ALMORRÓIDA
ABICHANADA
Benny
Marta Rebelo não perdoa namorado que lhe deixou fugir o gato
Benny, um dos gatos da consultora de comunicação desapareceu porque o namorado, Manuel Baeta, deixou o animal fugir. A relação de quatro meses terminou assim.
"Meu lourinho adorado, não sei onde estás. A tua irmã humana imagina-te num sofá mais-que-confortável, em casa de um senhora velhinha chamada Conceição, que te recolheu quando fugiste de casa e te enche de mimos e latinhas gourmet e Catisfactions de salmão, os teus favoritos. Eu quero tanto acreditar na Conceição.
Fecho os olhos várias vezes ao dia e tento imaginar-te ainda mais pançudolas a olhar para mim com os teus olhos dourados muito abertos a dizer extá tudo bem mãe, com a voz de bebé que imaginámos teres. Mas depois tenho de fugir com as ideias para outro sítio, porque dói. Terrível e absolutamente. Dói. Desde aquela noite de sexta-feira mudou tudo. O meu coração não se partiu romanticamente em mil pedaços cristalinos. Isso é nos idílicos contos de fadas, e a vida não se sente assim.
O meu coração ficou completamente esmagado. Nos primeiros minutos, quando dei pela tua ausência, corri a casa histericamente a repetir o teu nome, corri para a rua e a correr também fiz todas as ruas à volta de casa desesperada, a procurar-te, parecia mover-me por sobrevivência. Sou tua mãe e precisava de encontrar o meu caçula. E quando parei, escorreguei mesmo por uma parede e senti: estava todo esmagado contra as minhas costas, e eu só repetia até ao expoente máximo da incapacidade de respirar o meu bebé, o meu Benny, eu nunca mais vou ver o Benny, Benny, Benny, o meu lourinho, e depois levantava-me com uma lanterna de pilhas e ia calcorrear as mesmas ruas, pôr-me de joelhos para te procurar debaixo dos mesmos carros onde a Nonô e eu já tínhamos procurado e chamado por ti. Não desisti, tive de parar por umas horas.
Desde essa noite, Benny, a Nonô passou a dormir na minha cama. Dormimos abraçadas nessa amaldiçoada noite, eu cedi à quantidade gigantesca de lágrimas que me passaram pela pele e a tua irmã ao cansaço e susto. Ver-me desesperada não é pera doce, Benny. Hoje dorme a fazer conchinha comigo, ou deitada com a cara na almofada, como se fosse humana, a cã. A Miss Kitty já lhe impôs respeito e é possível dormirem ambas comigo, desde que eu fique no meio.
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Lembras-te que dormiste comigo desde a primeira noite que passaste em casa? Eras tão pequenino. Dormias no meu pescoço, do lado direito. Dormias de barriga para cima, desde o primeiro segundo confiaste plenamente em mim. Sempre foste um amor, um tamborzinho ronronante, mesmo quando cresceste enorme, maior que a Nonô, mas sempre com a mesma carinha-laroca de bebé. Procurei-te em todo o lado. Ia sendo assaltada num bairro de segurança duvidosa onde me disseram ter-te visto. Eu e os cartazes e os panfletos que a Dri fez e distribuímos, deixamos este bairro de pantanas. Não houve quem não te procurasse. Não houve quem não me chamasse tendo um gato amarelo à vista, Às três da manhã. Às seis. Às duas da tarde. Fui sempre numa correria desabrida. Nunca eras tu. Mas segurava as lágrimas porque a Nonô ficou deprimida sem ti nas primeiras semanas, e ainda chora quando digo o teu nome.
Ligaram-me da Igreja dizendo-me que podias ser tu, morto, debaixo da rampa. Não eras, sei perfeitamente que não.Coração de mãe não se engana, oiço a tua bisavó Luísa a dizer-me durante anos e anos, a dar-me essa garantia. Sei que estás vivo. E soube – porque lá está, coração de mãe não se engana – desde que me apercebi da tua fuga, que não voltaria a ver-te. Foi essa verdade sabida que me esmagou o coração. Que me roubou uns quilos. Que me mantém presa porque sou uma mula teimosa e não quero permitir que essa verdade seja a verdadeira.
Mantenho a imagem do cartaz em que peço encarecidamente que me liguem a troco de qualquer milímetro de informação sobre ti, na capa da minha página de Facebook. Como se, enquanto assim for, te mantenhas o meu bebé. Nos últimos dias percebi que tenho de te deixar ser o bebé de quem esteja a tomar conta de ti.
Encarecidamente já só peço que te cuidem te adorem te mimem te amem. Andei a fugir deste confronto com as palavras porque só vou em cinco minutos e já mal consigo abrir os olhos de garoupa chorona. Porque sabia que me ia desfazer. Mas não é aquela imagem que nos prende. Eu sou a tua mãe. O próximo idiota que me diga que és um gato, como se isso te diminuísse o estatuto, o amor que te tenho, provocasse uma décalage da tua importância nesta família, prometo que leva um estaladão físico, porque verbais já dei tantos.
Eu sou a tua mãe. Tu és o meu caçula lourinho, o meu Benny de Bernardo, o meu leãozinho. Ninguém garante a quem tenha o Caetano dedicado a música, se ao filho se a um amante. Eu cantei-a sempre para ti, enquanto te tinha enroscado no meu colo. Sempre que ouvir essa música, seja realmente tocada ou ouvida apenas na minha cabeça, sei que estás a pensar em mim, filhote.
Não vou desistir de ti nunca, de te procurar nunca, de te esperar jamais. Mas tenho de tirar aquele apelo desesperado dali. Tenho de enfrentar a desesperança com todo o colossal amor que te tenho. Tenho de voltar a respirar com a cadência da normalidade cardíaca. Por isso tenho de deixar o coração desencostar-se das costas e reconstruir-se. Nunca me custou tanto perder alguém como me custa ter-te perdido. Porque foi inesperado. Porque te obriguei a prometer que ficavas comigo até aos 20. Porque sou eu a tua mãe Benny. Não de barriga. De coração todo. Porque sou a tua mãe, leãozinho. À tua espera sempre, neste tempo, nesta vida e em todas,
Mãe.
P.S. O Manuel saiu das nossas vidas. Foi ele que te deixou fugir, apesar de o ter avisado até à exaustão. Não consegui perdoá-lo. Tentei, mas não consegui. Mesmo que só tenha a tua mantinha e a tua taça azul, és biliões de vezes mais importante do que qualquer namorado. Filho é bocado de nós e é para sempre. Homem é bicho que passa, e só fica se a gente quiser. E eu não quis. Hoje vou tirar a tua caixinha da casa de banho.
Mas guardá-la, preciosa, se voltares."
*Pode ler-se no blogue de Marta.
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