05/11/2015

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Senso d'hoje
MIA COUTO
ESCRITOR E BIÓLOGO
Temos medo do “não humano”
que está dentro de nós


Fala-se do passado como coisa acabada, e no singular 
Essa castração é quase um "historicídio", um matar uma parte da história. Tem a ver com a nossa posição como sujeitos da História. Começou muito atrás. Os passados que não convêm, que renovam grandes medos e fantasmas, são anulados. Esta é uma operação que vai sendo feita sempre. E quanto mais recente, maior é a necessidade de que essa extirpação seja eficiente. Tem que ser um corte mais radical.

Estamos a negar ou a criar distância em relação à nossa condição animal?
Temos medo. Temos medo do "não humano" que está dentro de nós. É uma coisa absurda, devia haver uma estátua a esse nosso antepassado comum, esse Homo Erectus, ou ao primeiro Homo Sapiens, em cada cidade. Seria uma grande homenagem à paz.  
orque esse homem, essa mulher, deu origem a esta grande saga. Inventámos a espiritualidade, a religiosidade, o sentido cooperativo, os códigos simbólicos. Mas essas grandes coisas que nos fazem ser quem somos hoje estão lá atrás. Estão lá atrás e não nasceram na escrita – mesmo que esta visão tenha sido imposta com a ajuda da escrita. E depois até com a ajuda da ciência. Houve um momento em que a ciência foi cúmplice dessa anulação dos outros saberes que estão dentro de nós. Esses saberes estão ligados a esse passado que nunca passou. Há um lado nosso que é profundamente supersticioso, que está disponível para outras linguagens, para o que é o oculto.

E que é domesticado pela racionalidade?
É. É preciso que nos esqueçamos. A fabricação do esquecimento é uma coisa fantástica. 

* Excertos de notável entrevista a ANABELA MOTA RIBEIRO, "JORNAL DE NEGÓCIOS" em 30/10/15 .

** É nossa intenção, quando editamos pequenos excertos de entrevistas, suscitar a curiosidade de quem os leu de modo a procurar o site do orgão de comunicação social, onde poderá ler ou ver a entrevista por inteiro. 
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