HOJE NO
"i"
António Costa.
Vem aí o maior puzzle da vida de Babush
Os puzzles são uma mania do novo líder do PS, o
político de carreira que dificilmente poderia ter tido outro percurso.
Como foi António Costa até aqui?
Nota:
Este texto foi originalmente publicado em Novembro de 2014, depois de
António Costa ter chegado à liderança do Partido Socialista.
Republicamo-lo hoje que foi indigitado primeiro-ministro.
Babush
no dialecto concani (de Goa) é menino em português, mas no vocabulário
da família do novo líder do PS quer dizer António, António Costa. O
menino tem 53 anos, assume hoje a liderança do PS e já é o candidato do
partido a primeiro-ministro, mas ao tio materno continua a “não dar
jeito” chamar-lhe António, mesmo quando estão em público.
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A relação
entre os dois é tão próxima que adoptaram uma estratégia e ao
“camarada-tio” que ouve ao seu sobrinho Jorge Santos responde agora
“camarada-sobrinho”. Com conotação política, pois, que a política é o
incontornável nome do meio de toda a família, tanto da parte do pai como
da mãe de António Costa.
Nasceu em Julho de 1961 em Lisboa. Entrou na adolescência em plena
infância da democracia. Filho do escritor, publicitário e comunista
preso várias vezes pela PIDE Orlando da Costa e de Maria Antónia Palla,
jornalista, opositora ao regime, feminista e socialista (afastou-se do
partido em 2006). Este contexto podia ter dado num percurso político
muito diferente para António Costa? Dificilmente.
“Nasci de esquerda.” A afirmação saiu--lhe numa entrevista publicada
em 2009 no “Jornal de Negócios”, mas a verdade é que o novo
secretário-geral do PS foi sempre mais moderado que os pais, ou até o
tio. “Eu era muito mais radical do que ele e um dia, na casa dos meus
pais, tomei uma posição radical de esquerda numa discussão com a minha
mãe a seguir ao 25 de Abril. Ele achou que eu tinha faltado ao respeito à
avó e cortou relações comigo. Por escrito!” O episódio é contado, entre
risos, por Jorge Santos ao i. António teria entre os 15 e os 16 anos
quando escreveu uma carta ao tio – que descreveu como “uma figura muito
importante” na sua formação – indignado com a atitude. Jorge Santos
levou--o a sério e respondeu com igual formalismo, por carta. A zanga
passou depressa.
Hoje em dia as fúrias de António Costa são mais audíveis. E não são
raras no trabalho. Se o interlocutor não for útil na resolução do
problema, o enfado transparece na cara do socialista. Costa é impaciente
quando as coisas não correm ao ritmo que quer, grita, enfurece-se
muito, e depois passa.
Não é de pedir desculpa depois destes momentos e a
paz com o alvo da sua ira reconquista-a de forma indirecta, com um
elogio sobre outra coisa qualquer, por exemplo.
Advogado, tropa e professor “Tenacidade, capacidade de trabalho e
rigor.” São as três características que Vera Jardim encontra no lado
profissional de António Costa. Viu, com Jorge Sampaio, o jovem
licenciado tornar-se advogado. Mal saiu da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, Costa estagiou no escritório em que os dois
socialistas eram sócios do seu “camarada-tio”. Foi no final da década de
80, numa altura em que dava aulas na faculdade (Constitucional). Vera
Jardim lembra que a dada altura António ainda acumulou a tropa, já que
só cumpriu o serviço militar no final na licenciatura, tinha 27 anos.
Depois da recruta, em Tavira, foi colocado na secção de Justiça do
quartel-general da região de Lisboa, em São Sebastião. O escritório era
próximo, na Duque d’Ávila, e “havia facilidade em deslocar-se”, conta
Vera Jardim que lamenta a saída de Costa: “Teria feito uma grande
carreira de advogado.”
Como estagiário era pau para toda a obra, apesar de ser o direito
público que mais lhe agradava. “No estágio fazia-se de tudo, na altura o
trabalho na especialidade não começava tão cedo”, diz Vera Jardim que
recorda o caso que “marcou mais” o agora líder do PS. Vuvu Grace, uma
jovem zairense, e a sua filha Benedicte de seis anos chegam a Lisboa
para visitarem o marido e pai. Ficam retidas pelo Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras no aeroporto por falta de bilhete de regresso.
A defesa de Vuvu foi assumida por Vera Jardim e António Costa, com o
Ministério Público a defender o repatriamento.
O PS tratou de trazer
para a ribalta mediática o caso que os dois advogados ganharam.
A meio dos anos 90, Jorge Sampaio ainda tentou convencer Costa a
manter a actividade profissional no escritório, mas o bichinho da
política puxava por ele e António precisava de mais tempo para lhe
dedicar. Por essa altura deu-se a escalada política: era deputado na
Assembleia da República (entrou em 1991), vereador na Câmara de Loures
(eleito em 1993) e membro da direcção do PS (desde 1986). Em 1995 chegou
a secretário de Estado, passando da mão de Sampaio para a de António
Guterres com quem chegou a ministro, primeiro dos Assuntos Parlamentares
e depois da Justiça. Foi eurodeputado por uns meses, eleito em Junho de
2004, e em Março de 2005 foi chamado por Sócrates para ministro da
Administração Interna. Saiu em 2007 para Lisboa, até hoje.
O PS Em 1975, com 14 anos, Babush diz aos pais que vai inscrever-se no
Partido Socialista. O secretário coordenador da Juventude Socialista era
Alberto Arons de Carvalho, um jornalista, tal como Maria Antónia Palla.
É a mãe de António que lhe conta a novidade e Arons lembra-se de o ter
acompanhado na sua entrada. “Estava lá quando ele chegou” à sede da
Jota, em São Pedro de Alcântara, para se inscrever. Entrou cedo na arena
política, mas isso não espantou a família.
“Tinha discussões homéricas com o pai”, militante comunista, recorda
Jorge Santos. “Sempre com enorme respeito mútuo. Mas não eram discussões
de pai para filho, eram de comunista para socialista”, detalha. Durante
toda a infância, na casa dos avós maternos, classe média alta, havia um
jantar semanal sempre marcado por acesos debates. “Foi criado neste
ambiente de confrontação, mas entre pessoas que eram muito unidas”, diz o
tio que nunca estranhou o percurso político do “camarada-sobrinho”: “O
caldo de cultura dele foi de uma família republicana, oposicionista ao
regime.”
No bairro Cresceu em Lisboa, sempre na zona do Bairro Alto, onde
vivia com a mãe. Os pais separaram-se logo no seu primeiro ano de vida e
António Costa até já admitiu, em entrevista a Anabela Mota Ribeiro,
“ter tido a sorte de terem estado separados. Deu-me a oportunidade de
ter cada um deles em exclusivo”. O pai, que morreu no início de 2006,
Costa descreveu-o como “reservado e afável”. E a mãe? “É a extroversão
em pessoa.”
Há uma semana, quando venceu as directas do partido, um dos primeiros
abraços foi para Maria Antónia Palla. A cumplicidade cimentou-se
sobretudo nos nove anos (entre os quatro e os 13 de António) em que
viveram apenas os dois, mas são espíritos bem diferentes. O socialista é
reservado e até se descreve como um “tímido” que se “horroriza” em
meter conversa com desconhecidos, em campanha por exemplo. Tem dezenas
delas no currículo, mesmo na primeira linha, mas mantém este
desconforto.
Com a mãe já não debate política há anos. Foi tenso o ano de 2006, em
que António era número dois de José Sócrates no governo que acabou com a
Caixa dos Jornalistas. Maria Antónia era a presidente e travou uma luta
contra o ministro da tutela, Vieira da Silva. Perdeu e saiu da Caixa em
2007, rompendo com o PS. Sem saber manteve-se militante, mas gostava
mais de ter votado no filho na condição de simpatizante nas primárias de
Setembro. “No fundo, no fundo, votaria sempre no António”, disse em
Outubro numa entrevista ao i onde deixou a porta aberta a dar uma nova
oportunidade ao PS: “A partir de agora veremos.”
Não foi uma mãe exigente, cobradora de estudos e regras. Os tempos, e
também o contexto dos pais de António Costa, eram de uma linha
pedagógica de maior liberdade e responsabilidade individual. Maria
Antónia era sobretudo a mãe que espicaçava a curiosidade e o espírito
crítico do filho, sugerindo livros, música, levando-o a exposições e
sobretudo a viagens. Antes do 25 de Abril, aos 12 anos, foram a Milão e,
chegados ao hotel ao fim da tarde, deram conta de uma manifestação
solidária com Salvador Allende (derrubado por Pinochet) e foram.
Em casa de família ou amigos, Babush cruzou-se sempre com a elite
intelectual e cultural da época. Encontrava Sampaio, António Arnaut,
Vera Jardim na casa do tio, e através da mãe convivia com Isabel do
Carmo, figuras ligada às artes, como José Ernesto Sousa ou Marcelino
Vespeira. E também jornalistas, colegas de Maria Antónia, como Rogério
Petinga, Alfredo Cunha, Augusto Abelaria.
Depois de sair do Jardim
Infantil Luso-suíço, António Costa fez o ciclo preparatório numa secção
da escola Francisco Arruda que abriu no Conservatório Nacional, tinha um
modelo de ensino avançado para a época. Com o 25 de Abril a secção sai
do Conservatório e a sua directora, a pintora Isabel Laginhas, é
saneada.
Nas ruas corria a Revolução e na escola correu “a justa luta do
Conservatório”, como ficou conhecido na família de António Costa aquele
que foi o seu primeiro acto politizado, tinha entre os 12 e os 13 anos.
Os alunos ocuparam o Conservatório, houve chuva de pedras, intervenção
do COPCON e decidiram chumbar esse ano. Um ano depois, o “Caso
República” opôs comunistas e socialistas na redacção do jornal
“República”. A esquerda deixou de estar do mesmo lado, na cabeça de
António. “Essa ruptura que aconteceu na esquerda portuguesa entrou com
muita força na minha vida”, disse na entrevista já citada.
Primeiras revoltas
Não era brilhante, mas nunca foi
mau aluno. Era disciplinado e sobretudo autónomo. Vivia protegido num
universo que se fazia entre a redacção do “Século Ilustrado”, onde
trabalhava a mãe (e onde António Costa chegou a ter uma coluna de
crítica de televisão aos 10 anos), a casa dos avós maternos e a casa da
mãe onde uma empregada (que ficou com a família 40 anos) apoiava Maria
Antónia.
Tudo na mesma zona de Lisboa. Nas deslocações em trabalho que
levavam mais tempo, a jornalista deixava António com a sua mãe. Era
também na casa dos avós que ficava sempre uma semana no Verão, com as
duas primas, na viagem anual que o tio Jorge fazia a Paris. “As minhas
filhas gozam. Dizem que o Babush é o filho que eu nunca tive.” Jorge
Santos é reformado do Banco de Portugal, onde foi consultor jurídico e
acompanhou, ao nível técnico, a adesão de Portugal à CEE e, mais tarde,
os trabalhos de adopção da moeda única. Diz, orgulhoso, que é dos poucos
que António Costa nunca deixa sem resposta e, por vezes, é chamado até a
fazer ponte de informação entre a irmã e o sobrinho.
“O que o tira do sério – e isto acho que herdou de mim – é que não
tem paciência quando uma solução é evidente e tudo emperra para lá
chegar.” A avaliação do tio é confirmada pelos que com ele trabalham.
Miguel Alves foi adjunto de Costa no Ministério da Administração Interna
e, depois, na Câmara de Lisboa. “Percebi que com ele não bastava a
primeira resposta, porque ele interpela a partir daí. Um diálogo de
trabalho com o António Costa é como um jogo de xadrez, temos de pensar
logo na jogada seguinte”, descreve o socialista que é hoje presidente da
Câmara de Caminha.
É visto como alguém que se prepara bem para qualquer reunião ou
encontro. E apesar das fúrias nas situações mais triviais, “nos momentos
de grandes decisões está normalmente calmo”, diz Miguel Alves. Aí
torna-se impossível perceber o que lhe vai na cabeça, apesar de, na
preparação da decisão, ouvir muita gente. Foi assim no início de 2013,
na primeira crise com a liderança de Seguro. Só já quase na hora H é que
disse aos mais próximos que avançava contra o líder e já durante um
reunião da Comissão Política do PS reponderou e recuou. Sozinho.
Só no primeiro ano do ciclo preparatório é que a mãe o inscreveu na
escola, daí em diante fê-lo sempre por si. Também era sozinho que,
quando era pequeno, fazia a mala para ir passar os fins- -de-semana a
casa do pai. Orlando da Costa foi uma presença constante da vida do
filho, sendo visita assídua da casa da ex-mulher onde até passou o seu
último Natal. Aos 17 anos levou António pela primeira vez a Goa, com a
nova mulher e o outro filho, o jornalista Ricardo Costa. Foram passar o
Natal. A origem brâmane (a casta mais alta da Índia) não é assunto de
relevo para António, o seu contexto é marcadamente português. Prova
disso é que para essa viagem com o pai, a mãe até lhe sugeriu que
levasse um livro do prémio Nobel indiano Rabindranath Tagore para se
ambientar. António preferiu levar “Os Maias”.
Casou aos 27, saído da casa da mãe. Conheceu a mulher, Fernanda
Tadeu, no liceu Passos Manuel, mas só namoraram mais tarde. No tempo da
faculdade, Costa era descrito pelos colegas como “romântico e
apaixonado/Mas não sabia bem por qual” (ver ao lado). Está casado há 27
anos, tem dois filhos (Pedro e Catarina). Dizem que gosta de roupa,
sobretudo sapatos, gosta de jogar ténis, cozinha, visita frequente o
mercado de Alvalade para a preparação das empreitadas gastronómicas. Tem
uma fixação: puzzles. De milhares de peças. Está a par da novidades nas
lojas da especialidade, encomenda o que está para sair. Sempre
complicados. O mais complexo de todos vai começá-lo hoje na FIL de
Lisboa.
* Desejamos ao novo primeiro-ministro que faça bem ao país, os seus antecessores Socrates e Passos Coelho puseram os portugueses de rastos.
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