamado de Coimbra, e Manuel Caneira, cirurgião plástico, da CUF
Descobertas. Tudo foi prévia e minuciosamente preparado, sob a batuta de
Miroslava Gonçalves.
Munidos de nervos de aço, experiência e muito
planeamento, cerca de duas dezenas de profissionais médicos estiveram à
volta de Rúben, entre as 9h09 e as 22h16. Não houve surpresas
inesperadas, todos os períodos críticos foram antecipados e o
procedimento, classificado pela anestesiologista Maria Domingas Patuleia
como de “elevada agressividade cirúrgica, com grande potencial
hemorrágico, efetuada num doente adolescente com défice de fatores de
coagulação”, foi coroado de sucesso.
Quando acordou, Rúben pediu
uma sandes de fiambre. E recebeu-a. O rapaz continua em Santa Maria, de
onde irá para o centro de reabilitação de Alcoitão, em Sintra, onde vai
iniciar o processo de recuperação e adaptação a uma prótese especial que
virá da Alemanha.
Falta muito para que Rúben reconquiste a sua
autonomia, mas os planos do rapaz são tão grandes quanto os seus
desafios. “Quero fazer um vídeo para mostrar que as pessoas que usam
próteses podem fazer o mesmo que as outras, como andar de bicicleta ou
de trotinete”. E Rúben é menino para isso.
* NOTÁVEL
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