Normalidade ou
anormalidade domada?
Será normal que os professores portugueses estejam coagidos a semanas de trabalho com duração superior às 48 horas?
A imagem que perdura neste início de ano lectivo é de “normalidade”.
Pelo menos, como tal se vai falando na comunicação social, na ausência
dos escândalos que marcaram o ano passado. Em plena campanha eleitoral, a
Educação parece ser um grande tabu, protegida por um qualquer acordo
entre os protagonistas, de referir pouco, de aprofundar ainda menos.
Domados, os professores regressaram aos seus
postos, tristes, desmotivados e descrentes. Será normal que um professor
possa ser contratado por uma escola, sem submissão a um concurso,
quando a lei fundamental diz “que todos os cidadãos têm o direito de
acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em
regra por via de concurso” (artº 47, nº 2 da CRP)?
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Será
normal que um professor, acabado de sair da escola de formação, ocupe um
posto de trabalho numa escola, quando outro, do mesmo grupo de
recrutamento, com dezenas de anos de contratos consecutivos com o
ministério da Educação, fica no desemprego?
Será normal que a um
professor com 30 anos de serviço num quadro de escola seja recusado um
lugar em benefício de um colega recém-vinculado, em pleno período
probatório, ou seja, sem sequer ter ainda um vínculo confirmado?
Será
normal termos acabado de assistir a dezenas de casos de professores
que, tendo um lugar de quadro e tendo concorrido para se aproximarem da
residência, foram miseravelmente ludibriados, sem reacção adequada por
parte dos sindicatos, por, afinal, a “vaga” para que concorreram não
existir?
O Tribunal de Justiça da União Europeia tomou há dias
uma decisão que visa impedir que, no espaço comunitário, se ultrapassem
48 horas de trabalho semanal. Diz a decisão que as deslocações de casa
para o local de trabalho, sempre que esse local seja variável, passam a
contar para o cômputo final a considerar no horário. Ora parece-me bem
que os sindicatos estejam atentos ao precedente estabelecido pelo
Tribunal de Justiça da União Europeia e inquiram, junto dos tribunais
nacionais, se a norma se aplica aos professores itinerantes, cujos
locais de trabalho são vários.
Será normal que os professores
portugueses estejam coagidos a semanas de trabalho com duração superior
às 48 horas, que o Tribunal de Justiça da União Europeia definiu como
linha vermelha? Exagero meu? Então façamos um exercício, que está longe
de configurar as situações mais desfavoráveis.
Tomemos por
referência uma distribuição “simpática” de serviço, nada extrema, (há
muito pior) de um hipotético professor com 6 turmas, 25 alunos por turma
e 3 níveis de ensino (7º, 8º e 9º anos). Tomemos ainda por referência
as 13 semanas que estão estabelecidas no calendário escolar oficial,
como duração do 1º período lectivo de 2015-16. Continuemos em cenários
que pequem por defeito: as turmas do mesmo nível são exactamente
homogéneas, não necessitando de aulas diferentes, e o professor tem os
mesmos alunos duas vezes por semana. Então, este professor terá que
preparar 6 aulas diferentes em cada semana. Se pensarmos numa hora de
trabalho para preparar cada lição (o que é mais que razoável), estaremos
a falar de 6 horas por semana. Nas 13 do período, resultarão 78 horas.
O
nosso hipotético professor vai fazer 2 testes a cada turma. Nas 13
semanas lectivas fará 12 testes. Voltemos a considerar apenas uma hora
para conceber cada teste (concebê-lo propriamente, desenhar a grelha de
classificação e digitar tudo requer mais tempo). Claro está que os
testes têm que ser corrigidos. Se o nosso professor cobaia for
razoavelmente experiente e despachado, vamos dar-lhe meia hora para
corrigir cada um dos 300 testes. Feitas as contas, transitam para a soma
final 162 horas.
O que se aprende tem que ser “apreendido”. Os
exercícios de aplicação e de pesquisa são necessários. Então agora, com a
“orientação para os resultados” com que o assediam em permanência, o
nosso professor não pode prescindir dos trabalhos de casa e de outros
tipos de práticas. Imaginemos que apenas pede um trabalho em cada semana
e que vê cada um deles nuns simples 5 minutos. Então teremos de
contabilizar mais 162 horas e meia, relativas a todo o período.
Se
este professor reservar 2 escassas horas por semana para cuidar da sua
formação contínua e actualização científica, são mais 26 que devemos
somar no fim.
Acrescentemos, finalmente, as horas de aulas e as
denominadas horas de componente não lectiva “de estabelecimento”. São
mais 318 horas e meia. Somemos tudo e dividamos pelas 13 semanas, para
ver o número de horas que o professor trabalhou em cada semana: 57
horas!
Além disto, há actividades extracurriculares, visitas de
estudo, conversas com alunos e pais, reuniões que não caem dentro das
horas não lectivas de estabelecimento e, em anos de exames, pelo menos,
algumas aulas suplementares.
Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)
IN "PÚBLICO"
23/09/15
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