O estado da arte
Além dos
habituais indecisos, cujo número pouco varia de eleição para eleição, há
dois dados que as sondagens parecem revelar de maneira clara: a maioria
das pessoas, que declaram ir votar, não querem que a coligação PAF
continue a governar e que a vitória da PAF ou do PS será por uma pequena
margem. Assim, a maioria dos votantes sabe o que não quer, mas não sabe
o que quer.
No universo eleitoral existe cerca dum terço que não
tem dúvidas de que a governação dos últimos quatro anos foi a melhor
possível e confia que o bom trabalho será prosseguido. Corresponde,
aproximadamente, ao limiar mínimo histórico de votantes no PSD e CDS.
Para estes, não havia forma de evitar a maior emigração de que há
memória num tão breve espaço de tempo, nem o empobrecimento
generalizado, que o crescimento brutal do desemprego era necessário, que
a maior carga fiscal de sempre era fundamental.
Por outro lado,
para esses eleitores não é necessário saber o que se propõe para os
próximos quatro anos: eles confiam. Qualquer tipo de discurso que acuse a
coligação de não ter programa é-lhes absolutamente indiferente. É com
estes cidadãos que a coligação conta para ganhar as eleições. O PSD e o
CDS prescindiram de tentar captar outro eleitorado. Os indecisos, os que
não gostaram da governação, mas poderiam pensar que iria existir uma
nova orientação, precisariam de pelo menos saber que caminho seria esse.
Assim sendo, a coligação prescindiu deles. A estratégia é convencer
quem não vai votar nela a não votar ou, pelo menos, a não votar no PS.
Toda a campanha é para aí dirigida: gerar desconfiança nos socialistas,
desde lembrar os erros do passado até à constante tentativa de
descredibilizar as propostas do PS. Aliás, os temas da campanha têm sido
as propostas do PS e não a governação da coligação ou as propostas
desta para o futuro que, pura e simplesmente, não existem.
O PS
tinha essencialmente dois desafios: o primeiro seria mostrar que a
governação tinha sido má e, sobretudo, levado às consequências
conhecidas. Não é que os socialistas tenham feito um grande esforço para
tentar mostrar isso às pessoas. Basta, aliás, ter observado o que
aconteceu nesta semana: quando ficou patente que não se vão cumprir os
objetivos do défice para 2015 e o discurso óbvio era lembrar que todos
os esforços que foram impostos aos portugueses foram em função do
cumprimento das metas que não vão ser cumpridas neste ano nem foram nos
outros, o PS falou do aumento do de 2014 e do efeito BES, que
rapidamente as autoridades europeias vieram dizer ser meramente
contabilístico.
Seja como for, pouco por ação do PS mas pela dura
realidade vivida, a grande maioria dos eleitores não aprovam a
governação nem confiam na coligação para o próximo ciclo político. E
entrava aqui o segundo grande desafio do PS: mostrar que formaria um
melhor governo e que era a única alternativa. Ora, nem os descontentes,
que não votarão na PAF, acham, pelo menos até agora, que o PS fará
melhor, nem os que pensam votar noutros partidos de esquerda estão
convencidos de que os socialistas mereçam o chamado voto útil.
Convenhamos,
dado o estado do país - e não discutamos agora se por culpa inteira ou
parcial do governo PSD-CDS -, que por muita propaganda que se possa
fazer está numa situação desesperada, com níveis de endividamento
público e privado gigantescos que o tornam tão exposto como em qualquer
outra altura a uma pequena constipação económica internacional, com um
desemprego mascarado e declarado enorme, com uma necessidade absoluta de
investimento e sem se saber donde poderá vir, com um setor bancário
numa situação desesperada e impostos que se não crescerem pelo menos se
manterão a níveis que tornam impraticável uma recuperação robusta, só
uma enorme incompetência fará que o PS perca as eleições ou que as ganhe
por poucochinho. E, por favor, não me venham com a história da
carochinha que os portugueses incorporaram o discurso da inevitabilidade
dos sacrifícios, ou que foram convencidos de que viviam acima das suas
possibilidades, ou que a culpa foi da troika. Fazer esse discurso é como
chamar estúpidos aos portugueses. Nada disso. Ninguém consegue
convencer 20% das pessoas empregadas, que vivem com 505 euros por mês,
de que isso é inevitável; não é possível convencer ninguém de que a
saída de centenas de milhares de jovens do país era necessária; que os
mais de meio milhão de pessoas que não têm sequer acesso ao subsídio de
desemprego estão a sofrer por terem vivido acima das suas
possibilidades. O que parece, neste momento, claro é que os portugueses
não vislumbram quem pode mudar este estado de coisas. E se o PS não está
a conseguir demonstrar que é alternativa, a culpa é inteiramente sua,
de mais ninguém. Quem não consegue mostrar que é alternativa não é de
facto alternativa.
O PS conseguiu mostrar tão pouco, fez uma
campanha tão pobre, com tantas dificuldades de chegar aos cidadãos que
pouco mais lhe resta do que pedir o que a coligação PAF também pede:
fechem os olhos e confiem. Que mal teremos feito aos deuses?
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
27/09/15
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