05/11/2015

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Vatileaks 2.0. 
Afinal havia mais corvos 
a sobrevoar o Vaticano

Há um terramoto prestes a acontecer no Vaticano. Na sexta-feira já corriam rumores, em Roma, de que alguém estaria prestes a ser preso. Mas o que poucos sabiam é que o computador e o smartphone do monsenhor espanhol Vallejo Balda tinham acabado de ser confiscados pela Gendarmeria. 

Os aparelhos foram-lhe retirados por suspeitas de subtracção e divulgação de documentos reservados da Santa Sé e permitiram aos investigadores da polícia do Vaticano completar um puzzle que tentavam resolver desde Maio. 

Na altura, a imprensa italiana publicou dados sobre as finanças do Vaticano que não eram públicos. Escreveu-se, por exemplo, que teria sido desviado dinheiro de obras de caridade para a remodelação do apartamento do ex- -secretário de Estado Tarcisio Bertone. As notícias fizeram soar os alarmes na Cúria e a Gendarmeria iniciou uma investigação silenciosa para apurar a origem das fugas de informação. E há menos de duas semanas, quando os jornalistas italianos Gianluigi Nuzzi e Emiliano Fittipaldi começaram a promover os livros que vão lançar amanhã, a investigação consolidou-se

REUNIÃO DOS CAPOS
À medida que excertos das duas obras iam sendo divulgados, a Gendarmeria fazia um trabalho de cruzamento de dados. E, na semana passada, os investigadores concluíram que todas as informações tinham um ponto em comum: passaram pela comissão de sete pessoas que o Papa criou em 2013 para analisar as finanças do Vaticano.

O passo seguinte foi apreender o computador e o telemóvel a Vallejo Balda – que integrava o grupo – e a análise aos aparelhos terá confirmado as suspeitas. A Gendarmeria encontrou relatórios, documentos confidenciais e até gravações de reuniões com o Papa. Sexta-feira à noite, o monsenhor foi detido e encaminhado para a prisão do Vaticano.

Francesca Chaouqui, uma leiga italiana que também integrava a comissão, foi igualmente presa e passou a noite trancada num quarto de umas freiras salesianas até a advogada – uma das mais conhecidas e bem pagas criminalistas de Itália – chegar para a libertar. Já Vallejo Balda continua detido. Ambos são próximos da Opus Dei e juraram, em 2013, guardar segredo sobre assuntos reservados que lhe passassem pelas mãos. Agora aguardam a conclusão da acusação e deverão ser julgados, arriscando até oito anos de cadeia.
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O que dizem os livros Os dois livros que prometem abalar o Vaticano só são publicados amanhã, mas já se conhece muito do seu teor. Vários jornais publicaram excertos nos últimos dias e os dois autores têm-se desdobrado em entrevistas. A obra de Gianluigi Nuzzi – que, aquando do escândalo Vatileaks, publicou outro livro com documentos secretos de Bento XVI, vazados por uma fonte que se intitulava “o Corvo” – chama-se “Via Crucis” e contém emails, actas de reuniões e gravações de conversas do Papa, além de divulgar pormenores escabrosos sobre as finanças.

O Vaticano, conta o livro, é dono de cerca de cinco mil edifícios só em Roma e o valor deste património imobiliário rondará os 2,7 mil milhões de euros – quantia sete vezes maior que a incluída nos balanços oficiais. Nuzzi conta também que as rendas praticadas pela administração da Santa Sé são entre 30% e 100% inferiores aos valores de mercado. E que a comissão criada pelo Papa descobriu apartamentos que foram doados a cardeais como prémio ou inseridos em negociações de reformas.

Um outro relatório terá concluído, por outro lado, que se as casas fossem rentabilizadas como deveriam gerariam uma receita de 19,4 milhões de euros – muito mais que os 6,2 milhões que estão a render aos cofres da Santa Sé. Gianluigi Nuzzi, que tem dito em entrevistas que o Papa é “visto como um intruso” no Vaticano, revela, por outro lado, como funciona o mundo das causas de canonização dos santos – que chegam a custar mais de meio milhão de euros, suportados por mecenas.

Apesar dos elevados montantes, a Congregação para as Causas dos Santos, que gere estes processos, terá admitido à comissão que não há registos de contas bancárias. Por isso, revela Nuzzi, Francisco terá mandado congelar o dinheiro de vários postuladores. Em “Via Crucis” há ainda uma carta enviada ao Papa por cinco auditores internacionais, em Março de 2013, avisando que existe uma “total ausência de transparência” nas contas e alertando para o facto de os custos estarem “fora de controlo”, especialmente as despesas pessoais da Cúria.
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Já o livro de Emiliano Fittipaldi, “Avarice”, conta como terão sido desviados 200 mil euros de uma fundação de um hospital pediátrico em Roma para suportar as obras de renovação do apartamento do ex-secretário de Estado Tarcisio Bertone, através de uma batotice: um acordo a simular que o apartamento iria servir de apoio ao hospital. No último ano, Bertone já tinha sido bastante criticado pela ostentação da sua nova casa, descrita em alguns jornais como uma “mega-penthouse”.

Vaticano e opus dei reagem 
O Vaticano já reagiu à chegada dos dois livros: são “uma grave traição à confiança do Papa”. O porta-voz da Santa Sé, Federico Lombardi, acusou Nuzzi e Fittipaldi de fazerem parte de “uma operação para obter vantagens de um acto gravemente ilícito de entrega de documentação reservada” e rejeitou a justificação que Francesca Chaouqui e Vallejo Balda terão dado aos investigadores de que só vazaram informações para ajudar o Papa. “Publicações deste tipo não ajudam de modo algum a estabelecer luz e verdade, mas contribuem para gerar confusão e interpretações parciais e tendenciosas”, disse Lombardi, acrescentando: “Deve absolutamente evitar-se o equívoco de pensar que isto seja um modo de ajudar o Papa.”

A Opus Dei também reagiu, e demarcando-se do assunto: “A Opus Dei não dispõe de nenhuma informação sobre o caso. Se a acusação se provar, será particularmente doloroso pelo dano causado à Igreja”, diz um comunicado da prelatura.

Os corvos

Vallejo Balda
Padre espanhol
Os jornalistas costumavam chamar-lhe “o contabilista de Deus”, pela habilidade com que geria as contas da Igreja. Nasceu em 1961 na região de Burgos, em Espanha. É licenciado em Teologia e em Direito Económico. Foi secretário da Prefeitura dos Assuntos Económicos da Santa Sé e é próximo do Opus Dei. Entrou para a Cúria em 2011, recomendado ao então Papa pelo cardeal espanhol Rouco Varela. Em Fevereiro do ano passado causou polémica por ter anunciado aos jornais que ia ser eleito número dois da recém-criada Secretaria da Economia. O Papa Francisco não gostou e trocou-lhe as voltas, nomeando outra pessoa para o lugar. 

Francesca Chaouqui
Advogada
Tem 33 anos, é italiana e foi a única mulher a integrar a comissão criada pelo Papa em 2013 para analisar as finanças do Vaticano. A nomeação revelou-se logo incómoda e chegou a dizer-se que Francisco teria sido mal aconselhado. É que Francesca já tinha causado embaraços, de “tweets” polémicos na internet contra o ex-secretário de Estado do Vaticano Tarcisio Bertone a posts elogiosos no Facebook ao jornalista Gianluigi Nuzzi – de quem é amiga –, em pleno escândalo do Vatileaks. É advogada e especialista em Relações Públicas e trabalhou para a Ernst&Young. Entrou na Cúria pela mão de Vallejo Balda e também é próxima do Opus Dei. 

* Qual é a diferença entre esta organização e uma associação criminosa, nenhuma!


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