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Vatileaks 2.0.
Afinal havia mais corvos
a sobrevoar o Vaticano
Há um terramoto prestes a acontecer no Vaticano. Na sexta-feira já
corriam rumores, em Roma, de que alguém estaria prestes a ser preso. Mas
o que poucos sabiam é que o computador e o smartphone do monsenhor
espanhol Vallejo Balda tinham acabado de ser confiscados pela
Gendarmeria.
Os aparelhos foram-lhe retirados por suspeitas de
subtracção e divulgação de documentos reservados da Santa Sé e
permitiram aos investigadores da polícia do Vaticano completar um puzzle
que tentavam resolver desde Maio.
Na altura, a imprensa italiana
publicou dados sobre as finanças do Vaticano que não eram públicos.
Escreveu-se, por exemplo, que teria sido desviado dinheiro de obras de
caridade para a remodelação do apartamento do ex- -secretário de Estado
Tarcisio Bertone. As notícias fizeram soar os alarmes na Cúria e a
Gendarmeria iniciou uma investigação silenciosa para apurar a origem das
fugas de informação. E há menos de duas semanas, quando os jornalistas
italianos Gianluigi Nuzzi e Emiliano Fittipaldi começaram a promover os
livros que vão lançar amanhã, a investigação consolidou-se
REUNIÃO DOS CAPOS |
À medida que excertos das duas obras iam sendo divulgados, a
Gendarmeria fazia um trabalho de cruzamento de dados. E, na semana
passada, os investigadores concluíram que todas as informações tinham um
ponto em comum: passaram pela comissão de sete pessoas que o Papa criou
em 2013 para analisar as finanças do Vaticano.
O passo seguinte foi apreender o computador e o telemóvel a Vallejo
Balda – que integrava o grupo – e a análise aos aparelhos terá
confirmado as suspeitas. A Gendarmeria encontrou relatórios, documentos
confidenciais e até gravações de reuniões com o Papa. Sexta-feira à
noite, o monsenhor foi detido e encaminhado para a prisão do Vaticano.
Francesca Chaouqui, uma leiga italiana que também integrava a comissão,
foi igualmente presa e passou a noite trancada num quarto de umas
freiras salesianas até a advogada – uma das mais conhecidas e bem pagas
criminalistas de Itália – chegar para a libertar. Já Vallejo Balda
continua detido. Ambos são próximos da Opus Dei e juraram, em 2013,
guardar segredo sobre assuntos reservados que lhe passassem pelas mãos.
Agora aguardam a conclusão da acusação e deverão ser julgados,
arriscando até oito anos de cadeia.
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O que dizem os livros Os dois livros que prometem abalar o Vaticano só
são publicados amanhã, mas já se conhece muito do seu teor. Vários
jornais publicaram excertos nos últimos dias e os dois autores têm-se
desdobrado em entrevistas. A obra de Gianluigi Nuzzi – que, aquando do
escândalo Vatileaks, publicou outro livro com documentos secretos de
Bento XVI, vazados por uma fonte que se intitulava “o Corvo” – chama-se
“Via Crucis” e contém emails, actas de reuniões e gravações de conversas
do Papa, além de divulgar pormenores escabrosos sobre as finanças.
O Vaticano, conta o livro, é dono de cerca de cinco mil edifícios só em
Roma e o valor deste património imobiliário rondará os 2,7 mil milhões
de euros – quantia sete vezes maior que a incluída nos balanços
oficiais. Nuzzi conta também que as rendas praticadas pela administração
da Santa Sé são entre 30% e 100% inferiores aos valores de mercado. E
que a comissão criada pelo Papa descobriu apartamentos que foram doados a
cardeais como prémio ou inseridos em negociações de reformas.
Um outro relatório terá concluído, por outro lado, que se as casas
fossem rentabilizadas como deveriam gerariam uma receita de 19,4 milhões
de euros – muito mais que os 6,2 milhões que estão a render aos cofres
da Santa Sé. Gianluigi Nuzzi, que tem dito em entrevistas que o Papa é
“visto como um intruso” no Vaticano, revela, por outro lado, como
funciona o mundo das causas de canonização dos santos – que chegam a
custar mais de meio milhão de euros, suportados por mecenas.
Apesar dos elevados montantes, a Congregação para as Causas dos Santos,
que gere estes processos, terá admitido à comissão que não há registos
de contas bancárias. Por isso, revela Nuzzi, Francisco terá mandado
congelar o dinheiro de vários postuladores. Em “Via Crucis” há ainda uma
carta enviada ao Papa por cinco auditores internacionais, em Março de
2013, avisando que existe uma “total ausência de transparência” nas
contas e alertando para o facto de os custos estarem “fora de controlo”,
especialmente as despesas pessoais da Cúria.
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Já o livro de Emiliano Fittipaldi, “Avarice”, conta como terão sido
desviados 200 mil euros de uma fundação de um hospital pediátrico em
Roma para suportar as obras de renovação do apartamento do ex-secretário
de Estado Tarcisio Bertone, através de uma batotice: um acordo a
simular que o apartamento iria servir de apoio ao hospital. No último
ano, Bertone já tinha sido bastante criticado pela ostentação da sua
nova casa, descrita em alguns jornais como uma “mega-penthouse”.
Vaticano e opus dei reagem
O Vaticano já reagiu à chegada dos dois
livros: são “uma grave traição à confiança do Papa”. O porta-voz da
Santa Sé, Federico Lombardi, acusou Nuzzi e Fittipaldi de fazerem parte
de “uma operação para obter vantagens de um acto gravemente ilícito de
entrega de documentação reservada” e rejeitou a justificação que
Francesca Chaouqui e Vallejo Balda terão dado aos investigadores de que
só vazaram informações para ajudar o Papa. “Publicações deste tipo não
ajudam de modo algum a estabelecer luz e verdade, mas contribuem para
gerar confusão e interpretações parciais e tendenciosas”, disse
Lombardi, acrescentando: “Deve absolutamente evitar-se o equívoco de
pensar que isto seja um modo de ajudar o Papa.”
A Opus Dei também reagiu, e demarcando-se do assunto: “A Opus Dei não
dispõe de nenhuma informação sobre o caso. Se a acusação se provar, será
particularmente doloroso pelo dano causado à Igreja”, diz um comunicado
da prelatura.
Os corvos
Vallejo Balda
Padre espanhol
Os jornalistas costumavam chamar-lhe “o contabilista de Deus”, pela
habilidade com que geria as contas da Igreja. Nasceu em 1961 na
região de Burgos, em Espanha. É licenciado em Teologia e em Direito
Económico. Foi secretário da Prefeitura dos Assuntos Económicos da Santa
Sé e é próximo do Opus Dei. Entrou para a Cúria em 2011, recomendado ao
então Papa pelo cardeal espanhol Rouco Varela. Em Fevereiro do ano
passado causou polémica por ter anunciado aos jornais que ia ser eleito
número dois da recém-criada Secretaria da Economia. O Papa Francisco não
gostou e trocou-lhe as voltas, nomeando outra pessoa para o lugar.
Francesca Chaouqui
Advogada
Tem 33 anos, é italiana e foi a única mulher a integrar a comissão
criada pelo Papa em 2013 para analisar as finanças do Vaticano. A
nomeação revelou-se logo incómoda e chegou a dizer-se que Francisco
teria sido mal aconselhado. É que Francesca já tinha causado embaraços,
de “tweets” polémicos na internet contra o ex-secretário de Estado do
Vaticano Tarcisio Bertone a posts elogiosos no Facebook ao jornalista
Gianluigi Nuzzi – de quem é amiga –, em pleno escândalo do Vatileaks. É
advogada e especialista em Relações Públicas e trabalhou para a
Ernst&Young. Entrou na Cúria pela mão de Vallejo Balda e também é
próxima do Opus Dei.
* Qual é a diferença entre esta organização e uma associação criminosa, nenhuma!
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