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Senso d'hoje
MIA COUTO
ESCRITOR E BIÓLOGO
Temos medo do “não humano”
que está dentro de nós
Fala-se do passado como coisa acabada, e no singular
Essa castração é quase um "historicídio", um matar uma parte da
história. Tem a ver com a nossa posição como sujeitos da História.
Começou muito atrás. Os passados que não convêm, que renovam grandes
medos e fantasmas, são anulados. Esta é uma operação que vai sendo feita
sempre. E quanto mais recente, maior é a necessidade de que essa
extirpação seja eficiente. Tem que ser um corte mais radical.
Estamos a negar ou a criar distância em relação à nossa condição animal?
Temos medo. Temos medo do "não humano" que está dentro de nós. É
uma coisa absurda, devia haver uma estátua a esse nosso antepassado
comum, esse Homo Erectus, ou ao primeiro Homo Sapiens, em cada cidade.
Seria uma grande homenagem à paz.
orque esse homem, essa mulher, deu origem a esta grande saga.
Inventámos a espiritualidade, a religiosidade, o sentido cooperativo, os
códigos simbólicos. Mas essas grandes coisas que nos fazem ser quem
somos hoje estão lá atrás. Estão lá atrás e não nasceram na escrita –
mesmo que esta visão tenha sido imposta com a ajuda da escrita. E depois
até com a ajuda da ciência. Houve um momento em que a ciência foi
cúmplice dessa anulação dos outros saberes que estão dentro de nós.
Esses saberes estão ligados a esse passado que nunca passou. Há um lado
nosso que é profundamente supersticioso, que está disponível para outras
linguagens, para o que é o oculto.
E que é domesticado pela racionalidade?
É. É preciso que nos esqueçamos. A fabricação do esquecimento é uma coisa fantástica.
* Excertos de notável entrevista a ANABELA MOTA RIBEIRO, "JORNAL DE NEGÓCIOS" em 30/10/15 .
** É nossa intenção, quando editamos pequenos excertos de entrevistas, suscitar a
curiosidade de quem os leu de modo a procurar o site do orgão de
comunicação social, onde poderá ler ou ver a entrevista por inteiro.
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