A revolução Volkswagen
Quando Michael Horn, presidente e CEO do
Volkswagen Group of America, testemunhou recentemente perante uma
comissão do Congresso dos Estados Unidos sobre o software que a
Volkswagen instalou nos seus carros a gasóleo para manipular os testes
de emissões, expressou a sua própria incredulidade sobre o facto de a
culpa ser de uns poucos engenheiros. "Não achava que isto fosse possível
no Grupo Volkswagen", disse Horn.
Horn e os membros do Congresso não são
os únicos a sentirem-se traídos pelo acto desleal da Volkswagen. Traídos
sentem-se também os consumidores que foram levados pelo marketing em
torno do "diesel limpo" da empresa, e compraram um dos 11 milhões de
veículos afectados da Volkswagen, Audi, Skoda e Seat. Os comerciantes,
fornecedores, trabalhadores, reguladores e legisladores de todos os
países que têm agora de lidar com as consequências também se sentem
traídos.
Quando uma grande empresa de consumo, construída numa base de
confiança e competência especializada, viola a confiança do público, o
prejuízo é enorme. As audiências nos Estados Unidos foram seguidas por
audições parlamentares no Reino Unido, e mais inquéritos oficiais estão a
ser lançados noutros lugares. Em Itália e na Alemanha, a polícia fez
buscas em escritórios e casas particulares para proteger documentos
relevantes. Fala-se de acções colectivas de consumidores em todo o
mundo, desde os Estados Unidos à Austrália. E o Banco Europeu de
Investimento pretende investigar se algum dos empréstimos concedidos à
empresa - que estavam ligados ao cumprimento de metas climáticas - foram
usados para para falsear os testes de emissões. Se assim for, o BEI pode exigir o dinheiro de volta.
Com a Volkswagen a anunciar a recolha de 8,5 milhões de carros
na Europa, a empresa pode não sobreviver - pelo menos na sua forma
actual. Estima-se que o prejuízo financeiro vá ser enorme: a Volkswagen
diz agora que vai constituir provisões de 6,5 mil milhões de euros para
cobrir os custos do escândalo. Esse valor pode não ser suficiente, e as
acções da empresa estão a reflectir as preocupações do mercado, assim
como o rating da Standard & Poor’s.
Toda a indústria automóvel está agora sob escrutínio, assim
como os reguladores, cujos procedimentos de teste se mostraram tão
fáceis de manipular, e cujas relações complexas com governos e
fabricantes de automóveis podem não servir o interesse público. E a
Volkswagen está tão estreitamente alinhada com a "marca" da engenharia
alemã que, por mais injusto que possa ser, o escândalo pode afectar a
imagem de outras fabricantes e indústrias alemãs.
Afinal, uma empresa muito conceituada, que fez bandeira das
suas credenciais ambientais, enganou de forma proactiva. Encobrir um
erro, como fez a General Motors no caso dos interruptores de ignição com
defeito, é mau o suficiente; criar e instalar um software desenhado com
o único objectivo de enganar o público é um sintoma de algo muito pior.
Um peixe apodrece pela cabeça. A Volkswagen é conhecida por ter
um conselho de administração particularmente mal estruturado e gerido:
insular, fechado e afectado por lutas internas e rivalidades familiares.
O assunto veio ao de cima em Abril do ano passado, quando o então
presidente Ferdinand Piëch se demitiu na sequência de uma luta de poder
com o agora ex-CEO da empresa, Martin Winterkorn. A esposa de Piëch,
Ursula, uma antiga professora primária que pertencia ao conselho de
supervisão, também se demitiu.
Se estas pessoas disserem, sinceramente, que não sabiam o que
estava a acontecer, ou não estão a ser completamente disponíveis, ou
falharam num dos deveres fundamentais da administração – fazer perguntas
difíceis, quando as coisas parecem boas de mais para serem verdade.
Infelizmente, na sequência das revelações, a Volkswagen
desperdiçou o que poderia ter sido um momento decisivo para a empresa -
uma oportunidade perfeita para reformar a sua governação corporativa e
eleger para posições de topo membros do conselho verdadeiramente
independentes e com pensamento novo. Em vez disso, Hans Dieter Pötsch,
director financeiro da Volkswagen desde 2003, um verdadeiro insider, foi
nomeado presidente do conselho de supervisão, enquanto o novo CEO é
outro insider, Matthias Müller, antigo líder da Porsche. Quem é que vai
confiar nas investigações internas e nas promessas de transparência de
uma tal liderança?
Tudo isto chega numa altura em que as fabricantes tradicionais
enfrentam fortes desafios vindos de fora da indústria. O comportamento
de empresas como a Volkswagen pode acabar por incentivar os consumidores
a mudarem de produtores estabelecidos da indústria para os
recém-chegados, como os futuros carros da e os modelos eléctricos da
Tesla, que desafiam a própria premissa de testes de emissões.
Mas há mais. O facto de ter sido utilizado um software – e não
um pedaço de plástico ou metal – para falsear os testes de emissões
destaca o poder e a promessa dos carros sofisticados de alta tecnologia
que podem fazer mais do que nunca. Mas também expõe as possibilidades
perniciosas de carros que se tornaram tão complexos ao ponto de quase
nenhum condutor saber o que está por baixo do capot, e o que isso
significa para o futuro.
O que a Volkswagen diz ter sido o trabalho de alguns
engenheiros desonestos poderá vir a ser um catalisador para novas
abordagens na indústria automóvel, sobretudo tendo em conta a
possibilidade de uma nova legislação para combater a mudança climática.
As pessoas seriam empurradas muito mais rapidamente para a adopção de
carros que não dependem de combustíveis fósseis. E o surgimento de novos
concorrentes aceleraria, com os consumidores a mostrarem às empresas
que a velha escola – má governação corporativa e promessas vazias - não
será mais tolerada.
Estamos apenas no início do que poderá ser um longo processo de
investigação e prestação de contas para a Volkswagen. Se esse processo
alimentar mais rupturas na indústria automóvel, poderá apressar o
surgimento de uma nova era para a mobilidade humana.
Lucy P. Marcus é CEO da Marcus Venture Consulting.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
29/10/15
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